Amig critica novo acordo de Mariana e diz que a mineração precisa mudar para que tragédias com barragens não voltem a se repetir
Fotos: Antônio Cruz/ Agência Brasil
Nesta terça-feira (5), o trágico rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, completou nove anos. O crime ambiental matou 19 pessoas, entre trabalhadores e moradores do povoado Bento Rodrigues, que ficava abaixo da estrutura e que desapareceu do mapa.
Isso depois de ser atingido por 40 milhões metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro, lavrado pela Samarco, uma mineradora brasileira fundada em 1977, controlada pelas multinacionais Vale S.A. e pela BHP Billiton, cada uma com 50% das ações da empresa.
Foi o maior desastre ambiental no Brasil. Devastou uma imensa região, destruindo irreparavelmente o que encontrou pela frente na bacia do rio Doce, numa extensão de 684 quilômetros, até os litorais no Espírito Santo e Bahia.
Mesmo com o novo acordo, anunciado há duas semanas, a tragédia continua levantando sérias questões sobre segurança, responsabilidade e prevenção de acidentes na indústria de mineração, conforme aponta a Associação dos Municípios Mineradores (na verdade, Municípios Minerados) de Minas Gerais e do Brasil (Amig).
O seu presidente e prefeito de Conceição do Mato Dentro, José Fernando Aparecido de Oliveira, presidente da Associação dos Municípios Mineradores de Minas Gerais e do Brasil (AMIG), é um dos que fazem críticas ao acordo de reparação, para quem o rompimento da estrutura constituiu o maior colapso ambiental da mineração brasileira e, talvez, o maior desastre do gênero no mundo.
“O acordo de reparação, assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva no final de outubro, e que demorou quase 10 anos para ficar pronto, só compensa em parte, pois jamais vai reparar o impacto humano e ambiental”, considera Aparecido de Oliveira.
Segundo ele, o acordo deveria ter disso mais abrangente, abarcando também os municípios minerados no que diz respeito à recuperação econômica, como também quanto a segurança. Para o presidente da Amig, o acordo é omisso nesses aspectos.
Tragédia recorrente
Para o consultor ambiental da Amig, Thiago Metzker, o aprendizado após a tragédia de Mariana foi tardio e reativo. Tanto que, pouco depois, em 25 de janeiro de 2019, ocorreu o maior acidente de trabalho do Brasil, e um dos maiores ambiental, cometido pela mesma mineradora Vale, com o o rompimento da barragem da Mina de Córrego do Feijão, que estava instalada acima de estruturas e do restaurante industrial.
O rompimento dessa estrutura resultou na maior tragédia humanitária decorrente da mineração irresponsável no país, com um triste saldo de 272 mortes entre trabalhadores, moradores e turistas que visitavam Brumadinho.
“Somente após esses desastres é que tivemos novas normas de segurança. Deveríamos estar muito mais avançados em prevenção, e não reagindo a tragédias”, aponta o consultor ambiental da Amig.
Metzker conta que a AMIG tem realizado um trabalho para reduzir a assimetria de conhecimento e de acesso a tecnologias entre mineradoras e municípios minerados, no sentido de promover uma cultura preventiva, o que ainda inexiste em muitos aspectos e que continuam sendo negligenciados pelas mineradoras.
“A mineração precisa ser mais segura para os trabalhadores, sustentável e comprometida com o bem-estar das comunidades”, ele defende.
É que, segundo ele, essas comunidades convivem com o grande impacto diário de viver sob o risco das barragens, que exigem uma política de prevenção e apoio financeiro que se estenda além do curto prazo.
“Temos que lembrar que os territórios são os que mais sofrem. Os municípios mineradores (sic) e afetados devem estar no centro da fiscalização e da segurança, e não podem ser deixados para trás.”
Riscos permanentes
Já o consultor de Relações Institucionais e Econômicas da AMIG, Waldir Salvador, critica a confiança excessiva que marca a autogestão das mineradoras, assim como o despreparo governamental para tratar do tema de grande relevância para o estado de Minas Gerais.
Ele acentua que, até a tragédia de Mariana, em 2015, a Samarco era reconhecida por sua responsabilidade ambiental e, como outras empresas do setor, gozava de um alto grau de autoconfiança.
“O rompimento da barragem do Fundão e, da barragem da Vale em Brumadinho, mostrou como a ilusão de invulnerabilidade é perigosa. Hoje sabemos que o setor precisa rever essa autoconfiança para evitar que tragédias semelhantes ocorram no futuro.”
Salvador destaca ainda que o problema não está apenas nas barragens, mas na gestão de toda a cadeia de mineração, decorrente da falta de fiscalização e do peso do lobby do setor, o que acabou por criar uma estrutura vulnerável, sem o controle que o governo, via agência reguladora, deveria exercer sobre a mineração, que é uma concessão pública federal.
“Temos uma agência reguladora falida e sem capacidade de fiscalização. Outro fator agravante é o descaso do governo federal com as cidades mineradoras e afetadas pela atividade”, critica Waldir Salvador, que vê no novo acordo de Mariana como um claro exemplo.
“O acordo deveria considerar também o impacto econômico nas cidades, como é o caso de Ouro Preto, que sofreu severamente com a saída da Samarco, mas sequer foi considerada como afetada na época. Ignorar os municípios é ignorar os verdadeiros atingidos, que merecem uma recuperação ampla, que leve em conta as perdas sociais e econômicas”, ressalta.
O futuro da mineração e os riscos iminentes
Ainda de acordo com os consultores da Amig, o Brasil precisa adotar uma postura firme e comprometida com o desenvolvimento sustentável, com a segurança e a proteção das comunidades mineradas e espoliadas até a exaustão mineral, como é o caso de Itabira .
Só assim, os erros do passado podem ser evitados com uma fiscalização rígida e com a garantia de que os interesses das mineradoras não estejam acima dos interesses das pessoas e do meio ambiente nas cidades mineradas.
Nesse sentido, a Amig encaminhou recentemente ofício à Agência Nacional de Mineração (ANM) solicitando esclarecimentos sobre a nova Resolução 175/2024, que redefine os critérios de fiscalização de barragens.
A atualização trouxe um aumento significativo de estruturas em estado crítico, saltando de pouco mais de 70 para mais de 100. Essa situação que tem gerado temor nos municípios minerados e afetados.
Segundo a AMIG, a mudança regulatória visa obter maior segurança, mas traz ainda incertezas operacionais e financeiras para os municípios minerados.
Para a entidade, para que se tenha uma proteção real das comunidades, a nova resolução precisa ser acompanhada de mais transparência e suporte.
“Precisamos que as mineradoras assumam suas responsabilidades, e que a ANM esclareça os novos critérios de emergência e o impacto nos municípios, com um diálogo técnico e transparente. Queremos atuar lado a lado com a agência, mas, para isso precisamos de uma agenda mais próxima e frequente”, enfatiza o consultor da Amig.