O engano de Carpeaux
Clara, densa e sempre jovem, a sua poesia lembra a água. (Ferreira Gullar, poeta)
Otto Karpfen nasceu em Viana em 1900, e, Otto Maria Carpeaux teve a graça de ser encantado numa das mais belas cidades da América do Sul, o Rio de Janeiro, em 1978.
Ensaísta e jornalista foi um leitor ávido de páginas em grego antigo e latim; pensou e escreveu nas línguas da Europa, das Américas e tornou-se um falante e escritor da língua brasileira.
Como Luiz Borges foi grande diretor de Bibliotecas: Ciências Econômicas e Sociais de Viena (1933-38); Nacional de Filosofia/Rio (1942-44) e da Fundação Getúlio Vargas/Rio (1944-49).
Autor da monumental História da Literatura Ocidental, a mais importante obra de literatura em língua portuguesa. De Homero até os modernistas, Carpeaux classificou mais de 8 mil nomes da literatura.
Segundo o professor Arp Procópio, em sua preciosa biblioteca não havia outros livros não fosse os de referência bibliográfica dos quatro cantos do Mundo.
De Carpeaux registramos aqui na Vila de Utopia, um engano, bem contado pelo escritor e jornalista Marcus Prado, no Diário de Pernambuco, em 10/9/1982
| Drummond, em outubro, fará oitenta anos. Há trinta anos atrás, ou melhor, há trinta e um anos, o saudoso crítico e ensaísta Otto Maria Carpeaux acabou comemorando o “falso cinquentenário de C.D.A.” É que, por um engano de data, publicou-se no Correio da Manhã com um ano de antecedência, isto é, em 1951, o artigo de comemoração.
Nele Carpeaux escreveu que “sua figura de poeta estava incompatível com o conceito que do poeta se fez durante muito tempo, nesta terra. Contingências históricas e certos equívocos românticos fizeram do poeta o representante, entre nós, da emoção juvenil; mais da emoção juvenil que da inteligência madura.
Mas Carlos Drummond de Andrade nunca foi poeta assim. Ao verbalismo fácil e sonoro opôs uma poesia das essências; versos como que filtrados pela mais insubornável das inteligências críticas.” | (MCS, pela transcrição)
Carlos Drummond de Andrade
por Otto Maria Carpeaux
Faz anos o poeta Carlos Drummond de Andrade. A data é, sempre quando volta, motivo de regozijo para seus amigos. Mas desta vez, em 1951, é algo diferente a situação. Faz 50 anos o poeta: eis uma data que já pertence à história da literatura brasileira.
Carlos Drummond de Andrade faz parte de uma plêiade de escritores que renovaram a poesia em nosso país. Mário de Andrade tinha lançado os fundamentos. Manuel Bandeira criou a gama inteira da nova música. Jorge de Lima fez ouvir, em seus versos, a voz do povo. Murilo Mendes nos fez ver o céu das suas visões. Augusto Frederico Schmidt já entoou acordes novos, de uma nova geração.
Não teriam razão, esses grandes poetas, se se queixassem da oposição que encontraram: a forma nova e a ideia nova, na arte, sempre tem de lutar. Mas é um fato, dos mais significativos, que aquela oposição contra ninguém se levantou com intensidade maior do que contra Carlos Drummond de Andrade. Por que? Porque sua figura de poeta estava incompatível com o conceito que do poeta se fez durante muito tempo, nesta terra.
Contingências históricas e certos equívocos românticos fizeram do poeta o representante, entre nós, da emoção juvenil; mais da emoção juvenil do que da inteligência madura. Mas Carlos Drummond de Andrade nunca foi poeta assim. Ao verbalismo fácil e sonoro opôs uma poesia das essências: versos como que filtrados pela mais insubordinável das inteligências críticas. Tampouco corresponde à poesia de Carlos Drummond de Andrade, por mais séria que seja, ao ideal da solenidade oficiosa.
Ao contrário, a mais sutil das suas formas poéticas é a ironia, o humor amargo que lhe serve para defender seu sentimento de homem profundamente ofendido pelos males deste mundo e da própria criação.
A poesia lírica de Carlos Drummond de Andrade às vezes é de concisão epigramática, resumindo em um verso experiências inefáveis. Outra vez, é de amplitude quase épica: panorama e, ao mesmo tempo, análise inexorável do mundo sombrio desse tempo.
Então, parece poeta noturno. Mas sabe iluminar essas noites pelos raios de seus versos, que hoje lhe agradecemos; e que a posteridade ainda agradecerá, mais dignamente, a Carlos Drummond de Andrade.
[Correio da Manhã, 2/11/1951. Hemeroteca da BN-Rio]
Retificação e “furo”
Pede-nos o sr. Carlos Drummond de Andrade a publicação da seguinte carta:
Meu caro O.M.C – Suas palavras a respeito deste suposto poeta, no Correio, de hoje, trazem a marca da generosidade intelectual e do calor humano. Sou-lhe muito grato pelo que escreveu, mas estimaria uma retificação.
Infelizmente, ainda não completei 50 anos, embora esteja próximo dessa idade egrégia. Digo infelizmente, porque um dos prazeres da vida é envelhecer, e a natureza, com parcimônia, impõe o seu ritmo a esse prazer. Afetuoso abraço de Carlos Drummond de Andrade.
Registramos, com prazer, o erro e com alegria o furo de ter antecipado uma notícia irrefutavelmente verdadeira. O.M.C.
[Correio da Manhã, 2/11/1951. Hemeroteca da BN-Rio]
Rodapé
Em 28 de outubro de 1952 o Diário de Pernambuco dá a seguinte notícia: “Em Buenos Aires, na companhia da filha Maria Julieta e do neto, o poeta Carlos Drummond de Andrade festejará seu cinquentenário, sexta-feira próxima”.
[Correio da Manhã, 1/11/1951.Hemeroteca BN-Rio]