Agronegócios e insustentabilidade no governo Bolsonaro

Área de vegetação florestal desmatada para formação de pastos (Foto: Reprodução/Brasil Escola)

Por José Rodrigues Filho

[EcoDebate]

A insustentabilidade da produção do setor de agronegócios, processamento, distribuição e padrões de consumo e a governança inadequada do sistema de alimentos são reconhecidas em quase todo o mundo.

Portanto, é crucial a transição para sistemas agrícolas e de alimentos sustentáveis para que se possa efetivamente gerenciar um mercado de agronegócios capaz de suportar o crescimento populacional e assegurar acesso universal de alimentos para todos, de forma suficiente, segura e nutricional.

Assim sendo, se já era impossível pensar em sustentabilidade dos agronegócios no Brasil, no governo Bolsonaro o retrocesso foi brutal. A vantagem disto foi o mundo conhecer as perversidades e injustiças do setor no Brasil, cuja eficiência econômica se dá às custas do meio ambiente, impunidade, ameaças aos povos indígenas e aumento da violência.

A sustentabilidade só será assegurada através da coexistência com um modelo alternativo baseado na proximidade e redes de pequenos negócios, que valorizam as heranças da natureza e da cultura de áreas específicas.

Observa-se no momento que o setor está rachado entre a ala dos grandes produtores agrícolas (agropecuária) e a ala da agroindústria, que parece buscar esforços sustentáveis de desenvolver e expandir mercado (doméstico e internacional), orientando suas estratégias, infraestrutura, inovações tecnológicas e recursos necessários à melhoria da competitividade, lucratividade e sustentabilidade.

Assim sendo, a recente devastação da Amazônia, onde um céu de fumaça tomou conta da região, parece ter sido uma proposta do agronegócio, apoiada pelo governo, em vez de ser uma proposta do governo, apoiada pelo agronegócio. De qualquer forma, isto assombrou o mundo, despertando a preocupação de governos europeus e da comunidade científica mundial.

As políticas ambientais predatórias do atual governo também contribuíram para despertar a consciência mundial do consumo sustentável, não só nos países desenvolvidos, mas dentro do Brasil, que pode atingir em cheio a economia brasileira, com consequências desastrosas e prejuízos incalculáveis. O boicote mundial aos produtos brasileiros já é uma grande ameaça, a partir dos embaraços para se aprovar o acordo do Mercosul pela Comunidade Europeia.

Portanto, a modernização da agricultura no Brasil e, consequentemente, do agronegócio se deu às custas de desigualdades e privilégios, razão pela qual boas práticas de preservação ambiental nunca foram adotadas. Para alguns autores, a destruição das florestas, contaminação dos solos e alimentos fazem parte desta modernização.

A destruição da Amazônia e a autorização de agrotóxicos danosos estão embutidas na estratégia do agronegócio do atual governo, o que dificulta práticas de desenvolvimento sustentável. Como já foi dito, é uma utopia pensar em desenvolvimento sustentável local quando “muitos agricultores familiares são privados até mesmo das condições dignas de sobrevivência.

Desta feita, temos os grandes produtores que repelem o discurso de sustentabilidade e o agricultor familiar que não tem as condições de adotá-lo. Mas nem tudo está perdido. No setor da agroindústria, o agro alimentos, em muitos países, é bem representativo na indústria manufatureira, representando de 10% a 30% do setor.

Ao produzir bilhões de dólares e empregar milhões de pessoas, a importância desta indústria se relaciona com as proximidades técnicas e econômicas da agricultura (utilização de matéria-prima básica), diante de seu papel de satisfazer uma demanda não exaustiva – a subsistência da humanidade. O ideal seria se os dois setores funcionassem em sintonia, mas o setor da agricultura por questões históricas dificilmente funcionará de forma sustentável, pelo menos a curto prazo.

A indústria do agro-alimentos é altamente heterogênea em termos de sua estrutura e espaço geográfico. É composta de vários setores, por exemplo, o processamento de cereais, sementes oleosas e produtos animais. Cada um destes setores tem características distintas em termos econômicos, tecnológicos e gerenciais.

Em 2009, por exemplo, os países desenvolvidos, com mais ou menos 16% da população mundial, eram responsáveis por 64% da produção global da indústria em termos de valores econômicos, enquanto os países em desenvolvimentos eram responsáveis por 32% da população global e apenas 6% da produção.

Temos o caso da Holanda, país de pequena extensão territorial, mas que nos últimos 20 anos investiu maciçamente na sua indústria do agro-alimentos, dentro de uma visão sustentável, sendo hoje o segundo maior produtor de alimentos do mundo, depois dos Estados Unidos, com uma capacidade tecnológica e de pesquisa invejável.

No Canadá, a indústria de agro-alimentos já é o maior sector manufatureiro, produzindo bilhões de dólares, contribuindo para a inovação e crescimento global. O setor oferece uma moderna, complexa e integrada cadeia de suprimentos competitiva. É um sistema dinâmico e resistente que se adapta constantemente às demandas mutáveis dos consumidores, aos avanços tecnológicos e à globalização.

Este setor no Brasil pode se tornar confiável, adotando sistemas de inspeção e regulação, internacionalmente reconhecidos, além dos padrões mundiais de segurança, nutrição e qualidade. Além disto, vale mencionar as redes de pesquisas que podem ser desenvolvidas e voltadas para produtos e tecnologias, colaborações acadêmicas públicas e privadas e encorajamento de inovações e manufatura de novos produtos.

Num momento em que o mundo enxerga ações governamentais de destruição da natureza e não de defesa sustentável das riquezas naturais, é possível imaginar que num momento de pós-pandemia, o espírito comunitário e colaborativo entre empresários e a sociedade em geral estejam voltados para um desafio das organizações do agro-alimentos, seu crescimento e desenvolvimento sustentável, explorando as possibilidades de mercados, inclusive exportações. Mesmo com a crise, o setor do agronegócio não parou de crescer, e o setor do agro alimentos poderá se tornar um marco da sustentabilidade.

*José Rodrigues Filho é professor da Universidade Federal da Paraíba. Foi pesquisador nas Universidades de Johns Hopkins e Harvard (USA).

https://jrodriguesfilho.blogspot.com/

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