Se agosto é mês de desgosto, é muito mais com a poeira da Vale, que paga minério de Itabira com doenças respiratórias
Por Carlos Cruz
Metade da chamada desta reportagem é cópia de uma manchete de capa do Jornal do Brasil, que circulou em um domingo de agosto de 1985, dia de maior tiragem daquele que era até então o mais prestigiado jornal da grande imprensa brasileira, chamando para uma reportagem especial assinada pelo jornalista Nairo Almeri: “Vale paga minério de Itabira com doenças respiratórias”.
Na reportagem, o leitor é informado sobre os três inquéritos, instaurados pelo então promotor José Adilson Marques Bevilácqua, a pedido do jornal O Cometa, contra a mineradora por poluir o ar e degradar paisagísticamente a Serra do Esmeril, com a supressão da mata nativa.
“As questões ambientais em Itabira desde então foram se agravando e as ações corretivas negligenciadas”, escreveu neste site a professora Maria Alice de Oliveira Lage, primeira presidente do Codema e uma das poucas vozes que, historicamente, tem criticado as omissões e os crimes ambientais da mineradora Vale em Itabira.
Passados 38 anos, a manchete do JB permanece atual, nada mudou. A mineração em larga escala continua despejando na mesma proporção da escala produtiva – e sem o menor respeito com a população local – o pó preto carregado de partículas finas de minério de ferro e sílica, como se viu na manhã desta sexta-feira (25).
“A Vale deveria pagar plano de saúde para toda a população de Itabira”, reivindica uma moradora do bairro Pará, que acrescenta: “E também abrir um novo hospital para a cidade”, disse ela, prenha de razão.
Cobranças necessárias
Aliás, a construção de um novo hospital em Itabira é outra necessidade premente, sabe-se lá porque a Unimed e o Pasa ainda não têm os seus hospitais próprios, o que vem sobrecarregando o Nossa Senhora das Dores, obrigado a destinar 60% dos já há tempo escassos leitos ao SUS.
São temas transversais e convergentes. Poeira de minério poluindo a cidade é agravo das doenças respiratórias, quando muitos casos requerem internações para tratamento.
Ou seja, é mais pressão sobre o sistema de saúde do município, dado esse que o Codema espera receber da Secretaria Municipal de Saúde, mostrando a correlação do aumento da poeira nesses meses de estiagem com os maiores agravos e internações por doenças respiratórias.
A construção de um novo hospital em Itabira consta do Plano Regional de Fechamento Integrado das Minas de Itabira (PRFIMI), de 2013, que a Tüv Süd Bureau de Projetos e Consultoria elaborou para a Vale, para ser implementado com o encerramento das minas locais.
Esse plano foi encaminhado ao antigo Departamento Nacional da Produção Mineral (DNPM), como obrigação legal a ser atualizado a cada cinco anos, mas mantido em sigilo até que este site o tornou público.
Leia aqui:
Ações imediatas
Portanto, a implantação das ações contidas nesse PRFIMI já deveria ter início desde a exaustão da mina Cauê, no início deste século, como também com a exaustão de várias das Minas do Meio (Chacrinha, principalmente).
Mas a Vale protela a imediata implantação desse plano – e Itabira, por seus representantes, incluindo o Ministério Público de Minas Gerais, cruza os braços e nada cobra.
Contando com a omissão já quase secular das autoridades locais, a Vale segue protelando as ações necessárias e urgentes, sem investir na reabilitação paisagística da serra do Esmeril, obrigação de fazer negligenciada pelo menos desde 1986.
É verdade que, modestamente, vem investindo em pequena escala na reconformação de taludes que desmoronavam nas proximidades da exaurida mina Cauê, o que pode ser o começo da reabilitação.
A implantação imediata do que está proposto no PRFIMI de 2013 deveria ser pauta conjunta de Itabira para cobrança imediata, não só com a construção de um novo hospital, mas também com o cultivo de plantas medicinais para suprir a indústria farmacêutica nacional nas pilhas de estéril, cavas exauridas e nos diques descaracterizados no Pontal e Rio de Peixe. Isso tudo, diz a Tüv Süd , é também “driver indutor” para diversificar a economia local.
Economia e meio ambiente
A implantação imediata do PRFIMI é, seguramente, o melhor “driver indutor” para o desenvolvimento sustentável de Itabira, como assinala a consultoria internacional da Tüv Süd, como meio de diversificar desde já a economia do município.
A reivindicação pela imediata implantação desse plano de fechamento das minas locais deveria, inclusive, constar do tal pacote de investimentos, que nunca sai do papel, negociado pelo prefeito Marco Antônio Lage (PSB) desde o início de seu governo.
Além disso, a reabilitação de áreas mineradas é o principal meio para diminuir significativamente a poeira em Itabira. Todo o resto (aspersores, nebulizadores, aplicação de polímeros) é paliativo.
Mas todo esse aparato minimizaria a poeira se a Vale voltasse a investir no sistema de irrigação existente no passado, instalado após a abertura dos inquéritos de Bevilácqua. Mas sabidamente, mesmo esse aparato, não é suficiente para diminuir significativamente a poluição atmosférica na cidade.
O que resolve é investir, desde já, na reabilitação das áreas mineradas, nos taludes descobertos, nas áreas dos diques desativados. Para isso, repito à exaustão, nada melhor do que colocar desde já em prática a proposta da própria Vale no PRFIMI encaminhado em 2013 DNPM, como obrigação de fazer daquilo que ainda não fez.
A imediata reabilitação dessas áreas, tendo também um objetivo econômico, como “driver indutor” da diversificação econômica na área de saúde, é também um meio de a mineradora Vale “descarbonizar” o seu processo produtivo no complexo de Itabira.
Sequestro de carbono
Além de tudo isso, hoje se sabe que barragens, como as existentes em Itabira, não são mais consideradas estoques líquidos de carbono.
Pesquisadores do Centro Helmholtz de Pesquisas Ambientais (UFZ), juntamente com cientistas espanhóis do Instituto Catalão de Pesquisas Hídricas (ICRA) de Girona e da Universidade de Barcelona, mostraram que as barragens liberam duas vezes mais carbono do que armazenam. O estudo foi publicado na Nature Geosciences.
Esse processo ocorre por acumular folhas, galhos ou algas, um grande volume de material contendo carbono. Com a água represada, esse material gradualmente se acomoda e se acumula no fundo do corpo d’água.
“Por causa da falta de oxigênio, os processos de degradação são muito mais lentos lá embaixo. Como resultado, menos dióxido de carbono é liberado. O carbono contido fica armazenado no sedimento da barragem por mais tempo”, explica a bióloga Matthias Koschorreck, do Departamento de Pesquisa de Lagos da UFZ.
Com essa constatação, até recentemente os cálculos davam conta que as barragens armazenavam aproximadamente a mesma quantidade de carbono que liberam como gases de efeito estufa. Entretanto, estudos científicos já comprovam que não é bem assim.
“Áreas de água que estão secando liberam consideravelmente mais carbono do que áreas cobertas por água”, diz Philipp Keller, ex-aluno de doutorado do Departamento de Pesquisa de Lagos da UFZ.
“Se uma grande quantidade de água é liberada por uma barragem, grandes áreas ficam repentinamente expostas. Mas essas áreas não foram consideradas no cálculo do balanço de carbono. Essa é a lacuna de conhecimento que fechamos com o nosso trabalho.”
Para saber mais, leia aqui:
Emissões de carbono de barragens são subestimadas
Balanço geral
Pois bem, será que a liberação desses gases de efeito estufa das barragens é computada no balanço geral da Vale de sua pegada ecológica no município de Itabira? Para diminuir essa pegada, e também cumprir com o seu dever de mitigar a poeira com o mesmo aporte de recursos investidos no porto de Tubarão, a exigência de Itabira tem que ser clara e objetiva:
Que a Vale, em sua obrigação de fazer, que se arrasta pelo menos desde a abertura dos inquéritos civis públicos de 1986, comece desde já a implementar o que está disposto no PRFIMI, construindo um novo hospital para Itabira, inclusive já se preparando para receber o futuro curso de Medicina da Unifei, com pedido já protocolado no MEC, concomitantemente com a reabilitação de áreas mineradas degradadas.
Tudo o mais que venha a apresentar é balela, medidas paliativas. Dizer que está fazendo o levantamento das fontes emissoras de poeira nas minas, realizado pela empresa Qualis, a mesma cujo representante disse no Codema que parâmetros restritivos da qualidade do ar não deveriam existir para não dificultar a atração de novas indústrias, é menosprezar a inteligência do itabirano, o que não é difícil dado o grau de desatenção e letargia geral que prepondera na cidade.
Se só agora esse inventário está sendo feito, o que fizeram nessas quase quatro décadas os dedicados técnicos de meio ambiente da Vale, contratados desde a década de 1980, após a abertura dos inquéritos ambientais, justamente para que fossem desenvolvidas e aplicadas soluções para diminuir a geração de poeira atacando as fontes emissoras, antecipando-se às mudanças atmosféricas e aos episódios críticos?
Pelo visto, mesmo com toda a dedicação desses aplicados analistas de meio ambiente, não deram conta do recado, ao ponto de a Vale ter de contratar uma consultoria especializada para levantar as fontes emissoras de poeira nas minas. Fontes essas que são por demais conhecidas, até mesmo por quem não tem acesso ao complexo minerador.
Investimentos maciços já
O Codema quer saber também da Vale qual é o volume de recursos financeiros alocados em Itabira para conter a poeira com pó de minério e sílica, vinda de suas minas.
Deve ser uma merreca de nada, pelo pouco de aspersores, nebulizadores, caminhões tanques irrigando estradas e áreas descobertas que são vistos em operação nas minas, as grandes fontes emissoras de poeira na cidade.
Passou da hora de Itabira cobrar investimentos maciços na reabilitação de áreas mineradas degradadas, com a imediata restauração do bioma natural da Serra do Esmeril e nas áreas de barragens desativadas, além da reconversão de florestas homogêneas (pinus e eucalipto) para nativas, uma condicionante da LOC não cumprida pela Vale.
O volume de recursos a ser investido em Itabira não pode ser menos de R$ 4,6 bilhões, montante alocado em Vitória pela Vale para reduzir em até 93% o pó preto de minério de ferro suspenso no ar pelo descarregamento dos vagões e carregamento de navios que levam o minério de ferro de Minas para além-mar.
É também o valor inicial previsto para a Vale começar, desde já, a implementar o que está previsto no Plano Regional de Fechamento Integrado das Minas de Itabira (PRFIMI). É o mínimo que Itabira, por seus representantes legais e sociedade civil organizada (sic), precisa cobrar da Vale, por todos os meios disponíveis, inclusive com denúncias em organismos e mídias mundiais.
Para saber mais, acesse:
Itabira e região tem um bem maior e melhor que o minério de ferro. Nas encostas da única Cordilheira que existe no Brasil onde nosso município está incrustado nasce água em abundância. Na verdade tem mais água do que minério de ferro. O Itabirano despreza esse maior bem. Não sabe o valor imensurável que existe. O aquífero que por aqui existe é de água de excelente qualidade e todas são águas minerais e de um valor inestimável. A VALE em sua ânsia de extrair o minério de ferro está acabando com essa água, em sua ganância desenfreada. Devemos todos lutar para reverter esse despropósito, dizendo um sonoro não a VALE e ao Governador Zema, o “Jeca de Araxá”, que ainda insistem nas minerações. Poderíamos exportar água para o mundo afora e ganharíamos rios e rios de dinheiro. Água é vida!
é pó pra dar de pau!
Ed Itabirano, o povo brasileiro não tem memória e o povo de Itabira não tem consciência crítica… Por isso padece e parecerá até a última particula de poeira no ar.