O golpe revolucionário do “Capitão Óscar” pondo fim à ditadura salazarista em Portugal

Veladimir Romano*

Com seu nome de código bem decorado, mas quase 50 anos depois dos acontecimentos que conduziram ao fim da ditadura salazarista, em Portugal, muita gente não sabe quem foi esse “Capitão Óscar”.

Trata-se do codinome secreto de Otelo Saraiva de Carvalho (1936-2021), naquela época major do Exército português. Otelo Saraiva faleceu no domingo (25). Internado por várias semanas no Hospital das Forças Armadas, o corpo já sem energia deu sua partida aos 84 anos para um dos grandes organizadores do pensamento livre do Capitão de Abril, o mais famoso de todos.

Todos em Portugal recordam o quartel da Pontinha, o mais humilde, recatado recanto na periferia da capital alfacinha, quando ali na madrugada do 24 de abril, finalmente e depois de muito estudo com preparações secretas do mais tarde chamado Movimento das Forças Armadas [MFA], arrancou pela manhã cedinho tocando nos aparelhos das emissoras uma canção do trovador e exilado em Paris: José Afonso, o “Zeca”, com o velho mas proibido refrão… “Grândola Vila Morena”. Era a senha e o caminho aberto ao golpe fatal contra a Ditadura.

O conflito colonial chegava assim ao fim depois de consumir milhares de vidas dos jovens militares numa luta sem causa. Morreram mais de 100 mil pessoas, desgastando o próprio Regime, sua economia dependente das reservas de ouro bem guardadas por António de Oliveira Salazar.

Foram negociadas e ganhas numa especulação oportunista, quando exigia aos judeus que entravam e permaneciam no país, pagamentos [tipo taxas de imigração] em ouro, durante os acontecimentos da Segunda Grande Guerra.

O fim da polícia fascista e secreta [PIDE], e a dominação militar das restantes e derradeiras forças fascistas prontas pela provocação a um contragolpe; além da própria polícia política, estava a Guarda Nacional Republicana.

Foi quando, logo na manhã do 25 de Abril, no histórico largo do Carmo, o quartel general destas últimas forças, guardando o Presidente do Conselho, Marcelo Caetano [mais tarde exilado ao Brasil], Otelo Saraiva de Carvalho e seu camarada de armas Salgueiro Maia, tomavam ali o Poder dando ordem de prisão ao então líder do Governo fascista.

Se conta que Otelo, falando para dentro do quartel, exigia o fim da Ditadura a cujo responsável, o Capitão informava estar este quartel totalmente rodeado por militares. Porém, segundos depois, o povo se levantou na sua voz unida gritando:

“Fascismo, nunca mais…” e aqui, Otelo, então, levantando o megafone, gritou para dentro do quartel: “E todo o Povo, também…”, foi quando o golpe final estava dado e a revolução, vitoriosa.

Num país sofrendo uma ditadura de 48 anos, no meio do esquecimento, somente um personagem se lembrou da abusiva ausência dos Direitos Humanos da nação mais fechada ao mundo, amarrada na sua longa estrada escura.

Foi na deslocação à Alemanha, depois na Bélgica, quando John Fitzgerald Kennedy (1917-1963), se manifestou contra a ditadura fascista criada pelo advogado, economista e seminarista António de Oliveira Salazar.

Decorria o ano de 1963, igual ano do fatídico assassinato em Dallas, Texas, do presidente norte-americano. O resto do planeta, incluindo as Nações Unidas, foram sempre ao longo dos anos, estranhamente ignorando a ditadura portuguesa.

A calma de um herói que nunca quis ser outra coisa nos seus sonhos, nada mais do que um artista do palco, tal como seu avô, também de nome Otelo. Para ele, o teatro sempre foi uma paixão jamais concretizada.

Esse palco estaria reservado a outra missão bem mais perigosa e exigente. Carregado das experiências do danoso conflito das colônias, passando pelos campos de guerra, testemunha da desgraça, acabou juntando vários militares dos três ramos, processando um plano de homens com valores, despidos de qualquer ambição pessoal, honrarias, fanatismos pelo Poder ou presidências.

Antes, movimentos proletários exigiram direitos para os trabalhadores, reformas sociais, fim da Censura e a reposição dos direitos gerais da população, que vivia na pobreza, ignorância e analfabetismo.

Juntando várias iniciativas cruciais como PREC [Processo Revolucionário Em Curso], Otelo Saraiva de Carvalho, confiante, humilde, aberto e franco, não deixou de sofrer injustiças quando uns quantos marginais procurando na confusão assaltaram bancos e usaram levianamente o nome de Otelo, como comandante das FP25 [Forças Populares].

Ele acabou preso, desterrado para fora da capital, a Tomar, até se descobrir o crasso erro, ou antes, perseguição política. Contas injustas mas nas quais Otelo Saraiva de Carvalho jamais algum dia criou ou manteve qualquer rancor aos seus detratores de ocasião. Ele resistiu e algum tempo depois saiu em liberdade.

Um dos grandes símbolos das forças militares e o maior da Liberdade, sempre o homem do povo, não deixa contudo por alimentar controvérsias perante suas indecisões políticas de como conduzir reformas e opções ou modelos políticos capazes de modernizar a nação lusa.

Combateu anos de muito atraso, isolamento, violência policial sobre o povo onde a submissão das classes militares também sofreram seus momentos de alta submissão ao regime fascista, até que um dia tudo implodiu.

Com capitães, verdadeiros operacionais agindo como comandantes, na linha da frente, Otelo ou Capitão Óscar, a eterna Liberdade somente aconteceu quando um Moçambicano pensou que aquela guerra nas colônias estava demais.

Das obrigações decorrentes do golpe militar, nasceram várias ideias, como a criação do COPCON [Comando Operacional do Continente], em abril de 1974, tendo durado até novembro de 1975.

Foi criado o primeiro programa político, aplicando autocrítica revolucionária, incluindo propostas laborais onde se destacou o contrato efetivo dos trabalhadores e direitos sociais, proteção e seguro contra acidentes.

Foram também definidas e implementadas reformas econômicas, serviço de saúde, ensino obrigatório, habitação social com a eliminação das favelas, onde “residiam” mais de 1,3 milhão de pessoas em condições de moradia inaceitáveis.

Todos devem agora levantar suas vozes, tal como na madrugada histórica da Revolução dos Cravos, quando escutando “Grândola Vila Morena”, sabendo que a porta se abria e a Liberdade estava entrando.

Jamais esquecer Otelo será contudo reaprender nesses dias a não esquecer quem foi o tal “Capitão Óscar”, o militar da revolução a quem os portugueses ficam devendo.

*Veladimir Romano é jornalista e escritor luso-cabo-verdiano

No destaque, Otelo Saraiva de Carvalho (1936-2021), o capitão Óscar, protagonista da Revolução dos Cravos, em Portugal (Foto: Antônio Pedro Fonseca)

Ouça a canção Grândola, Vila Morena, de Zeca Afonso https://www.youtube.com/watch?v=gaLWqy4e7ls

 

 

 

 

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