Outubro Itabirano. Crônicas da Itabira do Matto-dentro Imperial – 1863 – Histórias de juízes. As eleições e outros crimes

A |Morte da Liberdade, Paulo Amaral. O Malho

Pesquisa: Cristina Silveira

Minas Gerais. Itabira 19 de novembro de 1863 – Tendo descido o pano do último ato da força eleitoral, na qual todos os atores ainda os de papeis mais insignificantes imitaram perfeitamente à vontade e expressão do protagonista, satisfizeram com aplauso as exigências do diretório sem que, contudo, excitasse nos espectadores honestos o desejo da repetição.

Por isso desprezando a matéria velha, trato do objeto, que mais nos preocupa, e como é natural aos assombrados tratar do que os aterra, lhe direi, que depois da fatal remoção do dr. João Coelho Linhares de Sabará para este município, o número dos atentados contra a liberdade, contra a propriedade e principalmente contra a vida tem crescido consideravelmente.

Mas é que quando falta à autoridade a inteligência, saber, dedicação e critério que a tornam respeitável, cada qual se aproveita do ensejo, para dar pasto à sua índole perversa, nem outra coisa se podia esperar dos precedentes do subdelegado de Paulo Moreira e juiz Municipal de Sabará.

É assim que no Alfié um menino de 15 anos matou a José Camillo, por se opor ao casamento prematuro de sua cunhada com semelhante criança, que assobiando, como macuco, nas imediações da casa da vítima, a atraiu para o mato, e aí lhe descarregou um tiro.

É assim que em Joanésia, Egídio Corrêa, outra criança, acabou a foiçadas a Florêncio, seu tio, por ameaça-lo com castigo por suas repetidas faltas.

Esqueleto de cabeça de boi. Do livro: A identidade do espaço rural Itabirano, Santos de Souza Guerra e Myriam Becho Mota

É assim que João, escravo de Manoel Carvalho dos Santos também de Joanésia, matou a seu senhor a golpes de machado.

É assim que Francisco, escravo do finado major Miguel, matou nesta cidade a Manoel Tôtô, e o certo é que esta morte é devida principalmente a inercia do juiz Municipal, pois há mais de ano faleceu o major Miguel, e seu inventário dorme na conclusão, há meses para despacho de alimpação da partilha com prejuízo dos herdeiros, não obstante suas continuadas instancias e de seu procurador, a que ele responde com chalaças, pois se o dr. Linhares fosse pontual no cumprimento de suas obrigações, já há muito os herdeiros estariam de posse de seus quinhões, e assim os escravos não continuariam à revelia.

De mais quando este foi a presença do juiz, para ser avaliado, já estava condenado por outro crime a açoites, e se o dr. Linhares neste ato, ou mesmo depois, o mandasse prender e executar a sentença, como era de sua obrigação, talvez o castigo o corrigisse, e assim se pouparia mais uma vida ao menos.

Porém, como não será assim? Se o dr. Linhares em vez de se entregar aos numerosos afazeres de seu emprego, gasta o tempo em gozar os jornais das lavadeiras e outras banalidades semelhantes, e o que sobra, consome numa casa onde os patuscos se divertem com ele, passando-lhe sustos que o fazem cambalear.

Jazida do Cauê, em Itabira, MG ( Foto: Tibor Jablonsky e Ney Strauch, IBGE, 1952)

Assim os feitos dormem acumulados na conclusão, o foro existe num completo letargo e cada vez mais cresce o clamor das partes prejudicadas, de sorte que não há um só homem probo que bem diga sua administração, pois quando dá sinal de vida é para violar a liberdade individual, como fez logo, que aqui chegou, prendendo fora dos casos permitidos por lei a três guardas que conduziam um preso com ofício do inspetor de quarteirão ao subdelegado, e o que mais admira, é que ordenando a este, que instaurasse o processo, além de outros erros de gramatica e direito, estranhou que o inspetor remetesse o preso sem auto de prisão e de qualificação!

Que progresso!… E ninguém acredita que o dr. Linhares é formado naquilo que menos sabe! É para violar o asilo do cidadão, como fez há pouco, invadindo a fazenda do respeitável ancião o alferes Antonio dos Santos Ribeiro com uma força armada das praças do corpo policial aqui destacadas, e mais de vinte da Guarda Nacional consentindo numa rigorosa busca, da qual não escaparam as próprias imagens dos oratórios, segundo consta nem as garrafas e garrafões que estavam sortidos, ameaçando os escravos que encontrou pacíficos no serviço da fazenda, e o alferes Santos Ribeiro, homem inofensivo e sem crime algum ou suspeita, viu-se obrigado a refugiar-se no mato para evitar os maus tratos do juiz e sua gente.

Seria longo reproduzir aqui os atos de arbitrariedade e ignorância praticados pelo dr. Linhares no curto período de seu juizado, não há quase despacho seu que não haja erros, borrões, entrelinhas e riscaduras, e quem quiser rir-se, encontrará no arquivo da Câmara uma petição na qual ele falando sempre de si, começa pela 3ª. e acaba pela 1ª. pessoa, e o certo é que este herói já era bem conhecido pelo sr. conselheiro Pires da Motta, muito de perto pelo sr. Chrispiniano que tem recebido minuciosas queixas, e se S. Ex. pensa que protege a um correligionário, desengana-se, pois se o dr. Linhares era conservador em Mariana por oposição ao dr. Lobo, liberal na Itabira por oposição ao dr. Claudino, talvez por oposição a este dois inimigos ele adote um terceiro partido, se o dr. Lobo mudar-se para aqui.

A |Morte da Liberdade, Paulo Amaral. O Malho

Basta de enfastiar a seus eleitores com um objeto tão maçante, por isso entro na matéria velha.

São favas contadas a escolha do sr. Ottoni e nem Deus permita que desta vez o vulto mais proeminente da América do Sul não seja aproveitado; pois a regular pelos precedentes se o amigo do povo e sacerdote da liberdade para nosso bem estar temporal e espiritual não tiver assento no senado, teremos em todo o Brasil um terremoto ainda maior que o de Mendonza; porém tal não acontecerá por que os mesmos liberais dizem que o sr. Ottoni organizou a tríplice de tal forma que o Imperador não tem outra taboa de salvação por isso já há muito, se diz que o sr. Chrispiniano [João Chrispiniano Teixeira Soares] deixará a presidência de Minas e marcando-se oportunamente a eleição do substituto do sr. Ottoni, S. Ex. consentirá em representar este distrito.

Mas parece-me que tão grande honra e felicidade não caberá a nós pecadores, porque se os eleitores liberais tiverem liberdade de votos, muitas dificuldades aparecerão. Pois a maior parte dos daqui que já hipotecou seus votos ao sr. Mendonça por escritura lavrada na sala da Câmara, e assim o sr. Mendonça tem contra eles o executivo; os de Santa Barbara também já lhe prometeram o voto, entretanto que me consta que o sr. Modestino dispõe de muita boa votação e influência nos outros pontos do distrito e o dr. Hygino que tão generosamente cedeu seu lugar ao tio Martinho, é também candidato, sustentado por muitos eleitores liberais e já tendo mostrado na Assembleia Provincial para quanto presta e muito pronunciada vis fallandi tem feito jus à promoção.

Mas estas considerações de nada valem porque o sr. Chrispiniano está encavacado, como um paulista, com o codilho que lhe passou o terceiro distrito de S. Paulo, e não é possível deixar-se assim a quem remete para o governo consignados 17 ou talvez 20 deputados, tendo vindo por felicidade nossa garantir o voto livre nesta bem-aventurada Província, por isso já me parece ouvir o sr. senador Ottoni de férula alçada e viseira descida gritar aos submissos eleitores – Quero o Chrispiniano para meu substituto – e sua santa vontade será feita assim na terra e como no céu, se é que lá também tem entrada os politiqueiros como neste vale de lágrimas. [Constitucional (MG), 1/12/1863. BN-Rio]

 

Posts Similares

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *