TJMG não acata recurso da Vale e mantém a suspensão das negociações individuais com moradores dos bairros Bela Vista e Nova Vista

Foto: Carlos Cruz

Por decisão monocrática, a desembargadora Áurea Brasil, relatora da 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) indeferiu, na sexta-feira (8), pedido de efeito suspensivo apresentado pela Vale, contestando a decisão liminar da juíza Fernanda Chaves Carreira Machado, da 1ª Vara Cível da Comarca de Itabira.

Por essa decisão de primeira instância, e que foi até aqui mantida, ficam suspensas as negociações individuais com 11 moradores vizinhos e mais fortemente impactados pela barragem do Pontal, conforme foi requerido pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) na ação civil instaurada para obrigar a Vale cumprir o que dispõe a lei 23.795, de 15 de janeiro de 2021, que institui a política estadual dos atingidos por barragens.

O novo ordenamento jurídico estadual privilegia a negociação coletiva com moradores, que é para não criar situações de privilégios, o que poderia causar a divisão dos atingidos pela construção de uma estrutura de contenção a jusante (ECJ). A nova estrutura é apontada pela mineradora como medida cautelar para que se tenha início a descaracterização do dique do Minervino e do cordão Nova Vista, no sistema Pontal.

A desembargadora Áurea Brasil acatou também o pedido para que seja contratada a assessoria técnica independente (ATI), a ser custeada pela mineradora, para prestar consultoria aos atingidos, conforme determina a legislação estadual.

Em seu recurso, a empresa alegou, até aqui sem sucesso, que o custeio da ATI é “medida exagerada e manifestadamente inadequada”. Isso pelo fato de sustentar que “as discussões relativas à remoção e aos transtornos das obras estão limitadas a um número muitíssimo reduzido de pessoas, que estão em contato direto com a Vale e com a Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG) para definir as melhores formas de endereçar os respectivos danos”.

Recurso negado

O argumento não foi acatado pela desembargadora, assim como foram mantidas as demais determinações da decisão liminar de primeira instância.

Fica, portanto, determinado que a Vale arque também com o custeio de uma perícia técnica que irá definir as “ações que sejam capazes de mitigar ou prevenir danos e impactos socioeconômicos” aos moradores atingidos”.

E antes mesmo de iniciar as negociações com os moradores, será preciso definir claramente os parâmetros coletivos para a indenização individual, detalhando os danos sofridos e a respectiva valorização dos imóveis, assim como a identificação dos danos coletivos e difusos. Esses terão de ser reparados por meio de programas, projetos e ações a serem custeados pela mineradora.

E ainda, no caso de ser necessária a remoção/evacuação emergencial e compulsória de pessoas atingidas antes da reparação integral dos danos, que seja assegurada moradia digna e adequada aos atingidos, com padrão igual ou superior a moradia removida.

Essa reparação deve durar enquanto não for encontrado outro imóvel definitivo, o que deve ser feito por meio do custeio de diárias em hotel, pousada ou locação de um outro imóvel.

E tudo isso deve ocorrer conforme as escolhas das pessoas que serão desalojadas de suas residências, mantendo-se o padrão de moradia de cada atingido, no mínimo, dentre outras medidas, como a evacuação segura de animais domésticos.

Defesa

Em sua defesa, a Vale sustenta que inexiste um só dano comprovado ou minimamente evidenciado, seja ele individual ou coletivo, aos moradores.

Diz ainda que, na ação civil pública, o MPMG omite as diversas providências que vêm sendo desenvolvidas pela Vale junto a esses moradores.

Assegura que eles não estão desassistidos ao citar o envolvimento da DPMG na fixação de diretrizes de reparação das pessoas atingidas, o que “confere inequívoca legitimidade ao processo” de negociações individuais em curso.

Quanto aos direitos coletivos e difusos que estariam sendo impactados, a defesa diz que na petição inicial do MPMG não foram apresentadas “evidências quanto à alegada insuficiência das medidas mitigatórias e reparatórias desenvolvidas pela Vale para resguardar o direito dos moradores atingidos”.

Argumenta também que não se vislumbra da petição inicial qualquer indicação de dano ambiental, mas sim de questões de natureza socioeconômica, “passando pela perspectiva de danos individualmente considerados, pelo que em nada se aplicam as diretrizes atinentes ao direito ambiental”.

Sustenta ainda que a suspensão das negociações individuais, em curso com 11 moradores do bairro Bela Vista, fere a autonomia da vontade e as boas práticas do Direito.

Quanto a assessoria técnica independente, reconhecida pelo artigo 2º da lei estadual, diz que a sua regulamentação ainda está pendente, e que “se trata de mera prerrogativa e não condição para o exercício dos direitos das pessoas impactadas”.

Para a Vale, a não contratação dessa assessoria não é impeditivo legal para que sejam finalizados os acordos individuais, “sendo plenamente aplicáveis as disposições do CPC (Código do Processo Civil) relativas à autocomposição”.

Segundo a defesa, a Vale não precisou retirar uma só pessoa da sua moradia. E nega que a mineradora não tem mantido diálogo com os atingidos, citando o início do cadastramento das famílias que residem mais próximas às obras, bem como tendo realizado diagnóstico dos impactos que os moradores veem sofrendo

E que sendo assim, ao se constatar “a ausência de demonstração de lesão aos direitos dos moradores de Itabira, a decisão recorrida deve ser reformada, com o acolhimento da preliminar de ausência de interesse de agir, arguida em contestação.”

Decisão

Pois foram com esses e outros argumentos expostos no agravo de instrumento que a Vale requereu a concessão da tutela liminar recursal, com a suspensão dos efeitos da decisão agravada até o julgamento do recurso pelo colegiado.

Mas foi até aqui sem sucesso. A desembargadora não acatou as alegações. “Com tais considerações, indefiro o pedido liminar recursal, recebendo o agravo apenas o seu efeito devolutivo. Comunique-se ao Meritíssimo Juízo a quo.”

Ou seja, sem atender ao pedido de efeito suspensivo da decisão da juíza Fernanda Chaves, a desembargadora Áurea Brasil manda retornar com a ação à primeira instância, cabendo à Vale o ônus da prova de que não está causando impactos aos moradores, sejam individuais, coletivos e ou difusos, no âmbito da ação civil pública proposta pelo MPMG, que segue o seu curso.

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