Jô Soares foi um crítico humordaz de Bolsonaro: morre o homem fica a fama de quem não se curvou à todas formas de autoritarismo
Foto: Reprodução/ TV Globo
Carlos Cruz*
Embora tenha manifestado condolência à família do entrevistador, apresentador e escritor José Eugênio Soares, o Jô Soares, morto nesta sexta-feira (5) aos 84 anos, no Rio (RJ), o presidente Jair Bolsonaro (PL) não tinha por ele a menor simpatia, por ter sido o humorista seu crítico contundente e contumaz. A manifestação presidencial de pesar pela sua morte foi uma mera formalidade.
Em um de seus programas de entrevista na TV Globo, certa vez uma pessoa da plateia gritou: “Viva Bolsonaro”, depois de ouvir críticas ao presidente. Imediatamente Jô perguntou quem havia gritado tamanha sandice. “Maluf está na plateia? É só para saber”, indagou humordazticamente.
Um homem se levantou da plateia para explicar o seu posicionamento. Depois de ouvi-lo, Jô encerrou o assunto: “Eu já ouvi muita bobagem na minha vida, mas essa supera a do Bolsonaro.”
Pela rede social o presidente assim se manifestou diante dessa perda incomparável para o país. “Independentemente de preferências ideológicas, Jô Soares foi uma grande personalidade brasileira que conquistou a todos com o seu modo cômico de discutir assuntos profundos”, reconheceu.
“Que Deus conforte a família e o acolha com a cordialidade que o próprio Jô recebia a todos”, registrou o capitão reformado, depois de ter sido expulso do Exército, acusado de tramar a explosão de bombas de baixa potência em quartéis do Exército na Vila Militar, na Academia de Agulhas Negras, e na adutora de água Guandu, que abastece a cidade do Rio.
Bolsonaro foi afastado em 19 de abril de 1988, depois de ter sido eleito vereador pelo Rio. Antes, foi acusado de vazar informações internas à revista Veja. Foi absolvido da acusação, mas convidado a se “aposentar” das Forças Armadas.
Jô Soares conhecia essa história e toda a vida pregressa do então deputado pelo Rio de Janeiro. E nunca o perdoou pelas suas sandices, defesa de torturadores e perseguição à imprensa.
Isso já como presidente, por ser criticado pela conduta irresponsável e criminosa diante da pandemia, menosprezando a disseminação mundial do novo coronavírus e as mortes pela Covid-19.
No primeiro ano da pandemia, em novembro de 2020, Jô Soares assim se manifestou, dirigindo-se ao presidente: “Volto a lhe escrever para comentar sobre a perseguição da imprensa, que continua a criticar suas declarações a respeito de remédios que, do baixo do seu conhecimento, Vossa Redundância continua a sugerir”, ironizou o humorista no tratamento “respeitoso” ao presidente.
“Fazem parte desse kit covid a hidroxicloroquina, a cloroquina, a ivermectina, a azitromicina e doxiciclina. A ciência nega a eficácia desses medicamentos contra a covid-19”, endossou Jô Soares as críticas à atitude negacionista do ainda presidente.
Quando Bolsonaro era deputado federal, no tristemente famoso episódio em que ele atacou a deputada Maria do Rosário (PT-RS), dizendo que ela não merecia ser estuprada, Jô foi mais uma vez contundente em sua critica à essa postura misógina, desrespeitosa, ultrajante e criminosa.
Histericamente Bolsonaro respondeu em vídeo postado em 21 de dezembro de 2014, desafiando o apresentador a convidá-lo para participar de seu programa de entrevista.
“Pode ter a certeza de que não teremos baixaria. É para te dar a resposta que você merece. Você, na verdade, é um grande embusteiro. Você não tem colhão para me convidar”, vociferou, baixando o nível, o então deputado federal, eleito seguidamente pela mesma urna eletrônica que hoje tanto critica.
Jô não o convidou, seria dar espaço em demasia a quem não merecia. O humorista não era isento, sabia que isso é uma mitificação de quem não se posiciona diante dos embustes e truculências daqueles que, como o então deputado, defendia – e ainda defende – torturadores e o regime militar (1964/85).
Assim, historicamente, o posicionamento firme de Jô Soares não foi somente em relação a Bolsonaro, mas também diante de todos que defendiam e davam legitimidade à ditadura militar, de triste lembrança.
Por causa de seu posicionamento, sofreu censura quando escrevia como colaborador do jornal O Pasquim, um das poucas publicações brasileiras que ousavam criticar o regime militar, que “prendia e arrebentava” todos aqueles que se opunham aos generais que assaltaram o país com o golpe de 1º de abril.
Que o espírito humordaz de Jô Soares seja eterno. E que aqueles que picharam em sua porta “morra Jô Soares” não tenham paz – e sofram com o repúdio de todos que não comungam com a “ideologia” do nefasto ainda presidente da República Federativa do Brasil.
*Com informações da Folha de S.Paulo e Veja.