Pressionado pela CPI da Covid, Bolsonaro cede mais ao fisiologismo e Centrão fatura com orçamento secreto

Rafael Jasovich*

Quando a CPI da Covid saiu do papel, um senador governista chegou preocupado ao gabinete do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG).

Queria saber se poderia fazer algo para ajudar o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) a sair da sinuca de bico da investigação, na qual o governo não tem maioria.

“Minha presidência é independente, não posso interferir”, foi a resposta de Pacheco. Nesta semana, no gabinete do presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), a conversa foi mais ou menos no mesmo tom.

O presidente Artur Lira foi perguntado se havia meio de acelerar a votação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do voto impresso: “Quem vai definir são os líderes”, respondeu Lira. Ou seja, lavou as mãos.

O comportamento dos presidentes das duas Casas, de não dar um empurrãozinho às pretensões do governo, não era esperado pelo Planalto no curto prazo.

Afinal, Lira e Pacheco estão há menos de quatro meses no comando das casas legislativas, e com a ajuda do governo. No caso da Câmara, embora o presidente tenha o compromisso de não colocar pedidos de impeachment para tramitar, a lua de mel entre Bolsonaro e o Centrão acabou.

Sem uma união ideológica ou um projeto comum entre parlamentares e governo, restam os “negócios”: a liberação de emendas ao Orçamento – como o “orçamento secreto”, revelado ontem pelo jornal O Estado de S.Paulo.

O jornal apurou que R$ 3 bilhões em verbas foram repassados para contemplar ações patrocinadas por um grupo de parlamentares aliados sem a devida transparência – e cessão de cargos que possam resultar em prestígio para os congressistas nas bases eleitorais. E, se o presidente não recuperar popularidade, mais refém ele estará desse toma lá dá cá.

Nesse sentido, a CPI da Pandemia é, na avaliação de cientistas políticos, o instrumento capaz de enfraquecer Bolsonaro. O analista político Melillo Dinis, por exemplo, é taxativo ao afirmar que “deixar Bolsonaro sangrar até a beira do abismo é o projeto”.

“O que é à beira do abismo? Duas hipóteses: a eleição, mais provável, ou, na piora da hecatombe, impeachment ou renúncia, que é pouco provável”, reflete.

As primeiras semanas de funcionamento da CPI mostraram que o presidente terá que se desdobrar para tentar reduzir o desgaste. O Centrão percebeu o aumento dessa dependência e preparam-se para cobrar mais caro pelo suporte.

O gabinete da ministra da Secretaria de Governo, Flávia Arruda, é berço das cobranças dos deputados, não só da liberação das emendas ao Orçamento de 2021, como dos restos a pagar de anos anteriores. E, a contar pelo “orçamento secreto”, as cobranças estão dando resultado.

A fórmula – emendas, cargos e solenidades país afora – ajuda a segurar apoios, mas não consolida um casamento de interesses que vá além deste ano.

O desgaste entre Bolsonaro e o Centrão se deve a vários fatores, que vão desde o negacionismo no enfrentamento à pandemia de covid-19 e à situação econômica atual do país.

Foi o trato da pandemia e as provocações aos chineses, por exemplo, que afastaram o deputado Fausto Pinato (Progressistas-SP), um aliado de primeira hora do presidente e coordenador da Frente Parlamentar Brasil-China, mas que é muito ligado a Lira.

Outros deputados preparam-se para seguir o caminho do distanciamento. E, a continuar esse elevado número de mortes diárias pela covid-19, os aliados consideram que só há um meio de Bolsonaro tentar se recuperar e tirar fôlego da CPI: vacinar mais e mudar o tom ao tratar do novo coronavírus.

Na avaliação do deputado Fábio Trad (PSD-MS), a CPI é um fator de imprevisibilidade. Para ele, as mortes por covid-19 não serão esquecidas e a crise econômica seguirá desgastando o Executivo.

“O Bolsonaro de hoje não é o de 2018. Perdeu o viço da novidade, o sentido de resgate heróico da moralidade na política. É um Bolsonaro menor, do Centrão, com filhos investigados. Mas ainda tem um percentual fixo de eleitores cativos, em torno de 15%”, observa.

O senador Álvaro Dias (Podemos-PR) destaca que o Centrão saberá a hora de abandonar o governo. “O Centrão estará de forma fisiológica com o presidente até o momento em que o barco começar a afundar”, afirma.

“Vamos juntos até o cemitério (entenda-se exaurir os cofre públicos), mas não pulamos na cova.”

*Rafael Jasovich é jornalista e advogado, membro da Anistia Internacional

 

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