Rei do Aço e militante do Partido Nazista alemão, herr Fritz Thyssen, visita o Pico do Cauê

Por Cristina Silveira

Em 1910, durante o XI Congresso Geológico Internacional, em Estocolmo/Suíça, os lesa-pátria brasileiros entregaram o mapa das jazidas de minérios do Brasil aos estrangeiros.

A quadrilha internacional, formada por Baring Brothers, Cecil Rhodes, E. Cassel, Da Candole e C. Rotschild, não perdeu tempo. No mesmo ano de 1910, liderada por Percival Farquhar, comprou as jazidas de Conceição, Cauê e Jirau, no território de Itabira do Matto Dentro, a Cidadezinha.

O livro, História de Itabira, de Jose Luiz Osório de Almeida, revela a ausência de insolência e agressividade dos negociantes da Cidadezinha:

“…só a riqueza de suas jazidas de ferro, de tão grandes, tornam inexpressivos os números. Segundo as estimativas, davam para suprir durante mil anos o mundo de suas necessidades de ferro…Tudo isto foi vendido para os ingleses, chefiados por Percival Farquhar por 160 contos de réis. Segundo ouvi dizer, os Anais da Escola de Minas, publicação da Escola de Minas e Metalurgia de Ouro Preto, comentaram à época a transação como o pior negócio já feito no hemisfério ocidental”.

Final do século 20 em diante presencia-se o mesmo desprezo pela Soberania Nacional, a cumplicidade da imprensa, com tudo dentro. Em 19 de janeiro de 1935, o Jornal de Itabira, registra o baba ovo pró nazista Fritz Thyssen em visita ao Pico do Cauê.

Fritz Thyssen (1873-1951). Domínio Público

Mas quem foi Fritz Thyssen? A história do magnata é a repetição da história dos predadores de negócios, do enriquecimento ilícito dos donos do poder.

Isaac Lambert (1685-1773), patriarca dos Thyssen, filho de camponeses, enriqueceu com a cobrança de impostos, em Aachen, Colônia/Alemanha, território rico em minérios e famoso pelas 27 fontes termais; e dos dotes consideráveis de três casamentos.

No Vale de Ruhr, os seus herdeiros construíram o maior complexo industrial siderúrgico da Europa. Fritz Thyssen (1873-1951), graduado em engenharia, assumiu o controle do império do aço e ferro de seu pai August, em 1926. Tornou-se o Rei do Aço, o mais rico fabricante de armamentos do mundo.

Fritz e o irmão Heinrich eram amigos de Göring (1893-1946), fundador da Gestapo. Em 1923, entregou ao Partido Nazista 100.000 marcos de ouro. Em 1933, tornou-se membro do Conselho Geral de Economia, do Conselho de Estado da Prússia, presidente do Grupo Northwestern das Indústrias de Ferro e Aço e, membro do Reichstag.

Em 1939, discorda do füher quanto a guerra, se opõe a violência contra católicos e judeus – era católico –, emigra para Suíça e França quando Hitler confisca as suas industrias.

No exílio na França, Emery Reves, presidente da Cooperation Publishing Co, Inc., propôs ao herr Fritz escrever suas memórias e publicar documentos contra os nazis. A resposta foi um sim incondicional.

Com a tomada de Paris em 1940, o governo Vichy assina a sua extradição para a Alemanha, para a câmara de gás da Gestapo. O livro, incompleto, foi publicado em 1941.

A Livraria do Globo, Porto Alegre, em 1942 publica o seu livro Eu financiei Hitler. Na orelha do livro encontram-se algumas perguntas que o livro responde:

  1. Por que Thyssen financiou os nazistas?
  2. Por que os industriais alemães acreditavam que Hitler iria protegê-los do comunismo?
  3. Donde os chefes nazistas, Goering, Goebbels, Himmler, Ley e outros conseguiam seu dinheiro?
  4. Quando foi que os católicos descobriram que a perseguição religiosa não se dirigia unicamente aos judeus?
  5. Qual é solução ao problema nazi que Thyssen recomenda ao mundo democrático?

A tradução é de Érico Verissimo que, na curta nota do tradutor, escreve:

“O fato de eu traduzir este livro não quer dizer que eu tenha por Fritz Thyssen uma admiração especial, em que esteja de acordo com todas as suas ideias.”

“Significa, apenas, que desejei contribuir para os leitores brasileiros pudessem ler em seu idioma as confissões desse industrialista alemão que com tão dramática veemência nos mostra os perigos, misérias, crueldades e mentiras do nazismo.”

“Não seria mau também aproveitar mais esta oportunidade para declarar que o novo mundo de paz e justiça social que desejo, não só estará fechado aos Hitlers, Goerings e Hinlers, como também não oferecerá clima propício ao florescimento dos Thyssens.”

Herr Thyssen, escapou do gás asfixiante. Com o fim da 2ª guerra, ficou sob proteção das forças de ocupação estadunidenses.

Em 1950 a Alemanha devolve aos Thyssen a fortuna confiscada. Em 1951, morre em Buenos Aires quando visitava a filha. Leia a seguir a reportagem da visita de Fritz Thyssen a Itabira, transcrita do Jornal de Itabira, em 19 de janeiro de 1935.

A única fotografia que se conhece de Hitler e Thyssen juntos, em encontro com industriais do Vale do Ruhr . Thyssen está no segundo plano de sobretudo claro

A viagem do sr. Fritz Thyssen

Itabira recebeu nesta semana a honrosa visita de Fritz Thyssen, “O Rei do Aço”.

Jornal de Itabira, 19 de janeiro de 1935 – Sua majestade, que superintendente da maior organização siderúrgica do mundo e não conhece fadigas, não hesitou em galgar as escarpas do Cauê no mesmo dia em que chegou aqui, vindo de Belo Horizonte.

Nem os seus 61 anos de idade, vividos em plena atividade, nem a incandescência do sol deste mês o demoveram da exaustiva escalada.

Sua resistência orgânica adquirida em trabalhos contínuos e produtivos, deve ser bem semelhante a do produto que lhe deu fama e fortuna.

Não é, assim, uma suposta resistência como essa que os moços brasileiros pensam em conquistar na prática desmedida de certos esportes e, mais particularmente, nos recontos diários e estouvados do futebol.

Lá do píncaro do Cauê, que a mordacidade de um missivista já apontou como “um símbolo, um marco melancólico de decadência, de desilusão e de pobreza”, o sr. Fritz terá descortinado um lindo panorama e todas as gigantescas montanhas de ferro que são os contrafortes de Itabira.

Terá visto integralmente a nossa cidade salpicada de casas de estilo colonial, mal dispostas e contornando morros.

Terá visto, finalmente, as nossas vielas tortas e quase desertas – tudo a indicar uma comunidade mineira que estacionou, que se não expande e cuja única ventura consiste em esperar dias de intensa a tumultuosa atividade industrial que dia a dia se torna menos provável.

Vendo, examinando e pensando, com dados seguros de sua experiência e de uma grande autoridade em questões siderúrgicas, o valor quase incalculável das monumentais reservas do minério de ferro que aqui se depararam aos olhos de qualquer observador idôneo o sr. Fritz terá avaliado também quanto de inépcia, de dissidia e de improvidência houve da parta dos governos que permitiram a alienação de tão fabulosas riquezas minerais.

Terá ainda estranhado que esta cidade esteja até hoje quase isolada da comunhão mineira, sem boas estradas que tragam até aqui os que desejam conhecer de visu, uma das maravilhas do Brasil.

A jazida Cauê, em 1952, já sendo explorada pela CVRD (Foto: Ney Jablonsky Tibor Strauch – Fonte IBGE)

O que na Alemanha e nos outros países bem governados da velha Europa, não se relegam assim os lugares que oferecem as melhores possibilidades de progresso e conforto coletivo.

Lá onde quer que surja ou seja possível uma grande indústria ou uma notável produção agrícola, a alta e lúcida compreensão dos governos estabelece todas as facilidades de expansão e prosperidade.

No Brasil, infelizmente as causas se fazem de outro modo. E é por isso que Itabira não tem até hoje nem sequer uma estrada de automóvel.

O que aí se vê e está sendo construída há 10 anos, exige, às vezes, bastante audácia para ser transitada.

O contrato da Itabira Iron é um caso que não sai do cartaz e não tem solução.

Há mesmo um certo mistério em torno das negociações e pretensões da companhia.

É preciso que os governos do Estado e da União se disponham a resolver corajosamente essa situação, que é do mais alto interesse Nacional e digam, sem mais delongas, a palavra definitiva sobre o referido contrato, aprovando-o se ele não se contrapõe aos interesses do país, ou repelindo-o de vez, se necessário, para que não se renovem mais as esperanças frustrantes que nos contam e tanto mal nos tem feito, criando aqui um largo ambiente de pessimismo.

[Jornal de Itabira, 19 de janeiro de 1935. Fonte: BN-Rio]

 

 

 

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2 Comentários

  1. Essa tal venda do Pico do Cauê é uma história muito mal contada, pois, tenho documentos que a Mineração Itabira S.A. foi criada ainda por volta de 1870.
    Por exemplo,no testamento do Bernardino da Costa Lage, penúltimo filho do Major Lage e antigo proprietário do Pico do Cauê, ele cita tantas mil ações da Mineração Itabira.
    Já no inventário do bisneto do Major Lage, João Carlos de Andrade, meu bisavô, consta lá tantas mil ações da Mineração Itabira.
    Ou seja, por falta de manutenção e definição maior da família a respeito do conjunto de ações que possuía da antecessora da Itabira Iron Ore S.A., os ingleses acabaram se apropriando da Companhia de Mineração e deixando os itabiranos a ver navios, ou melhor, vagões a levar seu minério para o Japão, para a Alemanha, para a Áustria e agora todo para a China…

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