O embate de direitos acerca da limitação de locomoção de vacinados

Tiago Bretas*

Em 2020, eclodiu no mundo a pandemia com o novo coronavírus, causando a morte de milhões de pessoas e caos em todo sistema de saúde global. No entanto, os problemas causados pelo vírus não se limitam apenas a área da saúde, atingindo também setores econômicos, turismo, segurança e até mesmo o lazer.

Desse modo, com a vacinação avançada muitos países estão se reabrindo para estrangeiros, assim como teatros, campos de futebol e muitos outros atrativos. Porém, muitos estão exigindo ao sujeito o comprovante de vacinação ou exame negativo para o Covid-19 realizado recentemente, causando assim, um conflito de direitos

Entretanto, apesar de tais conflitos não serem comuns, eles acontecem diversas vezes no cenário atual, e sempre provocam polémicas, por tratar de pontos opostos e controversos.

Como exemplo desse atrito anterior, temos a discussão acerca do paciente testemunha de Jeová que, ao necessitar de transfusão de sangue, em razão de sua religião, recusa o necessário tratamento.

Nesses casos, o Supremo Tribunal Federal (STF) ainda não se posicionou sobre o tema. Porém, a jurisprudência pátria entende que o médico deve buscar outro tratamento menos constrangedor ao indivíduo. Nessa situação, o direito à liberdade religiosa se contrapõe ao da vida, ambos previstos no artigo 5° da Constituição Federal brasileira.

Igualmente, acerca da limitação em alguns países de locomoção aos não vacinados após a pandemia, também há conflito de direitos, uma vez que ao restringir os não vacinados a certos lugares é limitado o seu direito de locomoção que, no Brasil, é assegurado no artigo 5º, inciso XV da Constituição Federal.

Contudo, caso a restrição não seja aplicada, fica prejudicada o direito à vida e saúde, ambos estabelecidos respectivamente no caput dos artigos 5° e 6° de nossa Constituição Federal.

Dessa forma, em dezembro de 2020, o STF decidiu que a imunização contra o novo coronavírus deve ser obrigatória, autorizando assim a liberdade aos chefes do poder executivo, seja prefeito, governador ou presidente, estipularem sanções para os indivíduos não vacinados.

Em vista disso, no Brasil autorizou-se a exigência de comprovação da vacinação e do resultado negativo do exame que atesta a presença do respectivo vírus no organismo para a pessoa ter acesso, por exemplo, aos estádios de futebol para assistir aos jogos das quartas de final da Copa do Brasil.

Por seu lado, o presidente Jair Bolsonaro criticou veementemente a decisão do STF, por considerar que fere a liberdade do povo brasileiro. E, ainda, declarou que o Governo Federal não aplicaria qualquer punição as pessoas ao decidirem não se vacinar contra a Covid-19.

Por conseguinte, diversos prefeitos e governadores aliados do presidente tomaram a decisão semelhante. Entretanto, outros chefes de executivo, de forma contrária ao do presidente, como exemplo o prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil.

Ao autorizar a abertura na capital mineira dos estádios de futebol com 30% de público, Kalil impôs como condição prévia para o ingresso a apresentação do cartão de vacinação e do exame negativo para o novo coronavírus.

Embates

Em virtude disso, é possível verificar um embate de direitos. Infelizmente, tornou-se um embate com viés político em razão da sociedade polarizada em que se encontra no Brasil atualmente, contrapondo-se o alguns defensores da liberdade de ir e vir enquanto outros se apegam ao direito à vida e à saúde.

Desse modo, os que são contrários às sanções defendem que a vacina não é segura por terem sido desenvolvidas de forma muito rápida, com risco de efeitos colaterais.

Contudo, tal argumento produz falácias devido aos inúmeros testes realizados, seja pelas empresas responsáveis ou por órgãos competentes, comprovando a eficácia e a segurança da vacina, sendo os respectivos efeitos na grande maioria leves e quando graves, extremamente raros.

Além disso, outro argumento usado pelos contrários às restrições e punições, alegam que a obrigatoriedade da imunização, assim como a exigência da apresentação do cartão de vacinação em locais públicos feriria o seu direito à liberdade.

A liberdade é um direito importante no Estado moderno, conquistado principalmente com a Revolução Francesa, com o lema Liberté, Egalité, Fraternité (liberdade, igualdade e fraternidade), tornando-se um importante marco na democracia liberal e constitucional.

No entanto, a princípio, a liberdade tinha uma ideia diferente da atual, uma vez que, na época, a burguesia buscava poder e principalmente ascensão política, em razão do Estado Francês ser uma monarquia absolutista dividida em nobreza, clero e povo. Ou seja, os burgueses não detinham qualquer poder.

Portanto, o significado de liberdade atual distancia-se do proposto no século XVIII, em função de hoje, o significado do respectivo direito está ligado ao livre arbítrio dos indivíduos em geral.

Assim sendo, a liberdade, para os contrários às medidas restritivas, significa a livre escolha em vacinar ou não, e ainda, em relação à restrição de sua locomoção aos lugares no qual estipulam a apresentação do cartão de vacinação.

Em contraste, os favoráveis às restrições impostas aos não vacinados em locais públicos defendem a mitigação do direito à liberdade, em razão dos sujeitos não vacinados colocarem em risco a saúde e a vida de outras pessoas – direitos esses, como vimos, que são também estipulados pela Constituição Federal de 1988.

Em resumo, apesar de direito fundamental tratar de cláusula pétrea, não passíveis de extinção ou redução, não pode ser considerado absoluto e nem objeto de limitação.  Desse modo, o juízo de ponderação legitima essa mitigação, de forma a implicar na análise do caso concreto, cabendo ao julgador analisar e determinar qual deverá prevalecer na situação.

Conclui-se, em função da natureza do vírus, que a apresentação do cartão de vacinação e do exame negativo para a Covid-19 é medida eficaz para a contenção da pandemia, de forma, que a medida adequa-se ao caso concreto.

Ainda, não foi descoberto outra medida menos invasiva ao direito à liberdade e garanta igual eficiência ao combate do novo coronavírus.  Além do mais, essas sanções aos não vacinados estão sujeitas a controle jurisdicional regular e revisão das autoridades sanitárias.

Por fim, há de se convir que o direito à saúde e à vida deve prevalecer, nesse caso, sobre a liberdade dos cidadãos. Isso por ter como propósito salvaguardar um bem maior, que é traduzido na proteção da saúde e da vida, ao empregar-se o juízo de ponderação.

Portanto, entendo que inexiste qualquer colisão entre direitos fundamentais ou prejuízo à sociedade, pois no caso da pandemia com o advento do novo coronavírus, a mitigação proposta tem como finalidade primordial a proteção de um bem maior para a coletividade. É, portanto, legal e constitucional.

*Tiago Bretas é advogado.

 

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