Diálogo em frente dos espelhos
Naturaleza muerta em rojo (1938), Amelia Peláez Del Casal (1896-1968), de Cuba.
Carlos Drummond de Andrade
Eis-me só diante de mim mesmo, interrogando os meus mais íntimos pensamentos e as minhas ânsias mais profundas. Em torno a mim, só há espelhos, grandes calados, refletindo a minha solidão. Ouço uma voz que pergunta…
– De onde vieste, meu amigo? Trazes n’alma o cansaço de caminhadas inúteis por caminhos estéreis. Sentiste muito, e, agora, bocejas muito. Há em ti qualquer coisa de vagamente perdido e angustiosamente procurado. Dir-se-ia que tens saudade do teu ser primitivo…
De onde vieste, meu amigo?
– Ah! Eu vim de não sei onde, por caminhos deslumbrantes, de olhos arregalados para as coisas! Havia pedras por esses caminhos, e farpas e empecilhos cruéis. Eram deslumbrantes, contado: ardiam na sombra como paraísos intermináveis…
O tempo envelheceu o meu engano, destruiu a minha exaltação, algemando-me os sentidos. Depois que o vento levou num instante as miragens tumultuosas, reconheci a minha pobre alma: estava coberta de pó, e chorava baixinho…
A amargura desse diálogo sombrio!
– Andaste tanto! E não trouxeste nada, nada?
– Não trouxeste nem a minha sombra…
– E é desespero ou desanimo o que sentes agora.
– É tédio, tédio infinito, tédio irremediável…
– Como tu queres mal à Felicidade! Nem sequer tu sofres, meu amigo…
– Nem sequer eu sofro, meu amigo!
[Para Todos (RJ), 1922. Hemeroteca BN-Rio – Pesquisa: Cristina Silveira]
Cristina Silveira, costumeiramente farejando histórias ainda invisíveis aos olhos do leitor comum. Pura sensibilidade e gostos por cruzar caminhos nunca dantes palmilhados. O universo garimpeiro de Cristina merece virar obra.