Everaldo Gonçalves recebe medalha JK em Diamantina e ganha sucessivas ações contra a Vale, inclusive a que pede retratação nesta Vila de Utopia
Geólogo recebe medalha JK conferida pelo governador Romeu Zema, em solenidade em Diamantina
Fotos: Divulgação
O geólogo e professor aposentado da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que há mais dez anos briga com a Vale pelo direito de pesquisar e explorar reserva de rejeitos de minério de ferro, que ele chama de antropogênica, “criada pelo homem e não pela natureza”, na barragem Itabiruçu, em Itabira, está exultante.
É que ele acaba de ser homenageado em Diamantina pelo governador Romeu Zema, com a medalha JK pelo seu legado como diretor do Centro de Geologia Eschwege, da UFMG, na histórica cidade, ao mesmo tempo em que viu a mineradora não obter sucesso na ação em que cobra retratação das acusações que fez contra a Vale, aqui neste site Vila de Utopia.
A denúncia foi de lavra e venda ilegal de itabiritos extraídos no polígono sobre o qual a empresa Itabiriçu Nacional de Pesquisa Mineral detém direito de pesquisa, concedido pelo antigo Departamento Nacional da Produção Mineral (DNPM), ainda não realizada pela forte objeção da mineradora.
Exultante também está o geólogo após sair a decisão da 17ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), que indeferiu a concessão de tutela de urgência requerida pela Vale, para que se retratasse e suspendesse toda forma de denúncia contra a mineradora, na ação de obrigação de fazer e de não fazer concomitante com danos morais. Nesse caso, o geólogo nada quis comentar com a reportagem, por ainda aguardar pelo julgamento do mérito da ação.
Gonçalves também não quis comentar outra importante vitória que obteve, nesta quarta-feira (18), em uma ação anulatória, requerida pela mineradora para derrubar o alvará de pesquisa, obtida por licitação aberta pelo DNPM. “Sobre essas ações, só me manifesto nos autos”, diz Gonçalves.
Já sobre a homenagem recebida em Diamantina, o professor aposentado da UFMG e da USP, comenta com alegria:
“Foi uma honra receber a homenagem em Diamantina. Juscelino sempre apoiou os geólogos, tendo aberto várias faculdades de geologia no país, pagando bolsas de estudos aos estudantes, por meio da Campanha de Formação de Geólogos”, pondera o professor e geólogo, ao receber a medalha JK, no dia 12 de setembro (data de nascimento do ex-presidente) deste ano.
Saiba mais
O geólogo e professor aposentado se resguarda ao não comentar ações que ainda estão para ser julgadas, depois de ele ter sido interpelado pela mineradora, na 1ª Vara Cível da Comarca de Itabira, para que se retratasse, retirando a denúncia que fez em reportagem deste site.
Na reportagem ele acusa a Vale de extrair ilegalmente itabiritos compactos no polígono sobre o qual detém direito de pesquisa, na barragem Itabiruçu – e também em uma pilha de itabiritos na mina Conceição.
Segundo ele afirmou na reportagem deste site, postada em 12 de maio de 2023, essa “lavra ilegal” teria ocorrido em área de pesquisa da Itabiriçu, na mina Conceição.
“Lavrou, a partir de 2016, conforme um gerente da Vale confessa nos autos, quando foram extraídos (da antiga pilha de estéril, contendo itabirito compacto) 70 milhões de toneladas de minério de ferro (com teor) de 40%, na escala de dez milhões de toneladas ano”, denunciou o geólogo.
Interpelação negada
A interpelação judicial da Vale contra Everaldo foi julgada improcedente na Comarca de Itabira, tendo sido confirmada neste mês no Agravo de Instrumento CV nº 1.0000.23.320630-9/001, no TJMG.
Na decisão confirmando a sentença de primeira instância, ao negar provimento ao pedido requerido pela Vale, sob pena de pagar multa de R$ 500 mil, caso a retratação não fosse feita em 48 horas, aqui neste site, a desembargadora Aparecida Grossi, relatora do caso, é acompanhada no voto pelos desembargadores Amauri Pinto Ferreira e Evandro Lopes da Costa Teixeira.
De acordo com a relatora, não foi “possível averiguar, de pronto, eventual inveracidade da matéria jornalística ou nítida intenção de ultrajar a imagem da recorrente”, no caso a Vale, que acusa Gonçalves de propagar “fake news” nas reportagens deste site.
Além de não ver crime cometido na reportagem, a relatora entende também não ter visto ilícito em vídeo com o mesmo teor postado na internet.
Segundo a desembargadora, não foi “demonstrada de forma inequívoca a probabilidade de direito da parte autora (a Vale) quanto ao alegado abuso do direito de liberdade de expressão do requerido (o geólogo Gonçalves), a partir de divulgação de fake news.”
Assim, “deve ser indeferida a tutela pretendida para remoção de vídeo postado na internet e realização de retratação pública”, no caso, neste site.
Acentua ainda a relatora que, “conforme foi corretamente destacado pelo magistrado de primeira instância, ‘é temerário, neste momento, qualquer julgamento sobre o que foi divulgado, apontado, gravado, até mesmo para separar cada fato apresentado, se havia ciência pela parte ré quanto as irregularidades manifestadas em petição inicial, no intuito de verificar o que é apenas suspeita ou se o que foi denunciado pela parte requerida teve escopo único ferir a imagem da parte autora”.
Na sentença de primeira instância, o magistrado deixa registado: “A princípio, as publicações e suspeitas/denúncias da parte ré estão no âmbito da cogitação, da crítica, do exercício da cidadania e da liberdade de expressão da parte requerida”.
Outro lado
A desembargadora Aparecida Grossi ainda pondera em sua sentença: “Outrossim, é importante salientar que a reportagem, inclusive, oportunizou à parte agravante se manifestar acerca dos assuntos nela tratados, conforme se extai do doc. de ordem nº 12, juntado pela própria recorrente”.
Ou seja, conforme consta dos autos, a Vale foi procurada pela reportagem para se manifestar acerca da denúncia de Everaldo Gonçalves. Entretanto, como sempre tem feito, respondeu genericamente aos questionamentos, sem esclarecer os fatos contidos na denúncia.
Sustentou, entretanto, que “os materiais (rejeitos, estéreis e produtos) porventura depositados pela Vale são de sua propriedade, nos termos da legislação minerária”. E finaliza: “A Vale não reconhece quaisquer interesses especulatórios de terceiros sobre materiais de sua propriedade.”
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Denúncia no Texas
Após a denúncia publicada na Vila de Utopia, a Itabiriçu Nacional de Pesquisa Mineral ingressou com ação investigatória (processo de número 2023CCV-61340-2) na justiça do Texas, Estados Unidos.
Na ação, pede que seja investigada a venda e compra ilegal de minério de ferro de baixo teor (itabirito compacto) pelas siderúrgicas norte-americanas Voestalpine Texas LLC e a Voestalpine US Holding LLC, extraído de área em litígio, em Itabira, no complexo Conceição.
Os advogados da Itabiriçu sustentam na ação que os “réus conspiraram para converter, transportar e vender ilegalmente mais de 108 milhões de toneladas de minério de ferro de baixo teor pertencentes por direito a Itabiriçu”. Essa transação teria ocorrido pelo porto Corpus Christi, nos Estados Unidos.
Na ação, foram incluídas também as siderúrgicas ArcelorMittal Texas HBI LLC e ArcelorMittal Texas HBI Holdings LLC, subsidiárias da ArcelorMittal S.A. Pela “compra ilegal”, a Itabiriçu cobra indenização dessas empresas.
Homenagem em Diamantina
Enquanto essas e outras ações desse imbróglio interminável entre a Vale e a Itabiriçu correm em diferentes instâncias, nas comarcas de Itabira, TJMG, e também em Brasília, Everaldo Gonçalves recebe do governador Romeu Zema a Medalha Juscelino Kubitschek (JK), em uma cerimônia em Diamantina, na noite de 12 de setembro deste ano.
A honraria foi concedida a 120 personalidades e instituições que se destacaram por suas contribuições ao desenvolvimento de Minas Gerais e do Brasil, conforme salientou o cerimonial do evento.
Sobre a honraria recebida, Everaldo Gonçalves declarou à reportagem: “Eu temia que a cerimônia estivesse sem significado, mas não me senti nem mais nem menos importante entre os homenageados e o governador”, diz.
Conforme ele ressalta, foi uma satisfação ter sido homenageado com a medalha que leva o nome de quem muito apoiou a geologia no país – e em sua terra natal. Juscelino Kubitschek nasceu em Diamantina em 12 de setembro de 1902.
“Vivi dez anos em Diamantina, depois de sair da USP, que não saiu de mim. Por quatro anos fui diretor do Centro de Geologia Eschwege, da UFMG, que deu à época treinamento à metade dos geólogos formados naquela época no Brasil”, recorda Gonçalves.
“Juscelino foi paraninfo das turmas de geólogos de 1961, em cerimônia no Palácio do Planalto”, recorda.
“Dom Pedro II criou a primeira Escola de Minas, em 12 de outubro de 1876, em Ouro Preto, depois de escolher entre Diamantina e Itabira, priorizando o local onde já havia extração mineral”, conta Everaldo Gonçalves, que acrescenta:
“Foi só com Juscelino que tivemos novas descobertas minerais, depois de ter criado a primeira faculdade de Geologia no país. Por tudo isso, ele deveria ser o patrono da Geologia do Brasil, juntamente com José Bonifácio”, ele propõs, em conversa com o governador Romeu Zema, em Diamantina.
Everaldo Gonçaves vê agora, confirmado pela própria Vale, a sua tese de que as reservas antropogênicas depositadas nas barragens como rejeitos podem ser recuperadas, lavradas e lucrativas, sendo que até recentemente a mineradora negava qualquer valor econômico para esse material.
Bom para Itabira, que tem o maior volume de rejeitos de minério de ferro (e possivelmente também de ouro), depositado em imensas barragens contendo mais de 500 milhões de toneladas.
A Vale anuncia agora que vai recuperar esse material, mas por certo tendo que se resguardar na barragem Itabiruçu, até que a justiça decida, em sentença final, quem tem direito de pesquisa e exploração no polígono requerido pela Itabiriçu, o que inclui também uma pilha de itabiritos na mina Conceição.