O assassinato de Victor Jara, cantor e compositor chileno
Fotos: Fundação Victor Jara
Logo após o golpe militar de setembro de 1973, Jara foi preso, torturado e executado. Seu corpo foi abandonado em uma favela de Santiago
Rafael Jasovich*
Foi assim que o autor de canções como “El Cigarrito” e “Te Recuerdo Amanda”, que Serrat, Sabina, Silvio Rodríguez e Víctor Manuel incorporaram em seus repertórios, entrou no estado de Chile onde viveu suas últimas horas.
A violência contra Jara foi um dos símbolos da ditadura de Pinochet (1973-1990), que interrompeu com brutalidade o governo de Allende e os sonhos socialistas, deixando um rastro de sangue de mais de 3.200 mortos e desaparecidos, cerca de 30 mil torturados e dezenas de milhares de exilados.
El Chicho, como era conhecido Allende, um médico socialista e maçom, havia chegado à presidência em 1970, em sua quarta tentativa, com 36% dos votos, liderando a Unidade Popular, a coalizão que reunia várias vertentes da esquerda chilena.
Victor Jara era filho de camponeses, conheceu a exploração e a miséria na sua infância e juventude. Aprendeu música por intuição de sua mãe. Após a sua morte, Jara viajou para Santiago para estudar teatro.
Como diretor teatral recebeu prêmios da crítica e da imprensa por suas montagens e fez turnês por dois continentes.
Enquanto estudava dramaturgia, começou a tocar e a compor com o grupo Cuncumén. Depois trabalhou com as estrelas do folclore chileno: Quilapayún, Inti Illimani, Ángel e Isabel Parra, Patricio Manns, Rolando Alarcón.
Violeta Parra, a autora da conhecida “Gracias a La Vida”, foi uma das pessoas que descobriu cedo o talento de Jara como compositor e intérprete.
Militante comunista, Jara defendeu a Unidade Popular com seu violão, fez canções de protesto, mas suas maiores obras, aquelas mais simples e imperecíveis, são as que brotam da terra e da pobreza dos bairros da periferia de Santiago, as fontes de seu saber.
Víctor acreditava que “a melhor escola para o canto é a vida”, recorda sua viúva, Joan Turner, em “Um Canto Trunco, As Memórias de Jara”. Nomeado embaixador cultural por Allende, preferia as reuniões populares com os amigos aos coquetéis dos diplomatas.
Durante a greve de outubro de 1972, com a qual a oposição quis colocar o governo de joelhos, junto com dezenas de milhares de pessoas, Jara saiu para fazer trabalhos voluntários para impedir que a economia parasse.
No turbilhão, escreveu o “Manifiesto”, seu testamento musical: “Yo no canto por cantar / ni por tener buena voz, / canto porque la guitarra / tiene sentido y razón” [“Eu não canto por cantar / nem por ter uma boa voz / canto porque o violão / tem sentido e razão”].
O inferno estava a alguns quilômetros dali, no Estádio do Chile, rebatizado no período democrático como Estádio Víctor Jara. Ali o compositor ficou deitado no chão.
Na prisão escreveu com dificuldade seus últimos versos: “Canto que mal que sales / Cuando tengo que cantar espanto / Espanto como el que vivo / Espanto como el que muero” [“Canto que mal que sai / Quando tenho que cantar espanto / Espanto como o que vivo / Espanto como o que morro”]..
A primeira autópsia, em 1973, revelou 44 disparos. A nova, de 2009, confirma que Jara morreu por múltiplos impactos.
Ao anoitecer de sábado, 15 de setembro, os prisioneiros foram transferidos do Estádio Chile para o maior estádio do país, o Estádio Nacional.
Naquela noite, os soldados jogaram seis dos cadáveres, entre eles o de Jara, perto do cemitério metropolitano, no acesso sul de Santiago. Uma vizinha reconheceu o compositor e avisou para que o recolhessem.
Quando o corpo chegou ao necrotério, um funcionário que era comunista também reconheceu Jara e avisou sua esposa Joan para que o enterrasse antes que ele fosse sepultado numa vala comum.
O corpo do compositor estava junto ao de centenas de vítimas numa mesa do necrotério, ao final de uma fila de jovens. Só três pessoas acompanharam Joan no funeral semi-clandestino realizado no Cemitério Geral de Santiago, onde foi enterrado num humilde nicho.
“Jara estava em seu ápice criativo, pouco antes de completar 41 anos, e os que cortaram sua vida não imaginavam que o tornariam ainda mais conhecido, assim como a si mesmos”, escreveu o professor e jornalista Manuel Délano.
Ouça Victor Jara aqui:
https://www.youtube.com/watch?v=eUjKCmYhhg4
*Com informações do professor e jornalista Manuel Délano e com El País – http://www.elpais.com/