A máquina de fazer vento

Igor Guerra*

O decreto de não usar a bomba atômica foi assinado por seus possuidores. Os donos do mundo temiam seu uso e a autodestruição por efeito reverso de seus atos, pois vários países já dominavam a bomba deletéria. A partir do decreto, juntaram-se na chamada Nações Unidas pelo Vento (NAV). Na NAV, o presidente de maior peso apresentou o projeto que tinha encomendado como solução para uni-los outra vez, pelo poder.

Foi pensado globalmente, por cérebros de várias partes do mundo. O presidente disse ainda, que a ciência não teria fronteiras e reforçou o papel político dos cientistas, que foram convocados de vários países a uma reunião, quando se proclamou seu desejo imperioso: a máquina de fazer vento.

É que a população estava percebendo que os políticos não eram representantes do povo, mas das grandes empresas, que mandavam no mundo. A democrática inquisição ia ficando obsoleta e precisavam de algo que parecesse mais natural, menos forçado. Daí a ideia para manter o poder instituído através de uma máquina abastecida por energia humana a contravento. Uma grande concentradora de riqueza material. Sustentável ambientalmente, sugeriu um dos inventores. O outro completou: é simples, tira dali e acumula aqui.

Finalizando a reunião da NAV, ficou acertado que em dois meses começaria a operação denominada Distribuição do Vento, separando-se o mundo em dois: países do Contravento e os do Vento a favor. A partir daí, as diferenças já começavam a ser sentidas pela população e pelos donos do mundo, que transbordavam de riquezas materiais.

De tanto vento na cara, eram chamados de Ressecados os que viviam no Contravento. Se esforçavam em dobro. Para tudo que faziam havia um vento contrário, que sugava parte de sua energia. Pagavam altos impostos em vão, pois os Entreguistas haviam privatizado os serviços públicos, que passaram a ser fornecidos pela NAV.

Não falavam em direitos trabalhistas, isso era considerado coisa de vagabundo. E o vento levou, assim como levou a cultura popular: músicas, festas, costumes. A ventania varria tudo que era produzido, chamando de matéria-prima, comodities, bens exportáveis. E só trazia o que podia ser pago em dinheiro, até os prazeres e as dores estavam nessa. As sensações vinham plastificadas e os alimentos envenenados, sendo distribuídos por um Mercado.

A normalidade era uma das formas de acostumar os Ressecados a tanto vento e era reproduzida velozmente por outras tecnologias, que serviam para padronizar.

Os poucos que enxergavam a origem do vento eram chamados pelos Entreguistas e seus meios de comunicação de loucos, sonhadores e revolucionários. Segundo eles, a origem do vento era coisa dos Entreguistas, que diziam servir aos Ressecados, mas só entregavam a energia gerada a contravento à NAV, em troca de menos vento em suas vidas. E a alegria de viver ia se resumindo em trabalho e consumo. Era assim o dia a dia nos países que sopravam contra seu povo.

Nos países do Vento a Favor, a realidade era outra. Produziam as tecnologias vendidas aos Contraventos. Suas indústrias recebiam o impulso do vento, assim como as políticas públicas de seus países, que costumavam soprar alguns Ressecados para longe de seu território. Quando entravam em guerra e outras disputas por energia gerada a contravento, por alguns momentos, sopravam contra seu povo.

Depois de ter soprado muito vento contra os Ressecados e até uma brisa nos do Vento a Favor, a máquina estava sobrecarregada, de tal forma que começou a ter piripaques, não obedecendo algumas funções.

Os cientistas não conseguiam reprogramá-la novamente e essas brechas foram as oportunidades para os sonhadores mudarem aquela realidade.

Gradualmente a ventania ia diminuindo nos momentos que a Máquina não funcionava. E o ápice de luta veio em um ano que por interesse pelo poder da máquina já defeituosa, a NAV reduziu as partes de seus poderosos, de acordo com a energia que cada um sugou do Contravento.

O ar ficou parado enquanto o conflito por concentração de riquezas atingia os Entreguistas. A mídia mudava de lado de acordo com seu interesse. Derrubando Entreguistas que já não serviam e levantando outros, que enganavam melhor. Era assim que funcionava: transformavam tudo em enganação, para ganharem tempo até o retorno dos ventos maquinais.

Enquanto isso, os revolucionários comprovavam a origem daqueles ventos nefastos e indicavam o caminho para vencê-lo, junto de seu povo. A cada momento que a máquina não funcionava, surgiam novas formas de organização popular. O vento entortou e derrubou aquela gente por centenas de anos. Agora o momento era propício para criarem seu futuro, viverem para eles mesmo e não gerando o vento contrário à sua gente.

Os agricultores, por exemplo voltaram para as terras à medida que as grandes empresas não tinham vento a favor para continuar por lá. Em cooperação plantaram verdadeiros alimentos, que deixavam de ser produtos anônimos nas prateleiras do Mercado. Os políticos eram eleitos para atender os desejos do seu povo e se comportavam como eles. Não eram impulsionados pela NAV e outras empresas, que foram reveladas grandes corruptoras e tiveram seus bens distribuídos para as nações exploradas.

Na sua história, o povo do Contravento conta essa parte como Mortos que Governavam os Vivos. E os Ressecados têm orgulho de serem reconhecidos como os Quebra-Ventos. Há também um mito popular contado boca a boca. Dizem que um dos Ressecados havia sonhado com algo parecido: um povo que por mais que trabalhassem, tinham obstáculos colocados a sua frente. Um dia apareceu uma brecha e os sonhadores de seu povo, derrubaram a realidade cheia de políticos entreguistas e dominadores, mortos-vivos por uma máquina de fazer dinheiro chamada Capitalismo.

 

*Igor Guerra é escritor e estudante de agronomia nas horas vagas

 

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