“A ditadura arruinou o Brasil”, assim falou Luís Camillo, itabirano ilustre que hoje completa 116 anos de nascimento

“Continuo à procura de mim mesmo e absolutamente certo de que não me encontrei em Lisboa, em Coimbra, pois eu permaneço em Itabira” – Luís Camillo

Por Cristina Silveira

Itabira, se memória tivesse e não fosse uma cidade garimpeira, onde o lucro fácil e o “curiango” são os que mais importam, enriquecendo poucos apaniguados do poder municipal, estaria, nesta quarta-feira (9), celebrando o aniversário de 116 anos do nascimento de Luís Camillo de Oliveira Netto, ocorrido no dia 9 de setembro de 1904, às 3 horas da manhã, numa casa no alto da rua Sant’Ana.

Mas este site Vila de Utopia não se esqueceu desta efeméride que marca o nascimento desse itabirano ilustre. Em 3 de setembro de 1953, quando Luís Camilo encantou, o mestre Tristão de Athayde titulou: “São as pedras de Itabira que hoje choram o filho fiel”.

 O livro de cada um

Luís Camillo de Oliveira Netto, um itabirano. Na foto em destaque, da esquerda para a direita: Odylo Costa, filho, Carlos Lacerda, Alceu Marino Rego, Virgílio de Melo Franco, Aguinaldo de Freitas, João Camilo de Oliveira Torres, Neiva Moreira, José Magalhães Pinto, Luís Camillo de Oliveira Netto, Edgar de Godói da Mata Machado, no Rio?, 1946?, 1947? (Fotos: Acervo BN/MCS)

Nos anos 90 era possível achar nos sebos, História, Cultura & Liberdade – Livraria José Olympio Editora, 1975 – um livro para Luis Camillo de Oliveira Netto. Comprei o primeiro, o segundo, o terceiro e todos foram embora nas mãos de pessoas certas, como a Cecília Maria, minha sobrinha.

Em 2000 reencontro Luís Camillo. Trouxe pra casa com a certeza da posse intransferível. Livro posto sobre a mesa para apreciá-lo enquanto objeto, porque livros de sebo são – maioria das vezes – livros velhos, são também objetos usados, de segunda mão, viajantes de vários territórios e posseiros de estantes; não era tarefa simples localizar uma obra rara, hoje os livros são localizáveis por código de barra.

Este História, Cultura & Liberdade é o ‘meu’ livro e o sentido de posse ganha novo valor ao encontrar pistas de sua história assim é que o ‘meu’ livro está autografado pela Maria Luiza Penna Moreira, filha de Luís Camillo e autora de História, Cultura & Liberdade.

O reconhecimento prossegue com notas escritas a lápis – letra feminina – dialogando com o filho de LCON, Luis Felipe. O ‘meu’ Cultura & Liberdade é um objeto raro advindo do acaso.

Sô Lu e Carlito

Em 1958, cinco anos depois do Encantamento de Luís Camilo, o poeta Drummond publica na revista Leitura a crônica O discreto Luís Camilo, em que reivindica um livro para Luis Camilo de Oliveira Neto, um raro exemplar de homem, nas palavras de Daniel de Carvalho em discurso na Câmara dos Deputados.

E aqui publicamos trecho da crônica para destacar uma das muitas importâncias de Luis Camilo para a história do Brasil. Luís Camilo, Presente!

O discreto Luís Camilo

Carlos Drummond de Andrade

Ao levantar-se para sair, depois de nossa conversa, um último episódio antigo foi evocado, e a nós ambos pareceu tão vivo, tão presente, que nos surpreendemos; então, com aquela voz desencantada que escondia o temperamento vibrátil, ele comentou:

– Você sabe que essas coisas aconteceram há trinta anos, “seu” Carlos?…

“Ainda agora, o Ministério das Relações Exteriores publica um documento básico para a historiografia brasileira, o “Livro 1⁰ do Governo do Brasil”, e lá está na introdução que o manuscrito foi descoberto e adquirido em Portugal por Luís Camillo.

Achados dessa natureza eram a sua especialidade, e a coleção de microfilmes que trouxe de sua viagem à Europa, quando esse processo de documentação ainda era pouco utilizado entre nós, constitui uma riqueza para os nossos arquivos. Mas ao lado dele desencravou ou salvou de destruição, há o que ele escreveu, e deixou esparso em alguns jornais e revistas.

Não me conformo com o fato de sua lembrança permanecer apenas como um patrimônio de família e de amigos, e aqui renovo mais uma vez a sugestão de que sejam coligidos e publicados esses estudos e ensaios. Pelo menos um pouco do muito que ele representou para nós precisa continuar vivo, depois que por nossa vez nos retiramos”.

Luis Camillo, um nacionalista autêntico

Joaquim Inojosa*
Página de O livro de Vita Christi, do monge Cartuelo Ludolfo, do século XVIII, traduzida para o vernáculo pelos monges de Alcobaça, especialmente por frei Bernardo. Em 1937, Luís Camillo trouxe de Portugal os microfilmes da edição de 1495, primeira obra impressa em língua portuguesa. Ao lado, instruções de Luís Camillo para a revelação dos microfilmes trazidos de Lisboa. 1937

Felizes os que morrem e depois de terem prestado serviços à sua geração, possuem quem lhes cultive a memória, não permitindo que o anonimato encerre no silêncio demolidor a glória do que fizeram.

Isto o que acaba de acontecer com Luís Camillo de Oliveira Netto, cuja a filha, sra. Maria Luiza Penna Moreira, acaba de reunir em livro, – História, Cultura & Liberdade (Ed. José Olympio), trabalhos esparsos, cada qual de maior importância, para mostrar, no dizer do prefaciador Francisco de Assis Barbosa, que se tratava de um escritor sem livros, erguido agora à categoria de escritor de livro autêntico, graças ao carinho daquele amor filial.

Pelo que afirma ainda esse acadêmico, Luís Camillo teria pertencido à geração modernista de Minas Gerais, que considera das mais importantes do Brasil, da qual se haveriam de destacar, na história pátria, não apenas escritores – Drummond, Nava, Afonso Arinos, Emílio Moura, Cornélio Penna, João Alphonsus, Rodrigo, Murilo Mendes, Ciro dos Anjos, Abgar Renault, como também políticos, do estofo de Virgílio Mello Franco, Milton Campos, Capanema, ou juristas e advogados Gabriel Passos, Pedro Aleixo, Dario de Almeida Magalhães…..

Entre todos eles circulou Luís Camillo para transformar-se não apenas no homem de letras, mas igualmente político, no conspirador, num vulto singular de ação…

Comprovam tais características do seu temperamento, os numerosos trabalhos que a filha juntou ao livro, em comprovação da homenagem que prestava. Carlos Drummond de Andrade, por exemplo, ao manifestar em crônica as saudades do amigo desaparecido, apelava para que viesse à luz o homem Luís Camillo… “a que ele se furtava, porque não condizia com a sua natural simplicidade”.

Tratava-se, porém, de um homem que “tinha a paixão das ideias tanto literárias como econômicas”, liberal cristão capaz de revalorizar, diante dos extremismos da época, “velhas posições pela originalidade de sua inventiva”.

Fazia um apelo, a que vinte e dois anos depois, a filha de Luís Camillo atende:

– “Façamos um livro que o recorde e que o revele fora do círculo em que se movia, que reúna seus escritos dispersos e a relação dos serviços silenciosos que prestou ao país…”

O livro aí está, revelando o escritor e o homem, o de ideias literárias e o político, o derrubador de ditadura e pesquisador das Cartas Chilenas, o economista previdente do futuro industrial do país e o esvurmador das mazelas criadas pelo regime político da época…

Personalidade singular, movimentando-se como uma sombra, surgindo quando se esperasse, vibrando na hora certa o golpe de mestre, como no caso da entrevista de José Américo de Almeida, por ele conseguida a golpes de persuasão, documento histórico da vida política nacional, por haver precipitado o caso da ditadura getuliana…

Manuscrito de pesquisa feita por Luís Camillo, pouco antes de morrer, sobre Manoel Gonçalves de Oliveira, posto a ferros pelo Santo Ofício na Ilha das Cobras, segundo tradição em Itabira (s.d)

Divide-se o livro organizado por Maria Luiza Penna Moreira em quatro partes; as três primeiras de produções próprias, pelas quais se pode julgar o escritor, minucioso e seguro nos estudos e conclusões.

Homem de pesquisa, Luís Camillo surge, por esses trabalhos, como autoridade de incontestáveis qualidades no discutir assuntos de relevância histórica, como os da formação do Brasil, educação e ensino, aspectos da própria terra itabirana onde nasceu e se criou – que de Itabira partiu, com o companheiro Carlos Drummond, para a grande vida – , até chegar ao intrincado problema da autoria das Cartas Chilenas, que tem consumido a paciência de muita gente boa… como aquela Arte de Furtar do padre Antônio Vieira.

Para comprovar que o julgamento do que fez e produziu Luís Camillo não era apenas seu, mas sobretudo de terceiros, dedica a organizadora toda a quinta parte do livro à citação de trabalhos de crítica ao homem que foi e ao escritor que é hoje o irrequieto mineiro de Itabira.

De Carlos Drummond a Paulo Duarte e Afonso Arinos, Rubem Braga e Sobral Pinto, D. Marcos Barbosa e J.C. de Oliveira Torres; enfim, mais de 30 pronunciamentos, em que ficam esclarecidas as virtudes das várias facetas daquela vida de lutas e acidentes, em todos singular e por vezes tocada de verdadeiro heroísmo, em que apenas um objetivo o preocupava: – o bem da pátria; o Brasil.

Pois a melhor definição para Luís Camillo de Oliveira Netto é que ele foi um brasileiro autenticamente nacionalista.

[Jornal do Commercio (AM), 31.1.1976. Hemeroteca da BN-Rio]

*Joaquim Inojosa, escritor e jornalista pernambucano. Participou da Semana de Arte Moderna de 1922. Escreveu os livros: O Movimento Modernista em Pernambuco; No pomar vizinho; Um movimento imaginário; Carro alegórico e pá de cal.

A ditadura arruinou o Brasil” (de Luís Camillo), é título de “uma série de estudos em torno da política econômica, divulgados sem a sua assinatura e como se fossem de uma Comissão de Economistas, mas de sua única autoria”.

“Luís Camillo nasceu no dia 9 de setembro de 1904, às 3 horas da manhã, numa casa no alto da rua Sant’Ana, em Itabira do Mato Dentro”. Em 3 de setembro de 1953, quando encantou, o mestre Tristão de Athayde titulou:”São as pedras de Itabira que hoje choram o filho fiel”.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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4 Comentários

  1. olá Luizmeuqueridoartistaitabiruta.
    Novisfora os artistas como você , poetas do quilate de João de Brito, quais os nomes de itabiranos que poderiam estar no mesmo palco que o Luis Camilo? Ganha um beijo e um queijo se conseguir citar um 1/2 nome.

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