Praia Palma Paz
Kim Phuc, a “Menina do Napalm”: a garota que, aos 9 anos, se tornou um símbolo após ser fotografada em uma das cenas mais marcantes da Guerra do Vietnã. A foto icônica é de Nick Ut, que marcou o mundo em 1972
Carlos Drummond de Andrade
A paz tenta pousar no Vietname,
Mas só depois de cauteloso exame.
Dia após dia, mês seguido a mês,
esvoaça, foge, paira uma outra vez.
Se uma bomba, ao descer, lhe corta o vôo?
Se a prendem na gaiola, e vai pro Zôo
como raro animal de espécie extinta?
Se a maculam de alguma negra tinta?
Se, fugindo à natura e sua norma,
lhe pedem que bote ovos de codorna?
Ou mesmo, como de uso no passado,
a depenam e papam num guisado?
Das pombas o destino é muito incerto;
nas sombras o gavião mira, encoberto.
Urso-branco ou falcão? Em cada margem,
ambição-de-poder suja a paisagem.
E o povo, qual a pomba, leva as sobras
entre estrondos, trombetas e manobras.
Vamos, meu bem, resolve, enfrenta o risco
de baixar e fazerem-te petisco.
Ninguém topava mais o trololó
desse papo infindável, nem o jó,
se revivesse, quanto mais a gente,
aqui, ali, no Ocidente ou Oriente,
já cheia dessa estupida novela
de sadismo, de sangue e de balela.
És pomba de ocasião? Levas no bico
a senha eleitoral do primo-rico?
Que importa, se o que importa antes de tudo
é dar folga ao faminto, triste, mudo
civil colhendo a morte onde colhia
o arroz – numa lavoura de agonia.
Ai, chega desse assunto. Olho a palmeira
visitada de raio, e sobranceira
ainda no seu risco vertical,
sereníssima posto que mortal.
Vai-se a inscrição de mármore, mas resta
O longilíneo talhe de floresta.
Salve, princesa-palma, calma linha,
mesmo com a morte a percorrer-te a espinha!
Eis desponta na praia a venusina
miragem de uma esplendida menina,
melhor dizendo: moça – e de seu busto
desfralda ao sol o panorama augusto.
Horror! beleza! céus! Para tamanha
afronta, a jato chama-se o Façanha!
Quem vai chamar? Quem deixa a areia cálida,
quem, de emoção, não mostra a face pálida?
Vai você. Eu não vou. Eu também não.
Quero ficar aqui na curtição.
E se Façanha vem, teleavisando,
talvez, quem sabe? há de ficar parado,
embebido no sonho de beleza,
da graça em flor, de flor da natureza.
Mas atenção, mulheres, a este aviso:
a moda exige um grama de juízo
e, merecendo o belo o meu respeito,
ela só vale pra quem tenha peito.
Apenas se desvende, iluminado,
Aquilo que é perfeito, contemplado.