Vale tem projeto e licença ambiental para altear Itabiruçu até a cota 850, mas estudos indicam inviabilidade técnica

Foto: Carlos Cruz

Da rádio Peão, sistema informal de comunicação dos empregados da mineradora Vale, que surgiu, inclusive, com transmissões em guinlagem de camaco (linguagem de macaco), ainda no início da exploração de minério de ferro em Itabira, veio agora a seguinte informação:

“Vale já avisou ao MP/Aecom e encomendou um estudo para altear Itabiruçu mais do que já estava aprovado. A barragem já chegou aos 841, vai pros 850”, revela à redação deste site um dos porta-vozes da rádio Peão.

Procurada, a Vale foi taxativa na resposta: “a informação não procede.” E nada mais respondeu, embora tenha sido perguntado muito mais.

A promotora Giuliana Talamoni Fonoff, curadora do Meio Ambiente na Comarca de Itabira, também nega que teria ciência de um novo projeto, que não é tão novo, de alteamento de Itabiruçu até a cota 850 metros do nível do mar.

“Não tenho conhecimento”, disse ela, respondendo à reportagem sobre o que seria esse “novo projeto”, com mais engenharia de segurança, reforço maior do maciço, já licenciado ambientalmente com o objetivo de ampliar ainda mais a capacidade de disposição de rejeitos de minério de ferro das usinas Conceição “na reforçada estrutura”.

“Informo que a cota de 850 já foi licenciada, mas os estudos realizados demonstraram a inviabilidade técnica em atingir a cota 850, por isso, o alteamento foi até a cota 841. É a obra que está ocorrendo”, confirma a promotora de Justiça.

Fumaça e fogo

Como todo mineiro sabe, onde há fumaça tem fogo. E sabe também que a rádio Peão aumenta, mas não inventa.

A reportagem descobriu que, para atingir essa cota, caso obtenha o sinal verde do Ministério Público, respaldado em consultoria técnica ministerial da Aecom do Brasil, de fato não será preciso realizar audiência pública, como também não precisará de anuência da Prefeitura, via Conselho Municipal de Meio Ambiente (Codema).

É que a licença ambiental já obtida pela Vale prevê o alteamento até a cota 850, conforme confirma a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), por meio de sua assessoria de imprensa:

“O processo de alteamento da barragem para a cota 850 metros foi licenciado em 2018 e aprovado na 34ª Reunião Ordinária da Câmara de Atividades Minerárias (CMI), realizada no dia 30 de outubro de 2018. Cabe reforçar que não existe outro alteamento em análise no momento.”

Portanto, a possibilidade dessa elevação maior da barragem existe e está licenciada ambientalmente. A Vale certamente conta com isso para ampliar a capacidade de dispor muito mais rejeitos de itabiritos das usinas Conceição nessa gigantesca estrutura de contenção, mesmo tendo a barragem, pelos seus riscos decorrentes, ocasionado o fechamento do presídio de Itabira, além de estar à montante de vários bairros da cidade.

Um novo alteamento aumenta ainda mais as áreas que podem ser inundadas em caso de ruptura da estrutura, assim como ocasionará mais medo e insegurança aos que vivem abaixo, ainda mais com os problemas geotécnicos já apontados em reportagens anteriores neste site, como pelos atuais estudos “que demonstraram a inviabilidade técnica em atingir a cota 850.”

Sem o aval do Ministério Público de Minas Gerais, que move uma ação civil pública contra a Vale para que se cumpra o que dispõe o novo ordenamento jurídico relativo à segurança de barragens e proteção de territórios após as tragédias, crimes ambientais e humanos, de Mariana e Brumadinho, é bem possível que a mineradora não consiga atingir a cota 850 com mais um alteamento de Itabiruçu, ficando as obras restritas à cota 841.

Barragen de Itabiruçu já passou por sucessivos alteamentos e Vale tem projeto ambientalmente aprovado para alcançar a cota 850; hoje está em 841 metros do nível do mar (Foto: Reprodução)

Antecedentes

Entretanto, como se trata de mineração, atividade considerada de interesse público, convém as autoridades itabiranas e os moradores, sobretudo os que residem a jusante dessa estrutura contendo água e rejeitos, ficarem atentos.

É que, no passado, mesmo tendo sido apontadas restrições técnicas, por problemas geotécnicos e condições de instabilidade do terreno argiloso onde foi assentado o barramento, Itabiruçu passou por vários alteamentos para além do que havia sido projetado para a estrutura.

De acordo com relatório técnico assinado por consultores do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), João Carlos de Melo, e do Sindicato da Indústria Mineral do Estado de Minas Gerais (Sindiextra), Francisco de Assis Lafetá Couto, anexado ao processo de regularização da barragem Itabiruçu, construída em 1980, o seu projeto original só previa um alteamento até a cota 833 metros do nível do mar.

Para alcançar essa cota, passou por uma fase intermediária, sendo primeiramente elevada para a cota 811. A primeira etapa do alteamento foi concluída em 1982 – e incluiu “o desenvolvimento do tapete drenante à jusante para que ocorresse a segunda etapa, só concluída em 2014”, informou os consultores em relatório.

O documento informa ainda que a disposição de rejeitos na barragem ocorre de montante para jusante. Porém, em 2014, houve “avanço dos rejeitos em direção ao lago principal, com o seccionamento de um grande volume de água nos braços do reservatório devido ao rebaixamento no nível da água”.

Para garantir o volume de amortecimento da estrutura e obter uma borda livre adequada, com o objetivo de manter “as condições de segurança e integridade em casos de eventos pluviométricos intensos, foram executadas, em 2015/2016, intervenções para o esgotamento das águas aprisionadas, assim como o coroamento do maciço da barragem”, por meio do alteamento de sua crista em três metros. Foi quando a barragem atingiu a cota 836.

“Esta intervenção foi realizada por meio de uma obra emergencial, cuja comunicação foi protocolada na Supram Leste Minas, em 13/04/2015, e é alvo deste parecer para regularização”, escreveram os consultores no relatório técnico.

Sem audiência pública

Em nenhuma dessas fases, as autoridades e a população de Itabira foram informadas, por meio de audiência pública, sobre as possíveis implicações desses sucessivos alteamentos, pelo risco que representam para a cidade e, principalmente, aos que vivem abaixo da estrutura.

A Vale tem sustentado, mesmo dizendo que esse novo e último alteamento não vai ocorrer por agora, quando as obras atuais já alcançam a cota 841, que o último alteamento até a cota 850, atualmente suspenso, reforçará o maciço – e, consequentemente, a segurança da barragem.

Entretanto, essa “certeza” não é compartilhada por muitos moradores que residem abaixo dessa imensa estrutura contendo rejeitos de minério de ferro e muita água – e que já se tornou ainda mais gigantesca.

O medo é justificado, daí que muitos moradores querem a remoção negociada, para que possam viver em paz em outra localidade, sem o risco de soterramento e morte pela lama de rejeitos. Leia aqui.

 

 

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1 Comentário

  1. Isso não vai parar nunca… provocam uma crise ecológica, fazem tudo errado e morrem pessoas.. a justiça não se move. O povo não quer saber… Triste tudo isso.

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