Arborização urbana e mudanças climáticas. ONU vai lançar a Década Mundial da Restauração dos Ecossistemas Degradados
Arborização urbana, ao lado da agricultura urbana, periurbana, reflorestamento, silvicultura, agro-floresta e uso mais racional do solo são partes extremamente importantes para que tenhamos cidades sustentáveis
Por Juacy da Silva(1) e Silvia Mara de Arruda (2)
EcoDebate – No último dia 20 de Maio de 2021, para variar, Cuiabá foi a capital mais quente do Brasil, o que acontece por mais de 200 dias por ano, nada menos do que 35 graus centígrados para esta época do ano, já quase chegando ao inverno; isto também acontece em diversas outras cidades/municípios de Mato Grosso, com destaque para Várzea Grande e toda a Baixada Cuiabana.
Com o passar do tempo a nossa outrora Cidade Verde e também Várzea Grande, foram sendo ocupadas desordenadamente através dos famosos “grilos”, invasões e, ultimamente, com sua paisagem urbana totalmente alterada pelo surgimento de prédios e alguns “arranha-céus”.
Os espaços públicos e também os famosos quintais cuiabanos e varzeagrandenses, cobertos com mangueiras e outras árvores frutíferas, bem frondosas, aos poucos foram e continuam sendo destruídos para dar lugar a conjuntos e prédios residenciais e edifícios comerciais.
As ruas, avenidas, praças e demais logradouros públicos, mesmo sem serem dotadas de galerias pluviais e esgotamento sanitário, foram e continuam sendo pavimentadas com asfalto e cimento, tornando a temperatura dessas áreas muito mais quentes que nas demais áreas dos municípios.
Inúmeras pesquisas já constataram que em diversos pontos de Cuiabá e também de Várzea Grande tem surgido áreas que se caracterizam como locais com “ondas de calor”, bem acima da média da cidade ou da região.
É triste, mas é a mais pura realidade, cristalina, que salta aos olhos de qualquer observador que o meio ambiente, a começar pela falta de arborização urbana, com calçadas intransitáveis, seja pelos obstáculos existentes, buracos, matagais, lixo, degraus, material de construção, dejetos humanos e de animais e carros estacionados sobre as calçadas, impossibilitando a mobilidade de pedestres, principalmente pessoas idosas, deficientes físicos (cadeirantes e visuais/cegos), mulheres com carrinhos de criança, o que não deixa de ser um desrespeito ao direito de ir e vir das pessoas, têm sido simplesmente ignorado pelos nossos governantes, inclusive de organismos de controle da gestão pública.
Mesmo obras públicas como construção de grandes avenidas e outras vias de grande circulação quando de suas implantações o Poder Público simplesmente “esquece” de um princípio básico que é a arborização urbana. Plantar e cuidar de árvores e ajardinamento dos espaços públicos parece estar fora das prioridades de nossas prefeituras e câmaras municipais. Esses requisitos devem estar contidos no Plano Diretor de Arborização Urbano, embasado em Lei Especial que deve ser aprovado pelo Legislativo Municipal. Leia também https://viladeutopia.com.br/itabira-e-uma-das-cidades-menos-arborizadas-do-pais-.
O maior aglomerado urbano de Mato Grosso, constituído por Cuiabá e Várzea Grande, com aproximadamente UM MILHÃO de habitantes, como centro da Região Metropolitana do Vale do Rio Cuiabá, ainda conhecida como Baixada Cuiabana, padece desse descaso em relação à arborização urbana.
Parece mentira, que uma capital que já completou 302 anos não tenha seu PLANO DIRETOR DE ARBORIZAÇÃO URBANA, o “famoso” PDAU e por esta razão Cuiabá há muito tempo deixou de ser a outrora “CIDADE VERDE”.
As árvores e, consequentemente, a ARBORIZAÇÃO URBANA, desempenham um papel super importante tanto para o sombreamento quanto para a produção de frutos e, mais importante ainda, no sequestro de carbono que já existe e também é lançado todos os dias por atividades econômicas urbanas, rurais e residenciais na atmosfera.
O engajamento e a participação dos moradores, seja individual ou coletivamente através de organizações, grupos de vizinhança e também das empresas privadas de todos os setores é fundamental para um processo racional e continuo de arborização urbana.
A produção, a distribuição de mudas e o plantio de árvores diretamente por voluntários é fundamental e super importante, como já vem ocorrendo em Cuiabá com alguns projetos, com destaque para uma iniciativa idealizada pela advogada Silvia Mara de Arruda que em pouco tempo já conseguiu mobilizar centenas de voluntários e voluntárias e está desenvolvendo o PROJETO CUIABÁ MAIS VERDE.
O plantio ocorre por meio de uma experiência piloto no trecho inicial da Av. Helder Cândia; uma grande Avenida que foi construída pelo Governo do Estado de MT, sob contrato com empresa privada, mas, que, lamentavelmente a dimensão ARBORIZAÇÃO URBANA foi totalmente esquecida e negligenciada, é uma demonstração de como é difícil até mesmo para atividades voluntárias de arborização urbana quando não existe o Plano Diretor de Arborização Urbana, que seria o mapa, a matriz a traçar as linhas mestras, onde as ações voluntárias sejam complementares e jamais substitutas das ações públicas, das Prefeituras.
Cabe ao PDAU traçar as diretrizes básicas indicando como, quando e onde devam se “encaixar” as ações da iniciativa privada, dos moradores e dos voluntários (pessoas e organizações), tipos/espécies de mudas apropriadas, dando-se preferência, sempre que possível para árvores nativas da região, enfim, todos os aspectos técnicos deste plano; se isto não acontece o processo voluntário se torna caótico, descontinuado e desestimula qualquer esforço em prol da arborização urbana.
Existe também uma ideia, já apresentada pelo sociólogo e professor Juacy da Silva, no sentido de que a prefeitura ou as prefeituras possam conceder incentivos, como redução ou até mesmo remissão de IPTU por alguns anos, para moradores, proprietários e empresas privadas que plantem árvores, cuidem de suas calçadas e muros e, no caso de terrenos baldios ou desocupados, cuidem dos mesmos corretamente, evitando o surgimento de verdadeiros matagais, sujeitos `as queimadas urbanas ou se transformando em “lixões”.
Se de um lado a prefeitura perde parte da receita do IPTU, por outro lado este processo resultará no estímulo para geração de emprego e renda e, também maior arrecadação de ISSQN e ICMS, através do aumento da demanda por serviços na área de construção civil e na venda de materiais como areia, pedra, cal, cimento, ferro, madeira, tinta e outros mais. Sendo que o maior ganho seria uma cidade mais verde, sustentável, com calçadas, muros e terrenos urbanos bem cuidados, enfim, com aspectos urbanísticos mais agradáveis.
E para os proprietários que não cumpram com a Lei e nem aproveitem os incentivos das Prefeituras caberia `as mesmas exercerem seu poder de polícia, impondo multas, incluindo os proprietários inadimplentes no cadastro da dívida pública e impondo o IPTU progressivo, como determina a legislação em vigor, principalmente o Estatuto das Cidades, desestimulando os maus pagadores e maus munícipes.
Uma árvore adulta de grande porte pode sequestrar, em média, uma tonelada de gases da atmosfera, através da fotossíntese, ou seja, atua como um exaustor, sugando gases de efeito estufa, como gás carbônico, gás metano e outros mais, que tantos males causam `a saúde população e provocam o efeito estufa e as mudanças climáticas.
Quando se corta uma árvore o impacto negativo disto é tremendo, pois estamos impedindo que a mesma realize este processo de sequestro de carbono e outros gases e, também, contribuindo para que o carbono “estocado” no solo ao redor das árvores seja liberado e aumente a concentração dos mesmos na atmosfera.
Enquanto pessoas idealistas e preocupados com o meio ambiente, com a ECOLOGIA INTEGRAL tem feito e continuam fazendo um grande esforço para incrementar a ARBORIZAÇÃO URBANA, inclusive plantio de árvores em vias públicas e `as margens de rios, córregos, tentando recuperar nascentes que contribuem para o revigoramento de cursos d’água, somos obrigados a assistir crimes ambientais como o desmatamento e queimadas.
Destroem nossos biomas como Amazônia, Cerrado, Caatinga, Pampas, Mata Atlântica e o nosso Pantanal todos os anos, ante a omissão e conivência de organismos públicos e autoridades que deveriam zelar para que o meio ambiente não seja degradado e a tão rica biodiversidade brasileira continue sendo destruída impiedosamente, como tem acontecido ultimamente.
Só para termos uma ideia da dimensão do desmatamento na Amazônia e no Cerrado apenas, entre 2001 e 2020, na Amazônia foram desmatados 230 mil km2 ou 23,0 milhões de ha e no Cerrado o desmatamento no mesmo período foi de 237 mil km2 ou 23,7 milhões de ha., totalizando 46,7 milhões de ha. E as previsões ou estimativas indicam que em 2021 serão desmatados mais 650 mil ha em cada um desses biomas, ou mais um 1,3 milhão de ha, quando somados, o que elevaria o total de desmatamento nos dois biomas a quase 48 milhões de ha.
Se considerarmos que em um hectares de Floresta nativa existem em torno de 1.600 árvores, podemos imaginar quantas árvores foram destruídas em apenas 20 anos de desmatamento na Amazônia e no Cerrado, nada menos do que 76,8 bilhões de árvores nativas, muitas exportadas de forma ilegal e criminosa, isto terá impossibilitado também que 76,8 bilhões de toneladas de carbono equivalente que está na atmosfera terrestre teriam sido sequestrados, além de milhões de toneladas de carbono que estavam estocadas no solo dessas áreas tenham sido liberadas para a atmosfera, aumentando o volume de gases de efeito estufa , contribuindo para aumentar o aquecimento global e as mudanças climáticas.
Se adicionarmos todo o desmatamento, legal e ilegal, além das queimadas que ocorrem todos os anos em todos os biomas brasileiros, além das demais fontes de poluição urbana, como a frota de veículos movidos com energia suja, oriunda de combustíveis fósseis, setores empresariais e residenciais, podemos imaginar o quanto nosso país está longe de cumprir com as cláusulas do Acordo de Paris, firmado pelo Brasil, mas que tem sido extremamente negligenciado pelos atuais Governos Federal, Estaduais e municipais.
De outro lado, podemos imaginar e perceber o quanto de diminuta tem sido ou pode ser todo o esforço para arborização urbana no contexto de um desmatamento acelerado, além do fato de que o Brasil tem mais de 100 milhões de ha de áreas degradadas ou em processo de degradação.
No próximo 5 de Junho, Dia Mundial do Meio Ambiente, a ONU vai oficializar, em comemoração que será realizada no Paquistão, o lançamento da Década Mundial da Restauração dos Ecossistemas Degradados, a vigorar de 2021 a 2030, coincidindo com a Agenda 2030 ou dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, entre os quais consta as Cidades Sustentáveis.
Quer nos parecer que a Arborização urbana, ao lado da agricultura urbana, periurbana, de um amplo programa de reflorestamento, da silvicultura, da agro-floresta e uso mais racional do solo são partes integrantes e extremamente importantes para que tenhamos, realmente, cidades sustentáveis e melhor qualidade de vida. Precisamos ver a cidade no contexto de sua inserção territorial: urbano/rural e não como uma “ilha” isolada deste contexto.
A grande estratégia dessa Década de Restauração dos Ecossistemas é possibilitar, de um lado, a redução da poluição do ar, dos cursos d’água, dos córregos, rios, lagos, lagoas e dos oceanos e também combater de forma mais efetiva o desmatamento e as queimadas, verdadeiros crimes ambientais que destroem a biodiversidade, degradam o solo e de boa parte da vida no planeta.
Só as queimadas que ocorreram em 2020 destruíram aproximadamente 2,6 milhões de ha no Pantanal, sem contar o rastro de fogo e destruição que varreram a Amazônia e o Cerrado.
De outro lado, também estão previstas diversas atividades para restaurar ou seja, recuperar áreas que já foram degradadas por desmatamento, queimadas, uso abusivo de agrotóxicos, pela erosão que contribuem para a morte dos rios.
A meta é a recuperação de, no mínimo, 300 milhões de ha de áreas que foram degradadas em todo o mundo, incluindo a recuperação de 40 milhões de ha no Brasil.
Isto demandará um grande programa de reflorestamento e, por extensão, também estímulo para que os municípios cuidem da arborização urbana, tornando as cidades mais verdes, mais sustentáveis, mais agradáveis para se viver e mais belas.
Afinal existe uma grande diferença estética e ecológica entre uma cidade com grandes áreas verdes, parques, avenidas, ruas, quintais cobertos por árvores, florestas urbanas, calçadas ecológicas, ciclovias e cidades onde só existem edifícios, praças, ruas, avenidas e outros espaços públicos totalmente cobertos por asfalto e cimento, com trânsito caótico emitindo gases tóxicos que saem dos escapamentos dos carros, principalmente durante períodos de congestionamentos.
Em diversas regiões do Brasil, principalmente em Mato Grosso, com destaque para o Aglomerado Urbano de Cuiabá e Várzea Grande, parece que a secura este ano será pior do que nos últimos anos e, com isso, as queimadas poderão se repetir, destruindo o que sobrou nas temporadas passadas e afetando a saúde da população, já tão fragilizada pela pandemia do coronavírus.
As queimadas urbanas também podem acontecer, pois tanto em Cuiabá quanto em Várzea Grande, existem muitos terrenos desocupados ou “baldios” como se diz, sem cuidado, verdadeiros capinzais, aguardando alguém colocar fogo e aí tudo o que já bem conhecemos.
As prefeituras dessas e de outras cidades devem se mobilizar e realizar ações preventivas e educativas, mas também de fiscalização e repressão para que os proprietários desses terrenos desocupados, alguns que são verdadeiros latifúndios urbanos e só servem apenas para especulação imobiliária, sejam obrigados a manterem suas propriedades limpas e isto só acontece se as prefeituras exercerem o PODER DE POLÍCIA de que são investidas. A omissão e a conivência dos poderes públicos contribuem para a degradação e para aumento dos crimes ambientais.
Urge, portanto, que as Prefeituras de Cuiabá, de Várzea Grande e demais municípios de Mato Grosso e de outros estados brasileiros, empenhem-se mais, de forma mais efetiva e concreta, para que sejam elaborados os Planos Diretores de Arborização Urbana (PDAU), ao mesmo tempo que realizem outras ações, incluindo uma ampla campanha de educação ambiental, estímulo à reciclagem, redução do desperdício, combate a todas as formas de poluição, esgotamento sanitário, melhoria na limpeza urbana, recuperação de nascentes, córregos que fazem parte da bacia do Rio Cuiabá, evitando tanto a morte deste importante rio, como também reduzindo a degradação de nosso Pantanal, que esta morrendo a olhos vistos.
Assim entendido, o PDAU é apenas um componente, uma parte de uma Política Municipal de Meio Ambiente, também importante e necessária, para melhorar a qualidade de vida e o bem estar da população.
Finalizando, precisamos ter em mente que a responsabilidade e a participação dos munícipes, das empresas, igrejas, através das Pastorais da Ecologia Integral, ONGs etc quanto às ações ambientais voluntárias são extremamente importante.
Todavia as mesmas jamais podem ou devem substituir a responsabilidade dos poderes públicos, a quem cabe, começar, por exemplo, pela elaboração do Plano Diretor de Arborização Urbana (PDAU), de forma transparente, participativa e democrática, que tenha entre seus objetivos articular e coordenar todos os esforços deste processo super importante, mas extremamente negligenciado.
(1) Juacy da Silva é professor fundador, titular e aposentado UFMT, sociólogo, mestre em sociologia. Email profjuacy@yahoo.com.br Twitter@yahoo.com
(2) Silvia Mara de Arruda é advogada, idealizadora do Projeto Cuiabá Mais Verde, Email projetocuiabamaisverde@gmail.com
No destaque, manifestação de populares contra corte de árvores indiscriminado em Itabira pela administração passada, sem que a cidade tenha um plano de arborização urbana, mesmo sendo uma das cidades mais poluída por partículas de minério do mundo (Foto: Carlos Cruz)