Vale apresenta ao Codema proposta de trocar a flexibilização de norma ambiental da poluição do ar em Itabira por central de resíduos

Fotos: Carlos Cruz

Na contramão do que determinou o Supremo Tribunal Federal (STF), em 5 de maio do ano passado, dando prazo de 24 meses ao Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) para que apresente nova resolução, tornando mais severos os parâmetros da qualidade do ar, a mineradora Vale insiste para que o Conselho Municipal de Meio Ambiente (Codema) revogue a Deliberação Normativa (DN) número 2, aprovada por unanimidade pelos conselheiros do Codema, em 12 de agosto do ano passado, mais restritiva em relação à resolução federal.

A decisão do STF foi tomada com base em questionamento da Procuradoria-Geral da República (PGR) ao considerar os índices de poluição atual permissivos e ineficientes, por não atenderem à necessidade de a sociedade brasileira dispor de uma legislação capaz de combater a poluição do ar, punindo os agentes poluidores.

A DN número 2 do Codema, que a Vale quer ver revogada ou reeditada, antecipa, na prática e no âmbito municipal, o que determina o STF para a norma nacional, devendo adotar os novos parâmetros estabelecidos pela Organização Mundial de Saúde (OMS).

No caso, por exemplo, das Partículas Totais em Suspensão (PTS), que é a poeira visível que sai das minas da Vale encobrindo toda a cidade em diversas situações de ventos fortes neste período ainda de estiagem, a norma nacional, de acordo com a resolução Conama 491, de 19 de novembro de 2018, define em 240 microgramas por metro cúbico (µg/m³) o índice máximo admissíve que não pode ser repetido mais de uma vez ao ano.

Pela resolução número 2 do Codema, esse índice máximo admissível caiu para 150 µg/m³, da mesma forma não podendo extrapolar mais de uma vez ao ano, o que invariavelmente tem ocorrido várias vezes em Itabira.

Pois é justamente para não cair na “ilegalidade” e sofrer pesadas multas, que nunca paga, a Vale pede a revogação dessa norma municipal, voltando a valer a mesma norma nacional que o STF deu prazo para que seja reeditada até maio do ano que vem.

Denis Duarte, da Vale, apresentou a proposta da “medida compensatória” da central de resíduos, que já foram aprsentadas anteriormente como condicionantes não cumpridas

Compensação esdrúxula

Como medida compensatória para o retorno da norma nacional menos restritiva, admitindo-se a extrapolação dos índices máximos por pelo menos três vezes ao ano, a mineradora Vale apresenta a nada original proposta de se instalar uma moderna Central de Resíduos no município.

O grupo de trabalho (GT) nomeado pelo Codema, a pedido da própria mineradora para a revisão dos parâmetros municipais da poluição do ar, vai se reunir nesta quarta-feira (20) para discutir a proposta da mineradora, para posteriormente ser submetida ao plenário do órgão ambiental municipal.

A professora Maria Alice de Oliveira Lage, ex-presidente do Codema, em artigo assinado postado neste site, posiciona-se firmemente contrária à flexibilização da norma ambiental municipal.

“Hoje está em discussão a possibilidade de ocorrer uma flexibilização na norma municipal nos índices de poluição atmosférica. NÃO SE BRINCA COM SAÚDE! Vamos deixar bem claro: INEGOCIÁVEL”, escreveu a primeira e a mais respeitável ambientalista de Itabira.

“A mineradora tem obrigação de estar atenta, tomar as medidas necessárias e cumprir a lei. Pega mal, é muito feio, querer flexibilizar uma norma ambiental que precisa até mesmo ser mais restritiva, uma vez que muitos episódios críticos que atormentam a população itabirana sequer extrapolam esses parâmetros que a Vale quer que sejam revogados”, argumentou.

Além do mais, a contraproposta apresentada pela Vale é um acinte à memória histórica do itabirano.

Afinal a instalação de uma Central de Resíduos em Itabira, à semelhança da existente na cidade de Camaçari, na Bahia, como defendia a ex-gerente de Meio Ambiente da Vale Isaura Pinho, é parte da condicionante número 1 da Licença de Operação Corretiva (LOC), aprovada pelo Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam), em 18 de maio de 2000.

Segundo defendia Isaura Pinho, essa central deveria ser suficiente para segregar não só os resíduos urbanos domiciliares, mas também industriais, transformando-se em um indutor da diversificação econômica, com atração de indústrias reprocessadoras que viriam a se instalar no município. Trata-se, portanto, de uma das condicionantes não cumpridas da LOC.

Mais adiante, já em meados da década passada, essa mesma condicionante da Central de Resíduos foi assumida pela Vale junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Seria, portanto, nesse caso, uma medida compensatória pelo empréstimo que a mineradora contraiu junto à instituição nacional de fomento, para a instalação do projeto Itabiritos, quando foram reformadas as usinas Cauê e Conceição, com a construção de uma nova planta de concentração com moinhos para processar o itabirito compacto no complexo de Itabira.

No governo Damon, essa condicionante foi “trocada” pelo terreno remanescente da fazenda Palestina, onde a prefeitura pretendia instalar um novo Distrito Industrial.

Com a ineficiência da administração municipal da época, e com o já conhecido jogo de empurra da Vale, Itabira ficou sem a Central de Resíduos – e também sem o novo distrito industrial.

Portanto, se o bom senso prevalecer, e não os interesses da Vale, o GT do Codema deve rechaçar veemente a proposta da Vale de trocar a flexibilização da norma da poeira pela Central de Resíduos, para que o órgão ambiental municipal volte a ser mais “tolerante” com a poluição do ar pela mineração.

Como órgão consultivo e deliberativo, em cumprimento de sua função, o Codema deve aproveitar para encaminhar ao Ministério Público de Minas Gerais pedido para que se instaure inquérito e, se for o caso, ação cívil pública.

Isso para que a empresa cumpra o que está na condicionante da LOC, instalando a Central de Resíduos de Itabira como obrigação de fazer não executada. E que seja nos moldes preconizados no início deste século pela ex-gerente Isaura Pinho.

Para saber mais sobre o pedido de flexibilização dos parâmetros da poeira leia aqui:

Consultor da Vale diz que legislação restritiva da poluição do ar espanta novas indústrias. Mineradora pede flexibilização de norma do Codema

Novos parâmetros

Pela Deliberação Normativa (DN) número 2 do Codema, com relação às partículas totais em suspensão (PTS), a concentração média que era de 80 microgramas por metro cúbico (µg/m³) pela resolução Conama, cai para 60 µg/m³, o mesmo índice da resolução municipal anterior.

Isso enquanto a concentração média de 24 horas, que era de 240 µg/m³, agora é de 150 µg/m³, também repetindo o parâmetro da resolução anterior.

As novidades ficam com os novos indicadores para as partículas inaláveis (PM-10) e as respiráveis (PM-2.5), que foram introduzidos na nova legislação municipal, além de outros indicadores da qualidade do ar.

Para o PM-10, a concentração média de 24h, que pela resolução Conama é de 120 µg/m³, passa a ser de 100 µg/m³ pela legislação municipal.

Já para o PM-2.5, a concentração média de 24 horas de 60 µg/m³ pela resolução Conama, cai para 50 µg/m³ pela nova regulamentação municipal.

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2 Comentários

  1. Concordo com a posição da professora Maria Alice. Mas..as alternativas pra minimizar a poeira..quais são? Bombear água do lençol freático e aspergir as minas? Interromper a mineração no tempo da seca e dar férias coletivas pros trabalhadores? Fechar a Vale por 4 meses ao ano? Usar as lagoas das barragens? Quais são as alternativas?

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