Relatório da Polícia Federal revela que golpe de Bolsonaro para permanecer no Poder previa guerra civil, prisões e assassinatos
Foto: Isac Nóbrega/PR
Conforme revela o professor Wilson Gomes, titular da Universidade Federal da Bahia (UFBA), na Folha de S.Paulo desta terça-feira (3), com base em relatório da Diretoria de Inteligência da Polícia Federal, assassinatos e guerra civil eram considerados danos colaterais aceitáveis no plano de Jair Bolsonaro (PL).
Gomes, autor do livro Crônica de uma Tragédia Anunciada, destaca que o ex-presidente planejava manter-se no poder por meio de um golpe de Estado, utilizando meios ilícitos e violentos, incluindo mortes, prisões e assassinatos.
O relatório comprova, com farta documentação, que o ex-presidente planejava manter-se no poder por meio de um golpe de Estado, utilizando-se de meios ilícitos e violentos, com mortes, prisões e assassinatos.
Também revela que ele não agia sozinho, mas contava com um círculo íntimo, assim como ocorreu com Hitler, com divisão de funções e especialidades bem definidas.
Estrutura do Plano
Como no círculo íntimo de Hitler, o núcleo bolsonarista tinha quem cuidava da propaganda para preparar o terreno para o golpe, a exemplo do que fazia Goebbels. Os golpistas construíram pactos de lealdade e alianças estratégicas e havia aqueles encarregados de executar assassinatos para eliminar os inimigos.
Os comandantes das tropas cuidariam do enfrentamento ou intimidação da resistência, enquanto o núcleo jurídico forneceria um verniz de legalidade às monstruosas ilegalidades, criando leis para legitimar um regime erguido sobre arbítrio, cadáveres e sangue.
Tudo isso foi planejado, articulado e posto em movimento, e agora está devidamente investigado e documentado no relatório da Polícia Federal.
A maioria dos golpistas ostenta altas patentes militares – general, almirante, coronel, tenente-coronel – mas também havia “juristas”, políticos, padre e juiz federal, evidenciando que o desprezo pela democracia não se restringe aos meios militares deste país.
Fracasso
Por sorte, o plano fracassou por incompetência dos golpistas e pela falta de apoio necessário, não por falha da propaganda, que teria propiciado aos golpistas uma base popular extremamente mobilizada e disposta a tudo, como se viu no 8 de Janeiro.
Fracassou porque alguns conjurados em posição de comando reavaliaram custos, perdas prováveis e riscos presumidos, concluindo que não valia a pena. Além disso, faltou um apoio crucial dos Estados Unidos, notório financiador de golpes nas chamadas Repúblicas das Bananas.
Afinal, sequestrar e assassinar um ministro do Supremo, envenenar o presidente eleito, “neutralizar” o vice-presidente, prender opositores e correr o risco de uma guerra civil não valia a pena para garantir poderes ditatoriais a Jair Bolsonaro, alguém com perfil mais de golpista de artigo 171 que de golpista comandante de tropas. Segundo o articulista, “só para lunáticos essa conta fecharia”.
Quando o presidente golpista já havia recuado e o plano militar desabilitado, os demais golpistas foram desmobilizados, mesmo se sentindo prontos para legalizar e institucionalizar o golpe consumado, como atestam os inúmeros planos estratégicos, minutas do golpe e até o discurso de posse do novo ditador encontrados pela Polícia Federal.
Falhas e decisões
Ainda segundo o professor da UFBA, o elaboradíssimo plano para “neutralizar” Alexandre de Moraes foi abortado, mas não devido a falhas do núcleo de assassinos, recrutados entre os agora famigerados “kids pretos”, e sim por força das circunstâncias e, posteriormente, por decisão política.
“A verdadeira falha parece ter ocorrido entre os conspiradores, que não conseguiram convencer todos os envolvidos de que os ganhos superavam os riscos. Não foi virtude moral nem apego à democracia o que emperrou a engrenagem golpista, mas cálculos pragmáticos.”
Entretanto, mesmo assim, prossegue o professor, foi uma proeza considerável. “Não parece plausível que um homem com tão poucas qualidades tenha convencido tantos a arriscar tudo por sua permanência no poder”.
Segundo ele, é mais razoável supor que havia interesses tão determinados a destruir um regime em que esquerda e liberais podem vencer eleições que aceitaram Bolsonaro como um inconveniente menor.
Para eles, os golpistas, isso era o de menos para os que consideravam a guerra civil como hipótese e achavam os “danos colaterais aceitáveis”, como seriam as mortes de Alexandre de Moraes e sua equipe de segurança, os assassinatos de Lula e Alckmin, além de planejar, como primeira medida estratégica pós-golpe, a prisão preventiva dos juízes do STF, “geradores de instabilidade”.
Entranhas de uma conspiração fracassada
Conforme acentua o professor, o relatório da Polícia Federal não apenas revela as entranhas de uma conspiração, mas ilumina a natureza de alguns protagonistas da política nacional.
Mostra o desconforto de boa parte da elite militar com governos civis, com os freios impostos por uma Constituição democrática e com a abstinência de poder político.
E o quão longe estão dispostos a ir para mudar essa situação por meio de um golpe civil-militar, a exemplo do que ocorreu no fatídico 1º de abril de 1964.
“Tal disposição só evidencia a absoluta falta de qualquer limite moral de Bolsonaro e do projeto autoritário que ele representou”, conclui o professor Wilson Gomes.