Justiça determina que a Vale informe a real situação de risco da comunidade de São Sebastião das Águas Claras, em Nova Lima

Vista aérea de São Sebastião das Águas Claras (Macacos) de 2007. Atualmente a presença, e o impacto, da mineração é maior

Fotos: Marcelo Pinheiro

Na ação civil pública ajuizada pela Associação de Meio Ambiente Mata do Engenho (Aname), o juiz Kleber Alves de Oliveira, da 1ª Vara Cível da Comarca de Nova Lima, deferiu parcialmente, em 3 de maio, pedido de tutela de urgência, determinando que a Vale tome as providências relacionadas na sentença no prazo de 15 dias.

Na ação civil pública, a Aname cobra responsabilidade e transparência da mineradora em relação às situações de instabilidades na área de influência do Complexo Mar Azul, da mineradora Vale, em razão dos riscos aos moradores decorrentes das barragens de rejeito B3 e B4, juntamente com o projeto de expansão de uma pilha de estéril a montante, que pode atingir diretamente a comunidade de São Sebastião de Águas Claras (Macacos), em Nova Lima.

Semelhança

A ação guarda semelhança com a congênere instaurada em Itabira a pedido da 2ª ª Promotoria de Justiça da Comarca de Itabira, com apoio da Coordenadoria de Inclusão e Mobilização Social (Cimos), por descumprimento de vários artigos da Lei estadual 23.795, de 15 de janeiro de 2021, que trata da Política Estadual dos Atingidos por Barragens.

Outro ponto em comum é a falta de informações, o que ocorre tanto em Nova Lima como também em Itabira, com relação aos atingidos pela descaracterização de pilhas e do cordão Nova Vista, além da construção de uma segunda Estrutura de Contenção à Jusante (ECJ2) na barragem do Pontal.

A instalação dessa segunda estrutura, um imenso muro tubular considerado preventivo, pode atingir 317 núcleos familiares e mais de 1,2 mil moradores dos bairros Bela Vista, Nova Vista, além de parte dos bairros Jardim das Oliveiras e Praia.

A Aname sustenta na ação que “as propagandas veiculadas pela empresa não refletem a realidade e que não há direito de a comunidade expor a realidade fática”, enfatizando que as informações divulgadas pela empresa não condizem com a realidade.”. E que violam “o direito de imagem dos atingidos, além da perda da qualidade de vida no local.”

É assim que na sentença, o juiz de Nova Lima ao deferir parcialmente a tutela de urgência, determina que a empresa publique, no prazo de 15 dias, a “situação fática vivenciada pela população atingida nos meios de comunicação”. E que seja “deferida a publicação da versão dos fatos pelos atingidos.”

Mercado financeiro

Além disso, a mineradora Vale terá de encaminhar ao Ponto de Contato Nacional, representação institucional responsável por atuar para a implementação das Diretrizes para Empresas Multinacionais, constituídas no âmbito do Comitê de Investimentos da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), informações sobre a existência da ação em curso na Comarca de Nova Lima.

Determina ainda a expedição de ofício à Comissão de Valores Imobiliários (CVM), “a fim de que apresente os relatórios de sustentabilidade e governança corporativa da ré desde 2019, ano de ocorrência de incidente no distrito de São Sebastião das Águas Claras.

É o que pede também o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) na ação civil pública requerida em Itabira em defesa dos interesses individuais, coletivos e difusos dos moradores dos bairros atingidos pela barragem do Pontal.

O entendimento é que a mineradora tem agido com displicência com essas comunidades. E que somente atingindo a economia da mineradora, e a sua consequente posição no mercado, os direitos dessas comunidades, já postos em lei, serão respeitados.

Saiba mais

Na ação civil pública de Nova Lima, a Aname sustenta que a Vale age com descaso e descompromisso com as suas responsabilidades por um evento ocorrido em fevereiro de 2019.

Foi quando realizou-se a evacuação do distrito de São Sebastião de Águas Claras, em decorrência do risco de rompimento das barragens B3 e B4, acarretando vários impactos negativos aos moradores.

“O evento privou os moradores do distrito do uso de diversas propriedades ali localizadas, bem como da continuidade do desempenho das suas atividades econômicas e da estabilidade e segurança de que desfrutam”, reconhece o juiz Kleber Alves de Oliveira.

Não bastasse toda essa situação de insegurança, terror e medo, “extrai-se que a ré vem veiculando propagandas acerca das medidas tomadas a fim de mitigar os danos oriundos do incidente, cujos fatos noticiados dissonam da versão titularizada pela autora (a Aname), pessoa jurídica apta a representar judicialmente os interesses dos associados, consistentes em comunidade localizada na área de influência direta dos empreendimentos da empresa ré”.

A Vale tem prazo para recorrer da sentença. Este site Vila de Utopia se coloca à disposição para divulgar o recurso, caso haja interesse da mineradora.

História

São Sebastião das Águas Claras (Macacos) foi povoado na primeira metade do século XVIII

Capela de São Sebastião, na comunidade de Macacos, em Nova Lima

Por Marcelo Pinheiro*

A origem do arraial é muito antiga e está ligada aos bandeirantes pioneiros Fernão Dias e seu genro Borba Gato. Eles andaram por aquelas matas e deram os nomes primitivos respectivamente do ribeirão dos Macacos e do córrego dos Feixos. Duas circunstâncias se unem para o nascimento do arraial: o ouro e a estrada.

Considerando a situação geográfica de Macacos, na forma de um cone, banhada pelos córregos das Taquaras, Fundo, Tamanduá e Marumbé que despejam suas águas no Ribeirão de Macacos, condições que formaram um caminho que atraiu um grande número de mineradores que, por consequência, criou um centro consumidor e pressionou a criação de um outro centro abastecedor.

Macacos começou a ser povoado na primeira metade do século XVIII e, já em 1740, constava como arraial no censo populacional realizado na Vila de Sabará.

O Arraial de Macacos, como também é conhecido o povoado, “chegou a ser um povoado animado”, embora de prosperidade efêmera. E tem o seu crescimento ligado à exploração de ouro no chamado “Descoberto dos Macacos”, quando ocorre em minas uma próxima das outras.

Mineradores e comerciantes locais fizeram construir uma rústica capela para ofícios e festas religiosas. Hoje demolida, mas o local ainda é conhecido pelos moradores como Capela Velha.

A atual capela conhecida como “São Sebastião” foi construída na segunda metade do século XVII e reformada em 1801. Passou por reparos posteriores, sendo restaurada recentemente.

São Sebastião das Águas Claras difere de todos os outros bairros e distritos do município de Nova Lima tendo vida própria e caracteres inconfundíveis. Guarda ainda hoje algumas construções da época colonial e outras mais recentes.

A ocupação principal é a extração de minério de ferro. O comércio é animado pelos turistas que frequentam as cachoeiras, pousadas, restaurantes e bares do arraial nos fins de semana.

A fama do doce de leite de Macacos vai longe e a medicina caseira a base de chás é muito praticada.

O dia de São Sebastião é 20 de janeiro, mas já se tornou tradição em Macacos ser comemorado no último domingo de agosto. A festa atrai grande número de fiéis e turistas – e é a maior do calendário de eventos do distrito.

*Marcelo Pinheiro é historiador e fotógrafo. Testo extraído do Atlas de Nova Lima.

 

 

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