Civilização ou barbárie: o que está em jogo no segundo turno da eleição presidencial

Fotos: Ricardo Stuckert/
Evaristo Sá/AFP

Carlos Cruz

O resultado da eleição para a presidência da República nesse domingo (2) comprova que a polarização, expressão da luta de classes, que se observa no país com a ascensão da extrema direita a partir da vitória de Jair Bolsonaro (hoje no PL) nas eleições de 2018 veio para ficar. É o que se observa, mais uma vez, com a expressiva votação no primeiro turno do presidente mais rejeitado na história do Brasil.

Com 99,99% dos votos já apurados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Lula venceu o primeiro turno com 57.257.473 votos (48,43%), com Bolsonaro ficando com 51.071.106 votos (43,20%) – uma diferença de mais de 6 milhões de votos a mais para o petista.

Mas mesmo assim, para o presidente e os seus correligionários o resultado do primeiro turno representa uma vitória. Afinal, os principais institutos de pesquisas apontavam a possibilidade de Lula vencer no primeiro turno, liquidando a fatura, o que não aconteceu por força do voto conservador da classe média brasileira e da ampla maioria dos evangélicos, principalmente dos neopentecostais.

Embora o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP), tenha errado ao prevê que Bolsonaro ultrapassaria Lula ainda no primeiro turno, ele pode acertar quando disse que o candidato vitorioso teria, já no dia seguinte, 5% a mais nas intenções de voto. Isso porque, segundo ele, essa fatia do eleitorado tende a seguir para o lado do candidato que ficou em primeiro lugar, o que beneficiaria Lula.

É certo, porém, que Bolsonaro sai fortalecido pela onda conservadora que fincou os pés no país, deixando de ser uma onda para se tornar uma tendência cristalizada que pelo visto veio para ficar.

Com a nova conjuntura eleitoral, o que definirá o segundo turno vai ser o índice de rejeição. Segundo os agora desacreditados institutos de pesquisa, a rejeição a Bolsonaro está acima de 50%, enquanto para Lula fica acima de 40%. Se assim for, Lula se mantém com grande chance de sair vitorioso nas urnas.

Fonte: TSE

Reversão ou consolidação

Segundo o ex-ministro Renato Janine Ribeiro, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), embora possa parecer que Bolsonaro tenha saído vitorioso mesmo sendo derrotado no pleito nacional, pela redução da diferença e vitória no Sudeste, além da expressiva votação que seus ex-ministros tiveram para o Congresso Nacional (Câmara Federal e Senado), a sua tarefa para reverter o resultado a seu favor não vai ser fácil.

“Lula com mais de 48% dos votos e Bolsonaro com 43,2% dá para dizer que Lula precisa de apenas 2% para ganhar a eleição no segundo turno, enquanto Bolsonaro necessita de 6,4%. Ou seja, para cada voto (a mais) de Lula, Bolsonaro precisa de três”, avaliou o ex-ministro em postagem na rede social.

Governadores

Além da votação expressiva de candidatos da extrema direita para o Congresso Nacional, Bolsonaro leva a vantagem de ter elegido também governadores nos estados onde saiu vitorioso, com exceção de Minas Gerais, onde perdeu, mas que espera reverter com o apoio do governador reeleito Romeu Zema (Novo).

Zema ainda não manifestou o seu apoio ao presidente, mas tudo indica que o fará, já que disse estar fora de cogitação apoiar o PT. Mas há a possibilidade de se manter neutro, repetindo o que fez no primeiro turno.

Além desses expressivos palanques, que Lula só terá à semelhança nos estados nordestinos – e em São Paulo com Fernando Haddad (PT) disputando o governo com o ex-ministro bolsonarista Tarcísio de Freitas (Republicanos) – é certo que a campanha de ambos irá focar em temas que possam aumentar a rejeição dos candidatos para buscar os ainda indecisos e ou que votaram em outros candidatos, já que os votos favoráveis estariam cristalizados.

É certo também que Bolsonaro terá a máquina governamental para usar descaradamente a seu favor, como fez no primeiro turno com o pacote de bondades para alavancar a sua reeleição às custas do erário nacional. Mas isso já pode ter surtido o efeito desejado ao diminuir a diferença para o primeiro colocado. Bolsonaro pode ter atingido, ou ficado próximo de seu teto de votação, a conferir em 30 deste mês.

Polarização

A votação no primeiro turno comprova que o país está dividido entre ricos e pobres, conservadores reacionários e progressistas, que os seguidores do presidente chamam genericamente de comunistas, como faziam os integralistas fascistas pré-1964 na defesa da “família, pátria, Deus, propriedade e iberdade” – e que resultou no golpe militar.

O arsenal contra Lula já foi exaustivamente empregado, como as mentiras deslavadas de que se eleito fechará igrejas, o que não ocorreu nos seus dois governos, que respeitou o sincretismo religioso, sem discriminar as religiões de matriz africana, como faz o atual presidente.

Chamar Lula de ladrão também não cola mais. O efeito que se esperava já foi expresso pelo crescimento da votação do presidente, ultrapassando o pouco mais de 35% que projetavam os principais institutos de pesquisa.

Embora nos dois governos de Lula, assim como nos antecessores, tenham ocorrido falcatruas por agentes do seu primeiro escalão, não se comprovou por meio da quebra de sigilos fiscal e bancário que Lula tenha locupletado, enriquecendo com o dinheiro público.

Diferentemente do que dispõe o candidato situacionista, a oposição tem agora um arsenal pesado para empregar contra Bolsonaro, mostrando a verdadeira face oculta do atual governo e do seu entorno, com as rachadinhas, corrupção no Ministério da Educação com pagamento de propinas com barras de ouro.

Há ainda a ser mais explorada as possíveis falcatruas com as compras de imóveis com dinheiro vivo por familiares do presidente, o que não é ilegal, mas um claro indicativo de uso de caixa 2, que é crime.

São temas que podem ser agora explorados com mais evidência, com mais provas de corrupção no governo que podem surgir nos próximos dias na campanha, aumentando a rejeição do presidente.

Como arma eleitoral, Bolsonaro deve avançar no clientelismo, usando a máquina governamental descaradamente, desrespeitando a legislação na busca da reeleição. Deve também explorar com mais veemência a questão religiosa e a pauta dos costumes.

Perda de direitos

Se Bolsonaro vencer, o retrocesso com a perda de direitos de última geração duramente conquistados com a Constituição, e que em grande parte ainda precisam virar consuetudinários, é ameaça que não pode ser desprezada.

Com maioria no Congresso Nacional, com a robusta bancada bolsonarista eleita e mais o Centrão, Bolsonaro sendo eleito certamente apresentará mais projetos de emendas constitucionais que retiram direitos dos trabalhadores e das minorias –  e que foram duramente conquistados em 1988.

E a boiada seguirá avançando por novas fronteiras agrícolas, assim como o garimpo ilegal seguirá impune em terras indígenas já demarcadas e nas que estão ainda para ser demarcadas. A privatização de empresas estatais, inclusive da Petrobras, avançará para gáudio do mercado, com graves prejuízos à Nação.

Uma eventual, e possível, vitória de Bolsonaro, refletirá também com agravos no comportamento da sociedade, com mais misógina e crimes contra a mulher, aumento da violência urbana e da homofobia, com mais armamentismo e maior presença das milícias não só no Rio de Janeiro, mas também avançando em outras partes do território nacional.

Se reeleito, com ampla maioria na Câmara Federal e no Senado, Bolsonaro não precisará dar um autogolpe para se tornar um ditador, sem precisar fechar o Congresso Nacional.

Terá maioria para aprovar a sua pauta de reformas conservadoras e reacionárias sem atropelos, criando-se no país um Estado ainda mais fundamentalista, como já vem ocorrendo.

Não vai ser preciso também convocar dois soldados em um jipe para fechar o Supremo Tribunal Federal (STF). Para ter o controle e maioria na suprema corte, bastará indicar dois ministros correligionários e profundamente evangélicos para as duas vagas que irão se abrir.

Pode, também, com maioria no Congresso, aprovar o impeachment de ministros do STF que considera seus desafetos, com Alexandre de Moraes, presidente do TSE, sendo o primeiro a ser defenestrado. Com ampla maioria no STF, e no Congresso, não haverá os freios e contra freios tão necessários ao equilíbrio dos três poderes.

Barbárie e civilização

Postagem de uma conhecida itabirana ausente no seu instagran: mensagem de ódio

Portanto, o que está em jogo no segundo turno é a disputa entre barbárie e civilização, entre o respeito e o acinte à democracia, à Constituição Federal.

No segundo turno está em disputa o respeito, ou não, à diversidade, o convívio harmônico entre os cidadãos de um lado, enquanto do outro lado deve aumentar o risco de ruptura do Estado Democrático de Direito, ainda que com o Congresso Nacional funcionando.

Uma eventual vitória de Bolsonaro se traduz, como já ocorre, com o aumento do armamentismo da população, com o incentivo para que o cidadão faça justiça com as próprias mãos, tornando-os cruéis, violentos e ignorantes.

A escolha está com o povo brasileiro em 30 de outubro. Que vença a civilização. Para isso, o apoio a Lula de Simone Tebet (MDB, com 4,16% dos votos e Ciro Gomes (PDT), com 3,04%, pode ser crucial.

Como também pode ser fundamental um possível e necessário apoio de Luta e do PT à reeleição de Eduardo Leite (PSDB) ao governo do Rio Grande do Sul, para derrotar o bolsonarista Onix Lorenzoni (PL), revertendo-se a votação no estado em favor do ex-presidente.

 

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