Não foi só omissão: Anderson Torres é peça-chave em atos golpistas, aponta Polícia Federal

Anderson Torres estava na Flórida no domingo (8) da invasão dos Três Poderes e disse não ter encontrado com Bolsonaro, que também estava por lá

Foto: Mateus Bonomi/
Agif/Folhapress

Linha de investigação coloca ex-ministro da Justiça de Bolsonaro como articulador em uma série de movimentos antidemocráticos no país

Por Guilherme Mazieiro

The Intercept Brasil – Nas investigações que correm na Polícia Federal, o aliado fiel de Bolsonaro e ex-ministro da Justiça, Anderson Torres, é considerado peça-chave para esclarecer o planejamento — financeiro e intelectual — e a estruturação do terrorismo bolsonarista que tentou impor um golpe aos brasileiros no dia 8 de janeiro.

Pedindo anonimato, uma fonte que acompanha de muito perto as investigações federais classificou Torres como “ponto fulcral” do processo golpista. E não só pela omissão apontada pela Polícia Federal, suspeita que o botou na cadeia.

O ex-ministro bolsonarista estaria relacionado à escalada de todo tipo de ato golpista que se espalhou pelo país, desde a prisão de Roberto Jefferson; os bloqueios da Polícia Rodoviária Federal no dia da votação no segundo turno; a minuta do golpe descoberta em sua casa até, por fim, a quebradeira que tomou de assalto as sedes dos Três Poderes em Brasília.

Na sexta-feira, 27, o interventor Ricardo Cappelli revelou ainda a existência de um relatório da Secretaria de Segurança Pública pontuando que Anderson Torres sabia que poderia haver invasão na sede dos Três Poderes dois dias antes dos atos terroristas.

O que as investigações buscam esclarecer é se Torres chefiava o Ministério da Justiça com foco não apenas na gestão e elaboração de políticas públicas da pasta. A presença de um homem de confiança de Bolsonaro à frente do cargo, que comanda as polícias Federal e Rodoviária Federal, foi fundamental para que ele usasse a instituição para amparar movimentos golpistas, alimentando seus fanáticos apoiadores, como nos relatou um dos coordenadores da campanha de reeleição do ex-presidente.

“Ninguém [da coordenação da campanha] vai participar de um golpe. A história é implacável. Quem participar, vai preso. Vai para o livro dos traidores da pátria.” A frase, que hoje soa profética, foi dita às vésperas das celebrações dos 200 anos de Independência e dentro do Palácio do Planalto por um dos ministros que trabalhavam pela reeleição do ex-presidente. Naqueles dias, Bolsonaro usava a estrutura do governo para misturar um evento cívico-militar com multidões inflamadas contra as urnas em Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro.

O que essa fonte nos revelou, sob a condição de não ter a identidade revelada, foi que, por definição de Bolsonaro, os aliados de ocasião (chefes de partidos do Centrão, como PP, PL e Republicanos) trabalhariam por votos e ampliação de bancadas parlamentares e não se aprofundariam em tentativas de golpe.

O papel de transformar pedidos antidemocráticos em atuação institucional se daria a partir de homens de confiança do clã, por dentro da máquina, a partir do Ministério da Defesa, da Advocacia-Geral da União e do Ministério da Justiça. A mesma informação foi relatada por um braço direito de Valdemar Costa Neto, presidente do PL, partido de Bolsonaro.

À época, essas duas fontes não souberam – ou não quiseram – dar detalhes de como seria a atuação institucional dos ministérios. Elas se limitaram a apontar situações que eram públicas dessa atuação, como os questionamentos infundados que o Ministério da Defesa fazia sobre a eficácia das urnas e a blindagem que a AGU promoveu sobre Bolsonaro em questões eleitorais, como na reunião com diplomatas estrangeiros usada para atacar o sistema eleitoral brasileiro, além da a atuação na defesa de empresários que planejavam golpe pelo WhatsApp.

Já a lista de situações que levantam suspeitas nas investigações da Polícia Federal sobre a relação entre ações bolsonaristas radicais e a gestão direta ou indireta do Ministério da Justiça com Torres é mais longa:

Em outubro, Torres comandou o processo de rendição e prisão do bolsonarista Roberto Jefferson, que atacava a Polícia Federal com granadas e tiros de fuzil. O ministro se deslocou até a casa de Jefferson, em Juiz de Fora, Minas Gerais, mas parou no caminho, em Levy Gasparian, no Rio de Janeiro, quando o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Alexandre de Moraes, alertou em decisão que a intervenção de autoridades no processo de prisão de Jefferson seria classificado como prevaricação.

Sob Torres, a Polícia Rodoviária Federal descumpriu decisão do TSE e promoveu inéditos bloqueios e blitze em áreas com grande eleitorado petista, que dificultaram o acesso de eleitores às urnas no segundo turno.

A demora da Polícia Rodoviária em realizar o desbloqueio de dezenas de rodovias tomadas por bolsonaristas que questionavam, sem fundamento, a eleição de Lula. A atuação levantou suspeitas no Tribunal de Contas da União sobre “possível omissão” da corporação.

A noite de terror dia 12 de dezembro em Brasília em frente à sede da PF, logo após a diplomação de Lula, quando se deu a prisão do indígena José Acácio Serere Xavante. A detenção na sede é incomum e ainda causa estranheza entre agentes da corporação, já que o prédio, localizado a menos de 2 km do hotel que hospeda Lula, sequer tem estrutura para lavrar um auto de prisão. Durante os ataques, Torres foi flagrado jantando tranquilamente em um restaurante na capital federal.

A minuta de um decreto que pretendia mudar o resultado da eleição foi apreendida na casa de Torres pela PF, em janeiro.

O ataque do dia 8 de janeiro aconteceu com a mínima resistência das polícias do DF, subordinadas à Secretaria de Segurança, comandada por Torres, após aceitar convite do governador Ibaneis Rocha para comandar a pasta.

O relatório da Secretaria de Segurança Pública do DF aponta que Anderson Torres sabia da intenção dos golpistas em invadir a sede dos Três Poderes dois dias antes dos atos.

Apesar de haver conhecimento do risco de ataque naquele fim de semana, Torres viajou aos Estados Unidos justificando férias. O período de folga, no entanto, só começaria a valer a partir do dia 9, segunda-feira.

A destruição do acampamento em frente ao Exército, em Brasília, se deu por ação da Secretaria de Segurança Pública do DF e do Ministério da Justiça. Pastas que sob a gestão de Torres não resolveram o problema.

Neste início de investigação, os agentes identificam dois grupos que foram às ruas no dia 8: os fanáticos tios e tias do Zap e uma espécie de pelotão de elite — menor, mas capacitado ao combate, com conhecimento do mapa dos prédios públicos, usando luvas para evitar registro de digitais, máscara de gás e portando facas e armas.

Esses grupos seriam financiados por empresários bolsonaristas de médio porte, como agricultores e comerciantes, motivados pela mentoria intelectual dos expoentes do bolsonarismo, como o presidente e seus ministros militares. Essa linha é uma das mais complexas de investigação, justamente pela necessidade de levantar provas robustas. É com tudo isso em mente que a Polícia Federal irá inquirir Torres no depoimento marcado para a próxima quinta-feira, dia 2 de fevereiro.

O advogado Marcelo Bessa, que defende Bolsonaro no inquérito dos atos golpistas no STF, afirmou que não comentaria o conteúdo da reportagem e que “qualquer manifestação ocorrerá em juízo — se necessário”, escreveu por mensagem.

Na tarde de quinta-feira, pedimos posicionamento ao advogado de Torres, Rodrigo Roca. Até a publicação desta newsletter, ele não havia se manifestado.

 

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