Universidades estão em choque com suicídio do reitor da UFSC

Fotos: Reprodução

Athaliba dos Anjos             

“Decretei a minha morte no dia da minha prisão”, assinalou o reitor em bilhete. O setor acadêmico universitário federal brasileiro está perplexo e indignado, em choque, com a morte, por suicídio, do reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, professor Luiz Carlos Cancellier de Olivo, de 60 anos. Ele estava afastado do cargo, acusado de irregularidades e, após libertado da prisão preventiva (validade de cinco dias), decretada pela juíza substituta da 1ª Vara Federal de Florianópolis, Janaína Cassol Machado, no dia 2 de outubro, se jogou das escadas do 7º andar do Beiramar Shopping, em Florianópolis.

Luiz Carlos se formou, fez doutorado e foi eleito reitor da UFSC (Fotos: Divulgação)No despacho à prisão do reitor Cancellier, efetuada no dia 14 de setembro pela Polícia Federal, a juíza justificou que ele “deliberadamente envidou esforços para barrar as investigações” que apuram desvio de bolsas de estudo e verbas no valor de R$ 80 milhões de cursos de Educação à Distância do Programa Universidade Aberta. O professor exercia o cargo de reitor desde maio de 2016 e foi afastado da função, impedido de entrar na UFCS.

Depois de libertado, o reitor declarou à imprensa que “de forma peremptória, devo negar qualquer atitude que leve à obstrução da denúncia feita em relação à universidade. Nunca foi do feitio da reitoria e muito menos de nossa gestão a hipótese de obstruir investigação na universidade, que está submetida a série de controles da Controladoria-Geral da União (CGU), da Advocacia-Geral da União (AGU), Ministério Público, Conselho de Curadores, Conselho Universitário e uma série de outros órgãos”.

Ele negou também que tivesse conhecimento de irregularidade. “Em um programa como esse da UAB, que vem sendo executado há mais de oito anos, sendo considerado excelência em ensino pela Capes, não haveria como a administração central obstruir qualquer investigação. Na atual gestão, procuramos sempre manter um clima de diálogo, de harmonia, reduzir as tensões, de desarmar os espíritos, de defesa da legalidade”, argumentou.

O velório foi realizado simbolicamente, ainda no dia 2 de outubro, na UFSC, onde, conforme explica a nota expedida pela Universidade de que “impedido de entrar na universidade em decorrência da Operação Ouvidos Moucos, da Polícia Federal, a escolha por realizar o velório na instituição foi simbólica”. O caixão foi recebido com salva de palmas de estudantes, técnico-administrativos, docentes, familiares, amigos e autoridades, formando um corredor até a entrada principal do prédio da reitoria.

Familiares, amigos, alunos, professores e técnicos-administrativos no velório do reitor da UFSC

“O caixão chega pela porta da frente, que é o lugar por onde ele entrou nessa instituição como reitor. É justo que, nesse ato de despedida e homenagem, ele retorne pela porta da frente”, disse Áureo Moraes, chefe de gabinete, ao discursar no velório.

A advogada de defesa do reitor, Nívea Dondoerfer Cademartori, disse que “Cancellier era meu amigo, e a dor dele é minha dor. A prisão foi arbitrária e totalmente desnecessária. O suicídio foi ato de extrema coragem e revolta. Ele estava, sim, muito abatido com a prisão dele, a violação de seus direitos e de sua dignidade, a sua revista vexatória foi algo que ele jamais imaginou passar em sua vida. Ser colocado em estabelecimento prisional, ser despido de suas vestes, ser ‘vistoriado’ em suas partes íntimas, como ele mesmo disse, foi algo que ele jamais poderia superar. Contudo, a frase encontrada com ele dizia “Minha morte foi decretada quando fui banido da universidade”, e sendo assim, mais do que a prisão, sua proibição de entrar na UFSC, sua casa, foi por demais humilhante e irreparável. Impõe salientar que o ato por ele cometido, de tirar a própria vida, ao contrário do que colocado por pessoas que não o conheciam verdadeiramente, não foi uma assunção de culpa ou ato de covardia, ao contrário, foi um ato de extrema coragem e revolta ante a deformação de um direito do qual ele se sentia um dos seus porta-vozes, e acima de tudo um ato de grande relevância política, do qual esperamos sinceramente que não tenha sido em vão, mas seja avaliado e compreendido como deve ser, uma séria avaliação de como estamos vivendo em um estado de exceção, sem respeito às garantias fundamentais de cunho penal e, por conseguinte, lesivas ao mais básico sentido de dignidade do ser humano. É preciso proteger as pessoas. Foi sempre seu lema”.

Sabe-se que a denúncia era de desvio da ordem de R$ 80 milhões do programa de Ensino a Distância. No entanto, o valor integral do programa, pelo que consta, era de R$ 80 milhões. A advogada Nívea Cademartori foi questionada sobre como é possível o desvio da verba ser igual ao valor total do programa. E ela disse que “exatamente, o valor de R$ 80 milhões era o total repassado ao programa e o suposto desvio, cuja apuração ainda não foi concluída, estima-se em R$ 300 mil; e reforço que o reitor não era investigado por participação em nenhum desvio”.

A morte do professor Luiz Carlos Cancellier de Olivo causou grande comoção e abriu discussão sobre as práticas que vêm sendo adotadas em operações policiais/judiciais contra a corrupção referente a ordem de prisão de suspeitos com base em indícios de crimes.

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de Santa Catarina afirmou, em nota, que é “chegada a hora de a sociedade brasileira e da comunidade jurídica debaterem seriamente a forma espetacular e midiática como são realizadas as prisões provisórias no Brasil, antes sequer de ouvir os envolvidos, que dirá sua defesa”.

O comunicado foi assinado pelo seu presidente, Paulo Marcondes Brincas, que deu aulas para Cancellier na UFSC. “Reputações construídas duramente, ao longo de anos de trabalho e sacrifícios, podem ser completamente destruídas numa única manchete de jornal. Para pessoas inocentes, o prejuízo é irreparável. Cabe-lhes a vergonha, a dor e o sentimento de injustiça. O peso destes sentimentos pode ser insuportável”, acrescentou.

Em carta, os colegas da Faculdade de Direito do reitor da UFSC disseram que “hoje foi um dia de profunda tristeza na Universidade Federal de Santa Catarina. Um dia onde perdemos o amigo, o colega de departamento e o reitor de nossa universidade. O colega de voz calma que sempre buscava construir o diálogo e o meio termo (Luiz Cancellier era leitor assíduo de Habermas e acreditava na construção dialógica de consensos possíveis). O colega que optara por estudar Direito e Literatura, fugindo das lides forenses que nos endurecem nos embates do cotidiano, se refugiando na doçura da arte de um Shakespeare, de um Kafka, de um Camus, de um Machado de Assis, de uma Cecília Meireles. O colega que era respeitado no CCJ pela habilidade com que resolvia conflitos e que se tornou reitor de uma das mais importantes universidades da América Latina. Perdemos o colega para o punitivismo de um Estado policialesco (e de uma parte da sociedade que adere a esse discurso) que rebaixa todos à condição de criminosos prévios, sem direito à defesa ou contraditório. Que primeiro prende e depois investiga. Que destrói reputações e depois arquiva. Perdemos o colega para o senso comum que denuncia, condena e executa com base no achismo. Perdemos o colega para elementos de exceção que se continuarem a ser alimentados poderão levar a caminhos perigosos para a nossa jovem, mas já combalida democracia. Perdemos o amigo para um estilo de processo penal que tem crescido nos últimos anos em nosso país, altamente seletivo e inquisitorial, baseado em um discurso de emergência que elege inimigos e bodes-expiatórios de ocasião. Para um tipo de Justiça de iluminados que separa o mundo entre os puros e os impuros e que decreta cruzadas para derrotar o inimigo difuso. “Cau” (como ele era carinhosamente chamado pelos amigos) foi imolado nesse contexto. Temos muito que aprender com isso. Adeus “Cau”!

Também em nota, a direção da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), se manifestou da seguinte maneira:

“A ANDIFES profundamente consternada comunica o trágico falecimento do Prof. Dr. Luiz Carlos Cancellier, Reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, ocorrido na manhã desta segunda-feira. O sentimento de pesar compartilhado por todos/as os/as reitores/as das universidades públicas federais, neste momento, é acompanhado de absoluta indignação e inconformismo com o modo como foi tratado por autoridades públicas o Reitor Cancellier, ante um processo de apuração de atos administrativos, ainda em andamento e sem juízo formado. É inaceitável que pessoas de bem, investidas de responsabilidades públicas de enorme repercussão social tenham a sua honra destroçada em razão da atuação desmedida do aparato estatal. É inadmissível que o país continue tolerando práticas de um Estado policial, em que os direitos mais fundamentais dos cidadãos são postos de lado em nome de um moralismo espetacular. É igualmente intolerável a campanha que os adversários das universidades públicas brasileiras hoje travam, desqualificando suas realizações e seus gestores, como justificativa para suprimir o direito dos cidadãos à educação pública e gratuita. Infelizmente, todos esses fatos se juntam na tragédia que hoje temos que enfrentar com a perda de um dirigente que por muitos anos serviu à causa pública. A ANDIFES manifesta a sua solidariedade aos familiares e amigos do Reitor Cancellier e continuará lutando pelo respeito devido às universidades públicas federais, patrimônio de toda a sociedade brasileira”.

E a nota de pesar assinada pelo reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ-, professor Roberto Leher, assinala que: “Recebemos com perplexidade, tristeza e preocupação a notícia da morte do professor Luiz Carlos Cancellier de Olivo, reitor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Sua história de vida foi também uma trajetória de extrema ligação e dedicação à UFSC, onde se formou em Direito, dedicou-se ao mestrado e doutorado, foi diretor do Centro de Ciências Jurídicas, docente da graduação e da pós e, mais recentemente, reitor da instituição. Expressamos nosso pesar e solidariedade à sua família, amigos e à comunidade universitária da UFSC neste momento de tristeza”.

Por sua vez, a COPPE/UFRJ – Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro – expediu a nota: “A Coppe/UFRJ lamenta o suicídio do reitor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), professor Luiz Carlos Cancellier de Olivo, ocorrido na manhã desta segunda-feira. O reitor, desde o dia 14 de setembro, conforme noticiado pela imprensa, estava amargurado por ter sua imagem associada a práticas ilegais que não condizem com sua trajetória de acadêmico e gestor público, infelizmente veiculada, sem observância dos direitos fundamentais de presunção de inocência e do devido processo legal. Nos últimos dias almejava que a Justiça lhe desse o direito de continuar a orientar seus alunos. A Coppe transmite a seus familiares e amigos, assim como a todos da comunidade da irmã UFSC, o seu profundo pesar”.

A Decana do CCS/UFRJ, profª drª Maria Fernanda Santos Quintela da Costa Nunes, ao tomar conhecimento da morte do prof. Luiz Carlos Cancellier de Olivo, reitor da UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina -, durante a reunião ordinária do Conselho de Coordenação do Centro de Ciências da Saúde (CCS), no dia 2 de outubro, comunicou o fato aos conselheiros. Ela ressaltou que “o professor era pessoa bastante conhecida e respeitada por sua dedicação à vida acadêmica e sua morte causa indignação não somente aos seus familiares, amigos e colegas da UFSC, mas, também, a todo o setor acadêmico brasileiro. Estamos consternados com a morte de Cancellier e indignados com as circunstâncias que a provocaram”.

 

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