Incomodado com o Papai Noel da Coca-Cola, Assis Valente compõe uma das mais bonitas e realistas canções de Natal
Imagem: Divulgação/ The Coca-Cola Company
A triste e ainda atual realidade do Natal mostrada em Boas Festas
Quem inventou o Papai Noel vermelho que conhecemos foi a Coca-Cola, símbolo do imperialismo norte-americano, não foram os comunistas e muito menos os petistas brasileiros, nem os psolistas itabiranos.
Por sorte, para que o deslumbre com a nova imagem não virasse unanimidade burra, o compositor Assis Valente desmontou a propaganda consumista do ‘bom velhinho’ com fina ironia, mostrando que a ilusão da fartura natalina nada mais é do que ‘brincadeira de papel’, com a clássica e realista composição natalina Boas Festas.
Nas vésperas do Natal, sentindo-se triste e solitário, Valente estava especialmente injuriado com a propaganda da Coca-Cola que moldou a imagem do Papai Noel vermelho, obeso e consumista, esse “bom velhinho” nascido como garoto-propaganda da marca entre as décadas de 1920 e 1940.
“Foi nesse contexto que Assis Valente compôs Boas Festas, tornando-se um marco da música natalina brasileira”, conta o professor Luiz Antonio Simas, escritor, compositor e palestrante sobre brasilidades, carnavais, religiosidades e culturas das ruas.
Com seu tom irônico e melancólico, a canção começa com versos como “Anoiteceu, o sino gemeu, e a gente ficou feliz a rezar. Papai Noel, vê se você tem a felicidade pra você me dar”.
Na sequência, a canção termina de maneira triste e crítica: “Eu pensei que todo mundo fosse filho de Papai Noel. Bem assim, felicidade eu pensei que fosse uma brincadeira de papel. Já faz tempo que eu pedi, mas o meu Papai Noel não vem. Com certeza já morreu, ou então felicidade é brinquedo que não tem”.
Esses célebres versos refletem a desilusão de Valente com a imagem comercial e consumista do Papai Noel promovida pela Coca-Cola, contrastando com uma visão mais realista e amarga das festividades natalinas.
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Origens
A relação entre a figura de Papai Noel e o mercantilismo em torno do Natal é multifacetada. A imagem “moderna” do Papai Noel, com suas vestes vermelhas e barba branca, conforme já mencionado, foi popularizada pela Coca-Cola nas décadas de 1920 e 1940.
Antes disso, Papai Noel era retratado de várias maneiras, mas a versão que se consolidou é a da campanha publicitária da Coca-Cola, procurando associar o bom velhinho a sentimentos de alegria que vem com a “arte de presentear e de receber”, para gáudio dos comerciantes ávidos pelo lucro fácil natalino.
Apesar de ser uma celebração cristã milenar, a figura do “bom velhinho” barbudo de roupa vermelha e branca só começa a ser mais difundida na década de 1930, embora seja fruto também do sincretismo de várias culturas e religiões.
A história de São Nicolau, um arcebispo do século IV, que deixava moedas de ouro na porta de famílias humildes, é uma das mais difundidas. Outra lenda fala sobre o “Velho Inverno”, um senhor que andava pedindo comida no inverno e trazia sorte a quem o ajudasse.
Em 1823, o poema The Night Before Christmas, de Clement Clarke Moore ajudou a consolidar a imagem de um velhinho bochechudo que viajava de trenó e entrava nas casas pela chaminé. Em 1863, o cartunista Thomas Nast criou uma imagem mais visual de Noel, adicionando elementos como a residência no Polo Norte.
Já o Papai Noel “moderno” da Coca-Cola ganha visibilidade internacional a partir da década de 1930, com o ilustrador Haddon Sundblom, que criou a imagem do “bom velhinho” para a campanha publicitária da multinacional, inspirando-se no poema de Clark Moore.
Embora o Papai Noel já fosse representado com roupas vermelhas antes de Sundblom, foi a partir daí que sua figura se popularizou massivamente. A Coca-Cola passou a usar a imagem de Papai Noel em várias campanhas, consolidando a figura que é mais conhecida hoje mundialmente.
Críticas ao consumismo e patriotismo
A associação de Papai Noel com a Coca-Cola trouxe também um debate sobre o impacto da publicidade no consumo e na sociedade. Enquanto a imagem do “bom velhinho” foi usada para promover um produto, ela também exacerba a sociedade de consumo, promovendo hábitos pouco saudáveis, principalmente entre crianças.
Nos tempos atuais, há discussões muitas vezes radicalizadas sobre a cor do traje do Papai Noel e seu impacto cultural-político em várias cidades, principalmente no Sul do país.
A prefeitura do balneário Camboriú, Santa Catarina, por exemplo, cidade conhecida por ser um reduto bolsonarista, decidiu-se vestir o Papai Noel com roupas verdes e douradas.
Deixou de lado o tradicional vermelho, que é associado às esquerdas, em especial ao Partido dos Trabalhadores (PT). Isso enquanto o verde e amarelo são cores associadas ao “patriotismo” e apoio ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
A mudança de cor gerou controvérsias nas redes sociais, com alguns internautas apelidando o personagem de “Papai Noel Patriota”. A prefeitura da cidade rebateu, afirmando que a escolha das cores verdes, dourado e branco simboliza prosperidade e exclusividade, rechaçando quaisquer motivações político-partidárias. Não convenceu, mas a mudança ficou.
Outras cidades do Sul do país, certamente pelas mesmas motivações, também mudaram as cores do traje do Papai Noel. Florianópolis adotou cores “mais neutras” para vestir o bom velhinho no lugar do vermelho, como foi o caso do Beiramar Shopping ao decidir vestir Papai Noel com roupas douradas e brancas.
Pessoalmente, prefiro a imagem de Noel pelos traços de Genin, ilustrando o poema Papai Noel às Avessas, de Drummond, bem mais brasileiro e que prefere entrar “pela porta dos fundos (no Brasil as chaminés não são praticáveis), cauteloso que nem marido depois da farra”. (CC).
Fontes: Luiz Antônio Simas, AH-Aventuras na história, Correio Brasiliense, Diário do Centro do Mundo e O Globo.
Parabéns por nós trazer a memória da canção do Assis Valente e está belíssima ilustração do genial Genin Guerra, ah e o poema Papai Noel às avessas do glorioso CDA.