Risco de rompimento de barragem da Vale provoca adoecimento e medo em Barão de Cocais

Maria Júlia Andrade, ao lado da deputada Beatriz Cerqueira, disse que toque das sirenes deixa moradores apreensivos

Fotos: Willian Dias

Risco de rompimento de barragem da Vale estressa moradores e afugenta turistas, segundo relatos de participantes de audiência na ALMG.

ALMG – Em 8 de fevereiro de 2019, a Vale acionou suas sirenes para fazer a retirada forçada de cerca de 500 pessoas de 150 famílias que viviam em quatro comunidades de Barão de Cocais (Região Central), hospedando-as em hotéis. A empresa alegou riscos de rompimento da Barragem Sul Superior da Mina Gongo Soco, no município.

Após a maioria voltar a suas casas, quatro anos depois, os moradores enfrentam o adoecimento provocado pelas adversidades enfrentadas. Eles convivem ainda com o medo de problemas na barragem, considerada atualmente em nível 3 de emergência, quando há risco grave e iminente de rompimento. Para completar, não receberam indenização da mineradora e, diariamente, veem a destruição gradual do município pela mineração.

Esse cenário, apresentado à Comissão de Administração Pública, em audiência nesta terça-feira (16), não condiz com os direitos reconhecidos pela Lei 23.795, de 2021, que instituiu a Política Estadual dos Atingidos por Barragens.

Moradores das comunidades afetadas e instituições que os apoiam participaram da reunião na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) e apresentaram denúncias que evidenciam o descumprimento da norma estadual. Na contramão das expectativas, os órgãos estaduais convidados não enviaram representantes ao evento.

Maria Júlia Gomes Andrade (coordenadora do Movimento pela Soberania Popular na Mineração – MAM), João Magalhães (deputado estadual MDB/MG), Beatriz Cerqueira (deputada estadual PT/MG), Cleonice Martins Gomes (moradora ribeirinha do Rio São João – Barão de Cocais)

Mineração clandestina

Maria Júlia Andrade, que coordena o Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), traçou um quadro completo da situação precária dos moradores das comunidades atingidas. Segundo ela, nunca houve algo parecido em Minas Gerais e a Vale deveria ser responsabilizada mais fortemente, pois todo o município de Barão de Cocais foi afetado, não só algumas regiões.

Ela justifica que a cidade sofreu com a queda no número de visitantes e o crescimento da mineração, principalmente a clandestina. A população não tem mais sossego, uma vez que as sirenes tocam frequentemente, deixando todos apreensivos.

A deputada Beatriz Cerqueira (PT), que solicitou a audiência pública, concordou, acrescentando que a situação em Barão de Cocais é muito grave. Além dos problemas enfrentados pelos moradores, agora está sendo discutido um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) a ser assinado pela Vale e os Ministérios Públicos Estadual e Federal, além da Defensoria Pública. Só que nas negociações não está prevista a participação dos principais interessados, os próprios moradores de Barão de Cocais.

“A lei aprovada aqui nesta Casa prevê que um dos direitos dos atingidos é participar e essas pessoas não estão participando”, denunciou Beatriz Cerqueira. Segundo a parlamentar, após a ameaça de rompimento em 2019, a Vale passou a utilizar sirenes na cidade para controlar os territórios.

É o que a Vale fará em Itabira, neste sábado (20), envolvendo as comunidades da Zona de Autossalvamento das barragens Borrachudos, Quizinho, Jirau, Alcindo Vieira, Cemig 1 e 2 e Santana, com a realização de simulado prático de emergência para o caso de rompimento dessas estruturas. Diz que a atividade é rotineira e tem caráter preventivo, mas na prática só aumenta o receio de moradores, que convivem também com as placas de advertência, amedrontando a todos.

Cleonice Gomes, moradora ribeirinha do Rio São João, disse que ela e toda a população local se tornaram doentes, tomando remédios controlados e alguns usando drogas. “A Vale tem que nos indenizar. Acabaram com nossa cidade, que agora é só poeira e caminhão de minério passando o tempo todo. E as nossas casas não têm mais o mesmo valor”, relatou.

Neusa Celestina, moradora de Barão de Cocais, queixou-se da construção desenfreada de vias, em diferentes partes do município, para atender o tráfego de caminhões da mineração. Guia de turismo, ela disse que não consegue mais trabalhar, pois “todos têm medo de ir a Barão”.

Violência contra a identidade e o futuro de Barão de Cocais

Além dos problemas citados pelos moradores, o vereador local Rafael Gomes acrescentou que a violência sobre as comunidades não é apenas psicológica, social e econômica, mas também contra a identidade e o futuro.

Ele destacou que a localidade de Socorro, uma das mais atingidas pela mineração, é o berço do município e era povoada por indígenas. “O mais antigo patrimônio de Barão é Socorro. Nossa identidade está sendo destruída”, denunciou.

Segundo ele, também o futuro da cidade é ameaçado: “As comunidades de Barão são entraves ao grande projeto de mineração da Vale, que promove o terrorismo de barragem e desarticula nosso futuro; tudo isso com a conivência das instituições, o que é comprovado pela ausência delas nesta reunião”.

Ele ainda deixou um alerta ao povo mineiro, ao lembrar que a Serra da Gandarela, na mesma região, tem minério de ferro de alta qualidade e a mineradora tem planos de explorá-lo por meio do Projeto Apolo. Só que esse minério fica no topo da serra, onde também se situa o aquífero que abastece Belo Horizonte.

“Essa não é uma discussão de Barão de Cocais apenas. Ontem, os atingidos foram os índios. Hoje, somos nós do município. Amanhã, serão vocês da Capital e Região Metropolitana”, advertiu o vereador de Barão de Cocais

Prefeitura

Igor Tavares, procurador-geral da Prefeitura de Barão Cocais, afirmou que o município vem acompanhando a trajetória de luta dos moradores e das instituições contra a Vale e que a prefeitura tem buscado na justiça mecanismos de mediação tentando ampliar a participação dos moradores.

Compromissos da comissão

Ao final da reunião, Beatriz Cerqueira fez alguns compromissos com os moradores, dentre eles, o de contatar os órgãos envolvidos no TAC para solicitar a inclusão de representantes das comunidades nas negociações, além de informações sobre os termos e prazos do TAC. o reconhecimento de todos os munícipes como atingidos, garantindo-lhes assessoria técnica.

A deputada ainda informou que pedirá à Fundação Estadual de Meio Ambiente (Feam) o reforço na fiscalização da mineração em Barão de Cocais e em seu entorno.

 

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