LOURINHA BUNDÃO QUE ITABIRA COMEU
Lúcio V. Sampaio*
… afinal, por onde ela foi parar? Que confins a levaram? Que descaminhos a tiraram dos trilhos? Que sem destinos a persignam? Qual degredo mais cruel lhe foi imposto, qual república-de-curitiba a encerra, por ter sido a mais bela entre todas mais belas portas-bandeiras que existiu nos carnavais de todos os tempos em Itabira?
Carregando nas dobras de suas largas ancas o glorioso estandarte da majestosa Escola de Samba Unidos da Juriti (ESUJU), sua quadra era ali na Vila Amélia, no barranco da igreja), Lourinha Bundão descia garbosa a Av. José de Grisolia, no centrão da cidade, realizando suas circunvoluções cheia de graça e sensualidade. Com imenso sorriso estampado entre suas bochechas douradas, transmitia a todos que a assistiam, extasiados, sua transbordante alegria de viver, de dar e de sambar.
Como esquecer um minuto sequer de suas sandálias prateadas, salto plataforma, carregadas de coloridos balangandãs (imagina tamanha ousadia?), compradas, sim, lá na Sapataria Monarca, quase final da rua Tiradentes. Em seu shortinho mínimo de cetim rosa-bordeaux (pronuncia-se bordô), cortesia da Casas Silva Leite, com uma faixa de fru-frus em sua cintura, comprimindo assim suas roliças platibandas traseiras; e ela na folia da avenida, requebrava com prazer, ao som da bateria, cuíca, bandolim e um reco-reco desafinado.
Enquanto isso, Tio Murilinho carregava no compasso. Oh, que linda! – clamavam uns; ô gostosa! – outros. E mais ainda, Lourinha Bundão trajava um provocante bustiê (lembra-se?) de musselini amarelo van gogh, que mal encobria seus peitinhos fartos e pontiagudos, para o delírio e motivo de inspiração dos adolescentes do bairro Pará, Centro, Berra Lobo e Conceição de Cima – todos eles com as mãos cravejadas de espinhas e furúnculos pelo corpo inteiro. Sempre foi um espetáculo a passagem de Lourinha Bundão pelas ruas turvas dessa cidade.
Passou algum tempo, como sói acontecer, encontrei-a sem mais nem menos descendo descontraída o Beco do Caixão, hora do lusco-fusco, e o trem da Vale apitava sua oitava partida daquele dia. Eu também descontraído, subindo, ofereci-lhe minha companhia e se caso ela estivesse de acordo poderia encoxá-la ali mesmo na murada do Beco.
A íngreme ladeira facilitava o perfeito encaixe, e ela, naturalmente, aceitou-me sem pestanejo. Estrelas espocaram no céu da noite itabirana. Gritos foram sussurrados e sussurros foram gritados, e até mesmo o tal trem maior do mundo continuava a apitar a partida de mais um pedaço desta terra para outros longes…
Lourinha Bundão, ao final, beijou-me com sua língua absurda e de relance pude até avistar furtiva lágrima em sua faceira face. Foi a última vez que a vi, não mais a procurei, canalha que sou.
* Lúcio V. Sampaio, editor de O Cometa (1979/88)




