Grupos bolsonaristas dominam redes com mentiras e críticas a pesquisas eleitorais
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Publicações com mais interações em redes sociais contradizem informações confiáveis sobre intenções de votos
Por Laura Scofield, Matheus Santino
Agência Pública – Quem se informa apenas nas redes sociais pode acreditar que Jair Bolsonaro (PL) está à frente nas intenções de votos, ao contrário do que indica a maior parte dos institutos de pesquisas eleitorais registradas no TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
De acordo com levantamento exclusivo da Agência Pública, as publicações com mais interações e compartilhamentos no Facebook, Twitter, Telegram e WhatsApp divulgam dados e pesquisas que dão como certa a vitória ao atual presidente, além de teorias da conspiração baseadas na afirmação falsa de que os institutos foram comprados por Lula (PT) ou pelo Partido dos Trabalhadores (PT).
A reportagem analisou as publicações mais compartilhadas com o termo “pesquisa eleitoral” desde o início da campanha — de 16 de agosto a 6 de setembro — e descobriu que os posts com mais interações e mais compartilhados nas redes propagam informações mentirosas ou que estimam a vitória de Bolsonaro.
Dos 10 vídeos mais compartilhados sobre o tema no Facebook, quatro foram feitos pelo influenciador bolsonarista e atual candidato a deputado federal por Goiás, Gustavo Gayer (PL). No 1º conteúdo do ranking, Gayer tenta descredibilizar o Datafolha, um instituto independente do Grupo Folha, cuja pesquisa eleitoral mais recente para a presidência apontou Lula com 45% e Bolsonaro com 34% de intenção de votos.
Gayer diz que “nenhuma pessoa minimamente esclarecida acredita no Datafolha” e aborda decisão de juiz baiano que atendeu pedido do PT e impediu a divulgação de uma pesquisa do instituto no estado pela existência de inconsistências. O conteúdo foi publicado em 24 de agosto e ultrapassou 40 mil interações, 28 mil curtidas e 9 mil compartilhamentos.
Levantamento da reportagem identificou que 20% (10) da amostragem de 50 posts com mais interações no Facebook buscam descredibilizar os institutos de pesquisa tradicionais; outros 36% (18) divulgam pesquisas que dão vitória a Jair Bolsonaro ou nas quais a diferença entre ele e Lula é menor e 12 conteúdos são neutros, geralmente postagens de veículos jornalísticos. Cinco foram publicados por políticos de esquerda que divulgam pesquisas nas quais Lula é vencedor, quatro abordam outro tema, e um espalha desinformação sobre a segurança das urnas.
No segundo vídeo mais compartilhado sobre o tema, Gayer diz que os institutos tradicionais de pesquisa “vão tentar sempre colocar o Lula na frente e o Bolsonaro rejeitado”, porque “precisam que a torneira volte a jorrar dinheiro público como fazia antigamente”. O influenciador indica uma pesquisa na qual seu candidato, Jair Bolsonaro, ganha as eleições.
Trata-se de análise do Grupo 6 Sigma, que também foi divulgada em matéria do blog bolsonarista Jornal da Cidade Online sob a manchete: “A pesquisa eleitoral que a velha mídia está escondendo desesperadamente”. A matéria linkou o vídeo de Gayer, que é monetizado no YouTube e já passou de 363 mil visualizações e 89 mil curtidas na rede. O influenciador citou novamente a pesquisa em post no Facebook uma semana depois. A análise do grupo está registrada no TSE (BR-04937/2022).
O Facebook também permitiu o impulsionamento de uma enquete sobre a disputa presidencial, o que é crime eleitoral já que a Lei nº 9.504/1997 veda “no período de campanha eleitoral, a realização de enquetes relacionadas ao processo eleitoral”.
“Já chega dessas pesquisas bancadas pela rede globo (sic) lixo, em que o ladrão está sempre na frente, né?”, pergunta o anúncio publicado pelo candidato a deputado federal por Santa Catarina, Ricardo Alba (União). O conteúdo foi impulsionado ao menos quatro vezes no Facebook e Instagram e custou aproximadamente R$ 400 ao todo, de acordo com dados da Biblioteca de Anúncios do Facebook.
“Bolsonaro vence hoje em todos os estados, porque o povo quer que ele continue!”, diz a mensagem mais compartilhada no WhatsApp e no Telegram de acordo com relatórios gerados a pedido da Pública pelo projeto Eleições Sem Fake, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
A mensagem pede que as pessoas encaminhem o texto para ao menos 10 contatos: “Confirme repassando aos amigos essa aspiração de alguém honesto sentado na cadeira de presidente de um Brasil renovado!”. No WhatsApp o texto foi enviado 124 vezes por 105 usuários distintos e apareceu em 87 grupos, enquanto no Telegram apareceu 28 vezes em 12 grupos, mas a pesquisa citada não existe.
A segunda mensagem mais compartilhada nos dois aplicativos diz que um grupo no Supremo Tribunal Federal (STF) quer impugnar a candidatura de Bolsonaro por uma suposta pressão de “Lula, Zé Dirceu e PCC”, que teriam descoberto que Lula vai perder as eleições.
“Numa pesquisa INTERNA, NÃO FALSA, o PT descobriu que Lula SÓ TEM 17% dos votos e que BOLSONARO GANHA no primeiro turno COM 62% dos votos”, argumenta o texto, em caixa alta no original. O texto foi enviado 115 vezes por 93 usuários em 94 grupos do WhatsApp, e foi identificado 16 vezes no Telegram, em 11 grupos. Também se trata de uma mentira.
No Twitter, entre as 20 postagens mais compartilhadas durante o período, seis buscavam descredibilizar os institutos de pesquisa, o que equivale a 30% da amostra. Outros oito compartilhavam pesquisas nas quais Bolsonaro estaria vencendo as eleições — em um deles, Ciro e Bolsonaro vão para o 2º turno — , o que conflita com os dados da maioria das análises.
Os 14 conteúdos foram compartilhados mais de 12 mil vezes e chegaram a mais de 70 mil curtidas. Os seis tuítes restantes são neutros ou abordavam outro assunto.
“Acabou a mamata. Vão ter que contar com a Globo pagando meio milhão para contratar pesquisa eleitoral fajuta do DataFolha”, diz Paulo Figueiredo Filho, jornalista da Jovem Pan News, responsável pelo 1º lugar entre os conteúdos mais retuitados.
No post, Figueiredo sugere que a Folha está dando a vitória a Lula por ter deixado de receber verba pública durante o governo Bolsonaro. A postagem aparece em segundo no ranking feito pela reportagem entre as mais curtidas, com mais de 9.600 likes.
Ed Raposo (PTB), candidato a deputado federal pelo Rio de Janeiro, está ao lado do perfil BrazilFight como os que mais apareceram no levantamento. Cada um deles emplacou duas postagens entre as 20 mais compartilhadas. Em um dos posts, Raposo critica o método das pesquisas eleitorais por supostamente entrevistarem poucas pessoas e insinua que elas não são válidas. O tuíte alcançou ao menos 603 retuítes e 3.119 curtidas.
Ao contrário do que compartilham os bolsonaristas, o ex-presidente Lula continua na frente da disputa presidencial em quase todas as pesquisas — informação que é confirmada pelo agregador de pesquisas do Estadão, que considera os dados de 14 grandes institutos de análise. O agregador indica que Lula tem 44% das intenções de voto e Bolsonaro, 34%.
O discurso prevalente nas redes sociais também é usado pelo presidente e seus correligionários fora delas. “Aqui não tem a mentirosa Datafolha, aqui é o nosso Datapovo”, disse Jair Bolsonaro (PL) em cima do carro de som no ato de 7 de setembro deste ano em Brasília (DF).
No dia, o apresentador do evento estimou que haveria um milhão de pessoas no local — já o Poder360 estimou o público em no máximo 115 mil pessoas. O número de participantes no evento, inflado ou não, foi utilizado por apoiadores do governo para indicar que Bolsonaro estaria vencendo as eleições e que as pesquisas eleitorais que apontam a vitória de Lula (PT) estariam fraudadas.
A Pública enviou equipes aos atos em Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo e a cobertura do 7 de setembro pode ser acessada neste link.
Datapovo
Para Felipe Borba, cientista político e professor da Unirio, as pesquisas ajudam o eleitor a formar um panorama de como está o processo eleitoral. “O voto não é apenas uma decisão individual, é uma decisão coletiva. Se o eleitor percebe que isoladamente ele não tem capacidade de influenciar, ele procura alternativas de acordo com aquilo que os outros também estão fazendo”, diz.
Dessa forma, o cientista considera que a propagação de informações falsas sobre as pesquisas e institutos é perigosa, já que pode influenciar o eleitor e levá-lo a tomar decisões “equivocadas” ou “contrárias à sua preferência”.
Borba explica que é normal que uma candidatura enfatize e divulgue mais uma pesquisa na qual ele sai ganhando, mas acrescenta que “se você tem uma pesquisa que diverge de todas essas outras, isso não quer dizer que seja uma pesquisa falsa, mas chama atenção por não estar dentro daquele conjunto maior”.
Em entrevista para a Pública, Samara Castro, advogada de direito eleitoral e coordenadora de comunicação da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep) disse que os bolsonaristas estão criando a narrativa de que as pesquisas eleitorais não são confiáveis, o que tem servido para tumultuar o processo eleitoral. Depois de descredibilizar as análises tradicionais, eles sugerem outras onde seu candidato sai ganhando.
“Elas [enquetes e pesquisas alternativas] são parte da narrativa e ajudam muito na descredibilização do sistema eleitoral”, diz. “O Ministério Público, na defesa da integridade e da própria justiça eleitoral, deveria ter uma providência mais ativa para remover pesquisas e enquetes irregulares”, avalia a advogada.
Em retorno, o Youtube disse que é “uma plataforma de vídeo aberta e qualquer pessoa pode compartilhar conteúdo, que está sujeito a revisão de acordo com as nossas diretrizes da comunidade”. A assessoria da rede afirmou em ligação que os vídeos de Gustavo Gayer que fazem críticas aos institutos de pesquisa não violam as diretrizes. Confira o posicionamento na íntegra.
O influenciador Gustavo Gayer respondeu os questionamentos da reportagem com a seguinte mensagem: “Deitado na cama comendo pipoca enquanto vejo o desespero da imprensa e ‘agências de checagem’ com a derrota do ladrão de nove dedos. Essa é a minha posição”.
O Facebook recebeu os questionamentos e pediu os dados utilizados pela reportagem para análise interna. A Pública compartilhou todo o material solicitado, mas a rede escolheu não comentar. O mesmo ocorreu com o Twitter. O WhatsApp disse que “é a plataforma de mensagens que mais coopera ativamente com as autoridades na proteção da integridade das eleições” e citou os acordos de cooperação com o TSE e TRE’s (Tribunais Regionais Eleitorais).
“Lançado em abril, o Tira-Dúvidas do TSE no WhatsApp permite que os eleitores interajam com a autoridade eleitoral para consultar serviços e informações ou mesmo se cadastrar para receber mensagens importantes do Tribunal. Mais recentemente, o chatbot ganhou uma ferramenta inédita que permite a busca por conteúdos verificados relacionados ao processo eleitoral. Caso o conteúdo buscado pelo eleitor ainda não tenha nenhuma correspondência já verificada, a informação será encaminhada para o grupo de checadores de fatos parceiros e em breve o eleitor poderá se cadastrar para receber uma notificação quando esse conteúdo estiver disponível”, acrescentou a rede. A íntegra pode ser conferida aqui.
A reportagem também questionou o Telegram e o Instagram, mas as redes não retornaram até a publicação da reportagem.
O Ministério Público Federal disse que o órgão atua “antes, durante e após o período eleitoral com o propósito de que as normas que regem o processo eleitoral sejam cumpridas” e que irregularidades “são apuradas, com a adoção das providências consideradas cabíveis em cada caso”. A Pública também questionou o TSE sobre desinformação relacionada às pesquisas eleitorais, mas o tribunal não respondeu.
Metodologia
Para obter os dados do Facebook, a reportagem utilizou a ferramenta CrowdTangle, criada e mantida pela Meta, e buscou por posts criados por páginas, em português, e com termo “pesquisa eleitoral”, ordenando os resultados a partir do número de interações. Os resultados foram baixados em planilha e a reportagem analisou o conteúdo dos 50 vídeos com mais interações. Usuários que tenham conta na ferramenta podem acessar os dados aqui.
Para os dados do WhatsApp e Telegram, a Pública solicitou relatórios aos pesquisadores da UFMG com as palavras-chave “pesquisas eleitorais”, “pesquisa” e “pesquisa eleitoral” no intervalo temporal determinado. A base de WhatsApp do projeto contém mais de mil grupos públicos e a do Telegram, mais de 200 grupos e canais. No período analisado, foram identificadas mensagens em 76 grupos e canais no Telegram e em 580 grupos no WhatsApp. Os dois relatórios gerados podem ser acessados aqui (WhatsApp) e aqui (Telegram).
No Twitter, a reportagem coletou mais de 4.300 tweets com a palavra-chave “pesquisa eleitoral” e fez uma planilha, filtrando a partir das 20 postagens mais compartilhadas, curtidas e respondidas. A reportagem também identificou quais perfis mais tuitaram sobre o tema.
Todos os dados se referem ao intervalo entre os dias 16 de agosto e 6 de setembro e não refletem apenas as redes bolsonaristas. No caso de redes públicas (Facebook e Twitter), os dados foram coletados em toda a rede. O projeto Eleições Sem Fake utiliza bases que contém grupos e canais de diversos espectros políticos para analisar WhatsApp e Telegram.