Pronome indefinido “Ninguém”

“Já ouviu falar do Zé Ninguém? Esse é ninguém porque é pobre (…). É só um espectro, um fantasma, um suspiro, um quase nada, bem nadinha mesmo.”

Foto: Carlos Cruz

Por Glenio Cabral

Na gramática normativa, “ninguém” é um pronome indefinido de pessoa. Exemplo: Há alguém em casa? Não, ninguém.

Ou seja, “ninguém” é o nada. Mas fora da gramática, esse “nada” também pode ser alguém. Por exemplo, sabe aquele menino que não gosta de estudar? Pois é, ele vive ouvindo que se não estudar não será ninguém. Ora, alguém ele já é. Afinal ele é gente, ele respira, ocupa um espaço físico, só não quer saber de estudar.

Mas por aqui as coisas funcionam dessa forma, se não estudar o alguém passa a ser ninguém, e aquele que pensava existir, acredite, descobre que na verdade nunca existiu. É só um vulto e nada mais.

Por isso a lista de alguéns que são ninguéns não para de crescer. Já ouviu falar do Zé Ninguém? Esse é ninguém porque é pobre. Ele não tem casa própria, não pode viajar no final do ano, não tem um salário digno, não anda com gente influente. É só um espectro, um fantasma, um suspiro, um quase nada, bem nadinha mesmo.

É fácil encontrar esse tipo nas filas de alguns hospitais públicos. Ele vive lá, mendigando um atendimento que é difícil de ser conseguido. E é difícil porque, convenhamos, ele é ninguém. O problema é que ele não sabe disso.

É engraçado, mas na cabeça dele ele é, sim, alguém. Então como dizer a essa pessoa que pra sociedade ele não existe como gente, e que é só um protótipo mal-acabado de algo que tenta existir mas não consegue?

A boa notícia é que um ninguém nunca morre, já que pra todos os efeitos nunca foi alguém de verdade. Então, quando morre um Zé Ninguém, ninguém se incomoda. Quem se incomodaria por um “nada” ter morrido? Quem morre é alguém, nunca um ninguém.

Dizem que o Brasil é terra de ninguém. Bobagem. Desde quando ninguém tem alguma coisa por aqui? O certo é dizer que o Brasil é terra de alguém. Porque ninguém, nesse país, não tem vez nem em ditado popular.

*Crônica publicada originalmente pela revista O Bule.

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3 Comentários

  1. pessoas que criticaram negativamente William Reich simplesmente não entenderam que esse livro era algo como um diário de apontamentos que não se destinava a publicação. Reich acusava no diário as pessoas que não o deixavam trabalhar, o Zé ninguém, ou Maria Ninguém, João Ninguém, é a pessoa comum, imprestável, ou que alcança tremenda popularidade graças ao seu discurso banalizando o normal, o comum, o pensamento tacanho, condenando a ciência, defendendo a pátria acima de tudo, defendendo sua ignorância ou ideia fixa de Deus ou de sua religião particular e de seus dogmas. Muita gente elege essas pessoas, esses Zés e esses Joãos presidentes da república ou aceitam passivamente como reis, czares e ditadores. Ou simplesmente veem os reflexos dessas mentalidades tacanhas nos reflexos de seus espelhos diariamente. O livro então, nada mais é que um diálogo entre essas pessoas defendendo seus dogmas (patriotismo, nacionalismo, comunismo, conservadorismo…) combatendo as ideias e o trabalho do autor que os contesta e defende o pensamento individual, o racionalismo, a ciência, a crença na religiosidade que une as pessoas e não a que as separa (por meio de dogmas e guerras).
    Reich foi contestado e condenado pelas suas inovações no campo da psiquiatria e da ciência, confundido ora como nazista ora como comunista foi preso nos Estados Unidos e mostrou desgosto por essa sociedade que se dizia democrática, mas que não sabia distinguir o que ela mesma defendia internamente (a CIA confundiu seu sobrenome como o de um nazista somente pelo fato de ser alemão!). O pensamento coletivo retrógrado daquela sociedade não reconhecia nela mesma os Zés Ninguéns e as Marias Ninguéns. Nem antes, nem agora. Porque não aprendeu a escutar. Não aprendemos?

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