Duas justas homenagens que levam à reflexão sobre “o ser-se itabirano para sempre”

Na primeira reunião ordinária da nova legislatura da Câmara Municipal de Itabira, na terça-feira (2), será lido, e com certeza aprovado por unanimidade pelos edis itabiranos nas sessões subsequentes, o Projeto de Lei (PL) que faz de 2021 o “Ano Municipal do Centenário do Doutor Colombo Portocarrero de Alvarenga e de Dom Mário Teixeira Gurgel”.

O projeto é de autoria do prefeito Marco Antônio Lage (PSB) e foi assinado nessa quinta-feira (28). Além de justas, por resgatarem figuras marcantes na história recente do município, o bispo já falecido, e o médico ainda na ativa, aos 99 anos atendendo os seus pacientes na Associação dos Aposentados e Viúvas, no bairro Pará, as homenagens valem também pela reflexão que provocam em sociedade. “São dois patrimônios humanos de nossa cidade”, justifica o prefeito.

Liberal e “comunista”

Dom Mário, em entrevista ao jornal O Cometa Itabirano, em 1979: “Itabira perdeu a sua identidade.” (Foto: Fernando Gonçalves/Cometa). Ilustração: Genin

Dom Mário foi o segundo bispo de Itabira. Ele assumiu a diocese em 1971. Substituiu o ex-bispo Marco Antônio Noronha (1924/98), que renunciou ao cargo episcopal, casou e mudou para Belo Horizonte, sem nunca se esquecer de Itabira. Noronha é outro personagem ilustre da história itabirana que merece ser homenageado. Leia aqui.

Em novembro de 1979, na primeira edição do jornal O Cometa Itabirano, dom Mário Teixeira Gurgel (1921-2006) declarou, peremptoriamente, que o itabirano havia perdido a sua identidade de pertencimento, lançando um desafio de união em prol da cidade:

“Itabira é uma cidade marcada pela presença da grande indústria extrativista que por si mesma traz como consequência a presença de um número muito grande de empreiteiras e com isso uma grande imigração. Imigração tanto de cabeças pensantes, de engenheiros etc., como de mão de obra não específica. Consequentemente o que menos Itabira tem é itabirano. E os itabiranos não têm como último ideal ser prefeito de Itabira, mas ser superintendente da CVRD. De modo que a companhia se tornou mais importante que a cidade. Isso faz com que a cidade fique marcada por um desinteresse coletivo por ela.”

Prossegue o ex-bispo diocesano, que por diversas vezes foi taxado de comunista pelos conservadores itabiranos, que chegaram, inclusive, já no fim da ditadura militar (1964-85) a detonar uma bomba de fabricação caseira na porta da residência episcopal, tentando intimidá-lo.

“Uma companhia como a CVRD, instalando-se aqui, pela sua própria natureza, torna-se mais importante que a cidade. Não é a companhia que vive em função da cidade, mas a cidade que vive em função da companhia. Então se contam nos dedos as pessoas que de fato se interessam pela cidade. Há muito tempo tentei fundar a sociedade dos amigos de Itabira. Fiquei sabendo que agora estão se reunindo, mas não me convidaram. Por isso não fui. A ideia é muito boa, desde que aqui cheguei luto por isso, porque eu acho indispensável, porque não há mesmo essa identidade, pela própria natureza de uma cidade que vive de uma empresa única. Perde completamente o sentido de comunidade. Esse é, a meu ver, o grande problema de Itabira, que é depois consequência de muitos outros problemas.”

O centenário de dom Mário será também celebrado pela Diocese de Itabira/Fabriciano ao longo deste ano. “Dom Mário tinha uma estima especial por Itabira, tornou-se itabirano por escolha: ao se tornar bispo emérito, permaneceu aqui até o último dia de sua vida”, disse o bispo diocesano dom Marco Aurélio Gubiotti ao receber a visita do prefeito para informar sobre a homenagem.

“Ele teve um compromisso muito sério em todas as áreas sociais, especialmente na saúde, por causa da Irmandade Nossa Senhora das Dores, da qual chegou a ser provedor”, assinalou o bispo diocesano.

Dom Gubiotti, Marco Antônio Lage e padre Márcio Soares: homenagens conjuntas a dom Mário pelo seu centenário (Foto: Divulgação)

Café com Colombo

Ainda ontem Marco Antônio Lage também visitou Colombo de Alvarenga, em sua residência no bairro Pará. “Doutor Colombo chega aos 100 anos lúcido, forte e saudável. Seu centenário será celebrado pela sua família e também pela cidade em reconhecimento pelo seu trabalho como médico e cidadão.”

Modesto e simples, como tem sido a sua vida, Colombo Alvarenga agradeceu. “A homenagem está muito acima da pessoa. Estou muito satisfeito. É uma grande alegria para mim este reconhecimento, uma grande honra.”

Em uma longa entrevista concedida a este site Vila de Utopia, em 27 de maio de 2017, Colombo assim se expressou, em um dos trechos, referindo-se a vida na Cidadezinha Qualquer nas décadas de 1940/60:

“Naquele tempo, décadas de 1940/60, as pessoas da tradicional família itabirana não gostavam de trabalhar na Vale. O povo da roça era que gostava. A gente era politicamente de oposição à Vale”, revelou.

“Só em 1960, já com mais de 15 anos depois de formado, aceitei trabalhar no Hospital Carlos Chagas, que era da empresa. Eu me aposentei trabalhando lá. Itabira cresceu com a Vale, mas a cidade era mais tranquila antes dela. Tinha um clima melhor, quando havia menos de 20 mil habitantes.”

O médico homenageado foi por diversas vezes convidado para ser prefeito de Itabira. Mas sempre recusou por achar que ajudava mais o povo itabirano exercendo a medicina.

Mas ele foi vereador de 1958 a 1962. Entretanto, a sua participação na política partidária parou aí. Hoje, Colombo acompanha a política nacional pelo noticiário. E acha que está tudo uma bagunça.

“Tiraram a Dilma para acabar com a corrupção, mas tudo continua do mesmo jeito, não resolveram nada. Na época da ditadura também tinha corrupção, mas a gente não falava para não ser preso.”

Eny, Marco Antônio e Colombo de Alvarenga: visita e homenagem com café (Foto: Divulgação)

Medicina em Itabira

Doutor Colombo conclui o curso de medicina em 1947 pela Universidade de Minas Gerais, hoje UFMG. O seu primeiro emprego como médico foi em Acesita, a convite do médico doutor Pedro Guerra. Já estava casado com Eny Figueiredo de Alvarenga, 95, com quem vive até hoje.

Em Itabira, Colombo foi um dos primeiros médicos a fazer transfusão de sangue para salvar vidas. “O sangue do doador era retirado na hora da cirurgia”, recorda com saudade de um tempo em que a medicina era mais humanizada.

“Atualmente os médicos estão ricos por causa dos convênios. No meu tempo a gente não ganhava dinheiro como hoje. E atendia a todos, muitas vezes sem cobrar.” Leia a entrevista completa aqui e aqui.

Conheça mais sobre os homenageados

Jesus Teixeira Gurgel nasceu em 22 de outubro de 1921, em Iguatu (CE). Filho de Mário Teixeira Gurgel e Ana Alda Teixeira Guedes, adotou o nome do pai durante sua vida religiosa. Foi ordenado sacerdote em 1944 e bispo da Diocese Itabira/ Coronel Fabriciano em 1971.

Participou de projetos sociais no município, presidiu a Fundação Comunitária de Ensino Superior de Itabira (Funcesi) e foi provedor do Hospital Nossa Senhora das Dores. Tornou-se bispo emérito em 1996 e faleceu em Itabira no dia 16 de setembro de 2006.

Colombo Portocarrero de Alvarenga nasceu em Santa Maria de Itabira no dia 17 de junho de 1921. Filho de Álvaro e Haydée Alvarenga, passou a residir em Itabira aos cinco anos de idade.

Formou-se em Medicina em Belo Horizonte e retornou a Itabira, onde ultrapassou os 70 anos de exercício da profissão. Também foi vereador na década de 1950. É casado com Eny Figueiredo Alvarenga, de 95 anos.

 

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