Brasil registra 245 mil novos casos de hanseníase nos últimos dez anos e é hora de combater o preconceito
Imagem: Freepik/Divulgação
Doença é ainda muito estigmatizada, o que pode motivar atraso no tratamento e sua transmissão
O Brasil é o segundo país em prevalência de hanseníase, atrás apenas da Índia, e responde por nove em cada 10 casos da doença nas Américas. Nos últimos dez anos, o Brasil registrou quase 245 mil novos casos da doença, segundo o Ministério da Saúde.
Em 2023, foram contabilizados 22.773 novos diagnósticos. Em 2024, os casos já haviam mais de 14.400 até setembro. Marcada por forte estigma, a doença tem tratamento, disponível gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e deixa de ser transmissível com o manejo adequado.
Comemorado no último domingo de janeiro, o Dia Mundial da Hanseníase, que neste ano será no dia 26, busca conscientizar as pessoas sobre a enfermidade. Por isso também o mês ganha a cor roxa.
A hanseníase é uma doença infecciosa e contagiosa que atinge a pele, mucosas e o sistema nervoso periférico, ou seja, nervos e gânglios. Embora tenha cura, pode causar lesões e danos neurais irreversíveis se não for diagnosticada a tempo e tratada de forma adequada.
A dermatologista Ana Elisa Mendonça, que atende no centro clínico do Órion Complex, em Goiânia, cita quais são os sintomas da hanseníase. “Na pele pode manifestar-se com manchas hipocrômicas (esbranquiçadas) ou avermelhadas com alteração de sensibilidade térmica (calor/frio), tátil (ao toque) ou dolorosa no local da lesão”, diz ela, que acrescenta:
“Pode apresentar edema, placas infiltradas ou nódulos localizados principalmente na face ou nos lóbulos das orelhas, além da diminuição do suor e de pelos nas áreas afetadas. Pode-se observar espessamento, dor ou hipersensibilidade em nervos como ulnar, radial, tibial, fibular. Dormência ou formigamento de mãos e pés.”
Pode provocar também “perda de sensibilidade térmica, tátil e dolorosa ocasionando ferimentos e queimaduras indolores nas mãos e pés, além de distúrbios motores nas mãos e pés ocasionando mão em garra e pé caído”.
Resistência natural
A enfermidade é transmissível, mas a especialista explica que muitos têm uma resistência natural à ela. “A transmissão da hanseníase ocorre por contato direto, prolongado e íntimo com uma pessoa infectada e sem tratamento”, explica.
Segundo a dermatologista, a doença é transmitida principalmente por meio de gotículas respiratórias como espirros ou tosse de uma pessoa infectada.
“A hanseníase tem uma alta infectividade, mas cerca de 90% das pessoas infectadas não desenvolvem a doença, devido a uma resistência natural ao bacilo ocasionado pela interação da resposta imune da pessoa contra o bacilo. Assim, o desenvolvimento da doença depende da resposta imune do hospedeiro, a resistência natural ao bacilo tem relação com condições genéticas”, esclarece.
Tratamento
O tratamento da hanseníase ocorre com uma combinação de medicamentos chamada poliquimioterapia única (PQT- U), que associa alguns fármacos. A duração do tratamento varia de 6 a 12 meses.
Na hanseníase paucibacilar (menos que cinco lesões) preconiza o tratamento por seis meses e na hanseníase multibacilar (mais que cinco lesões) tratamento por 12 meses.
“O esquema de tratamento é fornecido gratuitamente pelo SUS e é eficaz para curar a doença, prevenir complicações e interromper a transmissão. É importante que o diagnóstico seja feito e o tratamento instituído o mais rápido possível para interromper a cadeia de transmissão”, recomenda a dermatologista.
Preconceito
A hanseníase é uma das doenças mais antigas que se tem registros e até hoje carrega os estigmas do seu passado. E mesmo com os avanços no diagnóstico e tratamento, o preconceito em relação à hanseníase ainda é significativo.
Segundo a dermatologista, esse estigma tem raízes históricas, culturais e sociais, e pode causar impactos negativos na vida dos pacientes, como isolamento social, discriminação e atraso na busca por atendimento médico.
“Na história da enfermidade a enfermidade foi associada a vários termos pejorativos como ‘lepra’ e estabelecido um isolamento compulsório dos pacientes. Muitas pessoas ainda acreditam erroneamente que a hanseniase é altamente contagiosa e que não existe cura, o que gera medo e discriminação”, destaca a dermatologista.
Por tudo isso, Ana Elisa Mendonça ressalta a importância da campanha Janeiro Roxo, que busca informar a população sobre a transmissão da doença, seus principais sinais e sintomas, a sua forma de tratamento, além de reforçar que a hanseníase é curável.
“A campanha tem o objetivo de destacar a importância do diagnóstico precoce e tratamento imediato para interromper a cadeia de transmissão e também, para evitar complicações e sequelas. A conscientização é o primeiro passo para eliminar a doença e garantir mais saúde e dignidade para todos”, salienta a especialista.