Por que ainda resistimos a simulados de emergência – o caso de Itabira
Foto: Carlos Cruz
Por Denes Martins da Costa Lott*
Na tarde dessa quarta-feira (23), parte da população de Itabira participou de mais um simulado de emergência envolvendo barragens de rejeitos, promovido pela Defesa Civil Estadual, pela Defesa Civil Municipal e pela mineradora Vale. O exercício – sirenes soando, moradores sendo orientados, rotas de evacuação testadas – deveria ser encarado como avanço na gestão de riscos.
No entanto, o que se viu em muitos grupos de redes sociais e WhatsApp foi o oposto: zombarias, críticas, lamentações. Alguns internautas, inclusive, invocaram versos de “Deus lhe pague”, de Chico Buarque, para ilustrar o desconforto emocional que o simulado despertou.
Esse tipo de reação revela um traço preocupante: a falta de uma cultura prevencionista sólida em nosso meio. Em vez de encarar o treinamento como um ato de responsabilidade coletiva, parte da população o percebe como algo pesado, esquisito, um mau agouro – como talvez, e o simples fato de simular fosse capaz de atrair o acidente.
Simulados: para que servem?
Simulados de acidentes são exercícios planejados para treinar a população e as instituições públicas na resposta a situações de alto risco – como o rompimento de barragens, acidentes nucleares ou desastres industriais.
No Brasil, destacam-se:
-Simulados obrigatórios em barragens, conforme a Lei nº 12.334/2010 (Política Nacional de Segurança de Barragens).
-Exercícios em usinas nucleares de Angra, com evacuação programada de milhares de pessoas.
-Treinamentos em plataformas e refinarias da Petrobras, seguindo o Plano Nacional de Contingência.
Em países como o Japão, Alemanha e Estados Unidos, simulados são práticas rotineiras, celebradas como demonstrações de cidadania e responsabilidade social.
Resistência cultural e baixa adesão: negamos o que nos assusta
Embora não seja minha área de formação, conceitos estudados na psicologia comportamental ajudam a iluminar o que observamos socialmente.
A chamada evitação experiencial, conforme descrita por Hayes et al. (1996), explica a tendência humana de evitar qualquer situação que confronte medos profundos – ainda que essa fuga nos torne mais vulneráveis.
Em outras palavras: zombar de simulados, ignorá-los ou tratá-los como “mau agouro” é, muitas vezes, uma defesa emocional contra a ansiedade que o risco real provoca.
Essa resistência emocional tem um reflexo prático dramático: a baixíssima adesão da população aos simulados.
Em Itabira, como em tantas outras cidades mineradas, a quantidade de moradores que efetivamente participa, que se desloca aos pontos de encontro, que leva o exercício a sério, é mínima – muitas vezes, inferior a 10% da população prevista.
Isso compromete gravemente a eficácia dos simulados.
Sem a participação comunitária, os exercícios perdem seu sentido, transformando-se em meras formalidades institucionais.
Prevenção sem povo é ficção.
Simulado sem adesão é apenas encenação para auditoria.
Mudar esse quadro exige não apenas divulgar o risco, mas educar para o risco – ressignificar o próprio valor da preparação.
A atuação da Fundação Israel Pinheiro (FIP) merece aplausos pela divulgação do vídeo sobre o exercício simulado de quarta-feira no Instagram.
A FIP atua como assessoria técnica independente aos atingidos e desempenha um papel fundamental na mobilização e conscientização da comunidade. buscando engajar a população e reforçar a importância da participação ativa nesses exercícios.
Preparar é um dever, não deveria ter uma conotação de mal presságio ou antipática, que gere resistência
Não treinar por medo de assustar é como recusar o colete salva-vidas achando que ele atrairá o naufrágio.
Que os simulados sejam cada vez mais realistas, frequentes e respeitados.
Que a adesão comunitária deixe de ser exceção e passe a ser a regra.
Que o medo inevitável nos impulsione à ação – não à zombaria.
E que Itabira avance, não apenas organizando simulados, mas cultivando verdadeiramente uma cultura viva de segurança, com a participação consciente de todos.
*Denes Martins da Costa Lott é advogado especialista em Direito Ambiental e Minerário. Secretário da Comissão de Meio Ambiente da 52ª Subseção da OAB, ex-secretário de Meio Ambiente de Itabira.
Referências:
Lei nº 12.334, de 20 de setembro de 2010. Estabelece a Política Nacional de Segurança de Barragens.
Hayes, S. C., Wilson, K. G., Gifford, E. V., Follette, V. M., & Strosahl, K. (1996). Experiential avoidance and behavioral disorders: A functional dimensional approach to diagnosis and treatment. Journal of Consulting and Clinical Psychology, 64(6), 1152–1168.
ONU. (2015). Marco de Sendai para Redução do Risco de Desastres 2015-2030.
O especialista em Direito, não entende de Psicologia Social, e muito menos de Sociologia. Como atingida e moradora da zona de auto risco de morte de cinco barragens, e cientista social, assevero que resistimos aos simulados da mineradora Vale S.A. pela consciência de que em caso de rompimento não haverá tempo hábil para NIGUÉM se autosalvar. Nossa resistência deve ser compreendida como resistência silenciosa conceituada por James C. Scott, cientista político e antropólogo estadunidense. Nossa resistência aos simulados da mineradora Vale S.A. “é uma forma de luta pela sobrevivência e pela redistribuição do poder, que se manifesta em ações do dia a dia, sem organização formal, mas com uma cultura subalterna que as sustenta.”