O conhecimento

Igor Guerra*

A malabarista argentina, Belén, disse que o conhecimento é um conjunto de luzes acesas. Algumas iluminam mais, podendo se unir a vários pontos luminosos. Outras vão se apagando com o tempo.

No decorrer da vida pessoas, lugares e ideias acendem luzes duradouras e outras momentâneas, que até já esquecemos delas. Há também quem se encarrega em apagá-las e além do tempo, luzes mais fortes inibem as luzinhas.

Surgem caminhos sob essas luzes. Sua parte iluminada é pequena e nela pisamos. O olhar, entretanto, vai mais longe que a claridade. Atinge a escuridão, que parece ser a condição para as luzes se acenderem e os caminhos aparecerem.

Muitas vezes, luzes artificiais iluminam caminhos falsos, circulares e cheios de distrações. Iluminam caminhos​ considerados úteis à fonte de luz, um tipo de molde, que conduz.
Já os inúteis, de luzes naturais, refletem nós mesmos, parecendo nos estender sem uma finalidade.

Na beira da Lagoa da Conceição, o céu estava apagado e havia um mosaico de luzes refletido na água. A arte tão inútil e essencial ao viver, expressava-se na malabarista e nos seus caminhos latino-americanos. Enquanto insistiámos no portunhol, tudo isso se refletia em mim.

Quem circulava a lagoa em busca de algo útil, só encontrava a inutilidade que a água adormecida tinha a oferecer. Aves, siris, peixes e um cão em repouso, somavam-se a nossa inutilidade.

Foto: Igor Guerra

A claridade do amanhecer, no entanto, ia trazendo os engarrafamentos, pessoas servindo as coisas e os conhecimentos cansados de serem úteis à vida econômica.

Os siris, as gaivotas e o cão foram embora. Belén seguiu para o sinal, soltando malabares nos ares de sua viagem pelo Brasil. Eu peguei o ônibus até a universidade, essa grande luminária da aptidão técnica, que aponta o caminho do utilitarismo, também chamado de qualificação profissional. Esse estreito caminho circular, que inibe e esquece das luzes naturais do caminhar de tanta gente.

 

*Igor está a procura de luzes e estuda agronomia nas horas vagas

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2 Comentários

  1. Legal seu malabarismo iluminado, Igor.
    Como luto muito com e contra sectarismos e pelas vitória das diferenças, fiquei pensando sobre luzes grandes e fortes que se sobreporiam às luzinhas.
    Acho que é tudo ilusão óptica. Porque a luzinhas não se apagam de vez. Estas, que já refletiram caminhos e conhecimentos em cada um de nós -e cada um em seu momento, permanecem como rastros do passado, refletem-se sempre dentro das novas luzes que se acendem por novos e/ou mais amplos caminhos.

    E viva Belén e os tantos argentinos que foram – já faz tempo – invadindo o Brasil, para conhecê-lo, numa dança de luzes e malabarismos (para garantir a viagem) e ao mesmo tempo ensinando para os meninos de rua o malabares. Uma forma artística de dizer: tô na pior, me ajuda que luzes grandes e miúdas te abrirão novos olhares de mundo.

    Conheci uma menina, também argentina, numa esquina de Ipanema, no Rio, que me contou essa história da invasão argentina.

    Afinal, diz um ditado argentino em função dessa bobagem que é essa disputa entre Brasil e Argentina:
    – os brasileiros amam odiar a Argentina e os argentinos odeiam amar o Brasil.

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