“Carlos Drummond de Andrade, é estropiado, ante eufônico, desconceituoso, arbitrário, grotesco e tatibitate”

“Leitor e eu formamos um bicho composto, uno e dividido, uma parte querendo engolir a outra” (CDA).

O poeta Drummond “nascido à sombra do pico do Cauê” (João Alphonsus) e energizado de seu brilho, foi ser gauche em Copacabana onde “caminhava como se estivesse em Itabira”. “Elegâncias”, que despertaram a atenção de muitos, principalmente a ira do batalhão contra o modernismo.

Mas, sobretudo instigou o sentido estético de Mário de Andrade: “Vou mandar os poemas que prefiro pros diretores da Estética que escolherão um ou dois ou três, não sei, pra publicar… Não mando ‘No meio do caminho’ porque tenho medo de que ninguém goste dele. E porque tenho o orgulhinho de descobrir nele coisas e coisas que talvez nem você tenha imaginado por nele” (carta ao poeta, de 18.2.1925)

São apenas 61 palavras a compor um poema dramático, atiradas do estilingue contra o poeta no festival de pedradas. Paródias jocosas, outros poemas, versos citados nos mais diversos assuntos dos jornais, o poema da pedra inspirou outro livro do poeta.

“Uma pedra no meio do caminho – Biografia de um poema”, 1967, em louvor aos 40 anos do poema provocador, com seleção e montagem do funcionário do SPHAN, o sr. Carlos Drummond, que conhecia “a magia dos velhos papéis, que continuam novos na medida em que soubermos lê-los” (CDA).

Pela primeira vez a Vila de Utopia publica uma crônica contra o poeta Drummond. Não está assinada, mas acho que pode ser de autoria de Gondim da Fonseca, o obcecado implicador Mór do poema curtinho e simples.

É claro que Gondim perdeu a parada pro poeta, o poema da pedra pertence a literatura universal, como “a melhor coisa do mundo”, observou Prudente de Morais Neto.

Desejo a todis, todas e todos: vacina no braço, comida no prato e cachaça no copo.

(Cristina, da Glória – o jardim plantado a beira mar de Pedro Nava)

Charges inspiradas na Pedra no Caminho

Retrato de Carlos Drummond

Diz o espelho:

O sr. Carlos Drummond é um razoável prosador que se julga bom poeta, no que se ilude. Como prosador, assinou algumas crônicas e alguns contos que revelam certo conhecimento das formas graciosas de expressão, certo humour e malícia.

Como poeta, falta-lhe tudo isso e sobram-lhe os seguintes defeitos: é estropiado, ante eufônico, desconceituoso, arbitrário, grotesco e tatibitate. O maior dos nossos críticos passados, presentes e futuros, o sr. Pontes, que tirou do próprio nome essa consistência de cimento armado, característica do seu estilo, incumbiu-me de lembrar-lhe todos os dias que ele não é poeta; que poeta só B. Lopes e Theodore de Banville.

Mas o sr. Drummond teima em não escutar a lição desse douto espírito, e a todo momento nos oferece mesquinhas produções poéticas, de que resultam cólicas e explosões de bom gosto, o sr. Pontes inclusive.

O sr. Drummond de Andrade passa por ser o autor de um poema (?) ou que melhor nome tenha a que deu o título “No meio do caminho”. Essa produção corre mundo e é considerada ora obra de gênio, ora monumento de estupidez. Na realidade, não é nenhuma dessas coisas, nem pertence ao estro do sr. Drummond.

Com efeito, a quem se der o trabalho de examinar lhe o texto verificará que se trata tão somente da repetição, oito vezes seguidas, dos substantivos “meio”, “caminho” e “pedra”, ligados por preposições, artigos e um verbo.

Não há nisto poema algum, bom ou mau. Há apenas alguns vocábulos, que podem ser encontrados facilmente no “Pequeno Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa”, revisto pelo sr. Aurélio Buarque de Holanda.

Esse pequeno fato literário fez despertar em alguns julgadores a suspeita de que se trata de um mistificador. Tem-se por vezes a impressão de que o sr. Drummond se diverte com o escândalo produzido por seus escritos, escândalos de que emergem as seguintes opiniões a seu respeito: “É um burro”. “É um louco”. É superior a Castro Alves e igual a Baudelaire”.

Alguns traços pessoais do referido escritor contribuem para aumentar essa dúvida.

O sr. Drummond de Andrade é um indivíduo oculto, como certos sujeitos da oração, ausente mesmo usa no trato social palavras poucas e frias. Não é visto no Amarelinho nem na Livraria José Olympio. Uns acham-no tímido, outros, convencido.

Quando está caceteado na presença de outro escritor costuma acariciar a orelha com a ponta dos dedos, à procura de um fio de cabelo, que arranca discretamente. Em geral, não ri. Apenas uma vez foi visto a esboçar um leve sorriso, devido a uma pilhéria oral e mimica do sr. Marques Rebelo.

Dizem que o romancista da Estrela sobe considera esse fato como um dos seus maiores triunfos.

No conjunto das exterioridades significativas do seu temperamento, há a assinalar que o sr. Drummond mais uma vez se contradiz, passando de escritor a homem prático. Se aquele é abstruso e não raro esotérico, este é funcionário em comissão, muito metódico e fiel aos preceitos burocráticos, que põe acima dos estéticos e dos políticos.

Talvez ambicione com isso aproximar-se do inimitável diretor de Secretaria que foi Machado de Assis. Como servidor público, pode ser visto em seu gabinete à rua Álvaro Alvim, atendendo simultaneamente a três telefones, recebendo vinte pessoas e lavrando vertiginosamente despachos de “arquive-se”, “cumpra-se” e “não há verba”.

Alguns prejudicados por esse último gênero de despacho insinuam que toda a sua atividade é fictícia, e que os negócios públicos caminhariam da mesma maneira ou melhor se ele, em vez de trabalhar, fosse a uma sessão de cinema. Outro ponto a esclarecer.

Não há muita coisa interessante na vida do sr. Carlos Drummond de Andrade, embora ele pense o contrário. Tem explorado largamente o fato de haver nascido em Itabira, cidade mineira do ferro, como se isso constituísse uma singularidade.

Também já publicou que foi expulso pelos jesuítas de Friburgo e que não é bacharel em direito, nem médico, nem engenheiro; é gente apenas.

Dir-se-ia alimentar, entre outros preconceitos, o anticlerical e o antiuniversitário, o que já deixou de ser uma originalidade.

Quanto aos seus críticos, dão extrema importância ao fato de ser ele um homem magro, no físico e na poesia, ao contrário (segundo os mesmos críticos), do sr. Augusto Frederico Schimidt, considerado gordo por dentro, isto é, literariamente, e por fora.

É talvez uma nova teoria de crítica literária, que se ensaia no Brasil: a da balança de armazém, para pesar banhas, ossos e letras. Se amanhã, com a velhice que chega, o sr. Drummond engordar e o sr. Schimidt emagrecer, terá de ser revista a classificação de ambos.

Por último, a do ponto de vista dos meridianos literários, que o sr. Viana Moog pôs novamente em moda, o sr. Drummond é um escritor do centro-sul, mas pouco fiel ao seu clã, pois vive de namoro com os escritores do norte. Será um mascarado? É, pelo menos, um sujeito esquisito.

(Diário de Pernambuco, 24/09/1948).

 

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7 Comentários

  1. alô, alô
    atenção
    muita atenção
    itabiranos de todas
    as laias

    —os que odeiam e os que amam
    CDA – Carlos, o Drummond de Andeade
    (e os que o exploram como se tivessem apropriados do poeta.
    salvo O Cometa e a Vila de Utopia, que da própria cabeça e caneta se
    permitiu ser usado e abusado e ainda colaborou quanto quis)

    dito isso, esse artigo crítica cavado e da lavra de Cristina Silveira da Glória direto da Biblioteca Nacional, no Rio, o de Janeiro, é dedicado a todos vocês.

    deleitem-se

    ah, e algumas pedras no meio do caminhos, podem ser atiradas na direção que melhor lhes convier.

  2. mais um ah:

    já escrevi na minha cabeça, agora falta colocar as letras na forma da tela
    é uma história que aconteceu entre mim, um garoto morador de rua e o poema no meio do caminho numa noite, num bar numa mesa na calçada no Carmo em BH.

    ah 4, estou cada vez mais abolindo as vírgulas…

  3. Que delícia de Retrato do Carlos Drummond!
    Bela pesquisa Maria Cristina da Glória.
    Amei qdo ele fala “ Tem explorado largamente o fato de haver nascido em Itabira, cidade mineira do ferro, como se isso constituísse uma singularidade.“

  4. Gondim ! Que Gondim ? Apagado , obscúro e não devia prestar pelo visto nem pra comentarista de bolinha de gude . Será que irritava este hoje considerado um dos maiores poetas da língua portuguesa? Ou será que em seu interior o Carlos morria de rir da estupidez.

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