Artistas tricotam o Natal em Itabira e fazem tecituras na Casa de Drummond
Lenin Novaes*
A cultura da arte do bordado em tricô e crochê – tecelagem com as mãos – está presente de forma marcante em dois fatos correlatos na cidade mineira de Itabira, estimados leitores e leitoras da Vila de Utopia, fruto do trabalho voluntário de abnegadas mulheres que não contam com patrocínio do poder público para realização de suas atividades em favor da população em geral.
Uma das obras do bordado pode ser apreciada pelo público na Casa de Drummond, órgão vinculado à Fundação Cultural Carlos Drummond de Andrade, até o dia 8 de janeiro, de terça-feira à sexta-feira, das 9 às 18 horas. Também nos sábados e domingos, das 10h30 às 16h30. Trata-se da exposição Tecituras: Poesias Entrelinhas, que foi aberta à visitação no dia 6 de dezembro.
Na casa onde o poeta Carlos Drummond de Andrade viveu dos dois aos 13 anos – sobrado de dois pavimentos construído pelo bisavô do poeta no final do século XX – abriga, atualmente, o Centro de Inclusão Social. O sobrado é representado por ele no poema “Casa”, no livro Boitempo. E é lá, às terças-feiras, que bordadeiras deitam falação, no bom sentido, enquanto tricotam versos dos poemas do filho mais ilustre de Itabira, entre outros poetas brasileiros.
A outra arte do bordado, já em fase final de execução, na Praça Dr. Acrísio Alvarenga, tem temática natalina, com árvores sendo ornamentadas em diversos estilos e multiplicas cores. À frente da empreitada, que conta apenas com apoio da Secretaria de Ação Social, está a artista plástica Sônia Guimarães, auxiliada na mão de obra por várias artesãs que, pessoalmente, investiram na compra de todo o material. Uma das artesãs desembolsou R$ 200,00 para comprar linhas para fazer o bordado.
O trabalho voluntário das artesãs é uma ação e lição de cidadania frente ao total desprezo da Prefeitura de Itabira à festa natalina. Com bom humor, alegria e muita disposição, elas se dedicam à tarefa de enfeitar uma das principais praças da cidade, preservando a manifestação que é centrada na solidariedade.
A arte de bordar e tricotar, que já foi prática essencial tanto quanto saber cozinhar e cuidar de filhos, cada vez mais se constitui na organização de grupos de mulheres, seja na forma de cooperativas ou como hobby. Tem até Clube do Bordado que promove cursos, comercializa materiais e vende produtos artesanais. Bordar e tricotar pode servir como atividade de terapia individual e também como pretexto para discussão em grupo de questões ligadas diretamente à mulher: violência doméstica, adultérios etc. Também bordar e tricotar proporciona benefícios à saúde, pois essas atividades levam a relaxamento como a prática da meditação e da ioga, reduzindo a dor e ajudando no tratamento de depressão, ansiedade e esquizofrenia.
Tanga do Gabeira
O assunto nos remete a fato de repercussão nacional, protagonizado pelo mineiro de Juiz de Fora, autor do livro O que é isto, companheiro?, Fernando Gabeira, escritor, jornalista e ex-deputado federal pelo Rio de Janeiro. Ele, no verão de 1980, usou uma tanga de crochê lilás para tomar banho de mar no posto nove da Praia de Ipanema, emprestada pela prima dele, a jornalista Leda Nagle.
A atitude de Gabeira, que havia retornado ao Brasil em setembro de 1979, depois de aprovada a Lei de Anistia, foi comentada de norte a sul, leste a oeste do país, tendo como questão de fundo o machismo e a busca da defesa da variedade sexual, segundo algumas observações à época.
Fernando Gabeira destacou-se como jornalista, no início da carreira, na função de redator do Jornal do Brasil, onde trabalhou de 1964 a 1968. Os colegas de redação diziam que o estilo marcante dos textos dele podia ser reconhecido até em bilhetes. No final dos anos 60, ingressou na luta armada contra a ditadura militar. Foi preso e exilado.
Em dez anos de exílio, esteve em vários países. Testemunhou no Chile, em 1973, o golpe militar que derrubou Salvador Allende. Mais tarde, retrataria a queda e o assassinato de Allende em roteiro para a TV sueca. Na Suécia, país onde viveu mais tempo durante o exílio, exerceu desde o jornalismo, principalmente na Rádio Suécia, até a função de condutor de metrô, em Estocolmo.
Na volta ao país dedicou-se a intensa produção literária, construindo as primeiras análises críticas da luta armada e impulsionando no Brasil temas como as liberdades individuais e a ecologia. Livros como O que é isso Companheiro, O crepúsculo do Macho, Entradas e Bandeiras, Hóspede da Utopia, Nós que Amávamos tanto a Revolução e Vida Alternativa apontaram novos horizontes no campo das mentalidades e colocaram na berlinda uma série de velhos conceitos da vida brasileira.
Em 1986 candidatou-se ao governo do Estado do Rio de Janeiro pelo Partido Verde. Os tradicionais comícios e passeatas, sisudos e cinzentos, ganharam uma nova estética. Momentos máximos foram a passeata Fala, Mulher, que coloriu a Avenida Rio Branco de rosa e a cobriu de flores, e o Abraço à Lagoa, em que milhares de pessoas deram as mãos em torno da Lagoa Rodrigo de Freitas, produzindo um dos momentos de maior força simbólica e plástica da cena política brasileira.
Nos anos seguintes Gabeira continuou jornalista, escritor e tornou-se um dos principais líderes do PV. Em 1987, cobriu em Goiânia o acidente radioativo com o césio 137 e escreveu seu décimo livro, Goiânia, Rua 57 – O nuclear na Terra do Sol. Sua atuação política e jornalística foi marcante em outros diversos fatos importantes da vida nacional, particularmente os ligados à questão ambiental, como a investigação do assassinato de Chico Mendes, a interdição da usina nuclear Angra I por problemas de segurança e o encontro mundial dos povos indígenas em Altamira (PA). Em 1988, lançou o livro Greenpeace: Verde Guerrilha da Paz, reportagem-ensaio que apresentou ao Brasil a filosofia e os bastidores da maior organização ecologista do mundo.
Em 1989 foi candidato a presidente da República. Gabeira era, já então, a mais visível liderança de uma nova opinião pública mais escolarizada, mais atenta a questões ambientais, culturais e éticas. Em 1994, elegeu-se deputado federal pela primeira vez. Foi dos mais influentes deputados do Congresso Nacional. Em 2006, foi o candidato mais votado no RJ. Em 2008 Gabeira foi candidato a Prefeito e liderou uma onda verde no Rio que, apenas por pouquíssimos votos, não o fez prefeito da cidade.
Em 2010 foi candidato a governador e ficou em segundo lugar, com 20% dos votos. Tentando traduzir a importância de Fernando Gabeira na vida política nacional, a revista Veja escreveu que ele era “o guerrilheiro da lucidez, a materialização das utopias impossíveis”. É um grande elogio: não é fácil harmonizar lucidez e utopia.
*Lenin Novaes, jornalista e produtor cultural. É co-autor do livro Cantando para não enlouquecer, biografia da cantora Elza Soares, com José Louzeiro. Criou e promoveu o concurso nacional de Poesias para Jornalistas, em homenagem ao poeta Carlos Drummond de Andrade. É um dos coordenadores do Festival de Choro do Rio, realizado pelo Museu da Imagem e do Som – MIS. É Assessor de Imprensa do Centro de Ciências da Saúde (CCS) da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ.