Itabira está com as calças nas mãos e precisa desfazer o “nó górdio” para projetar um novo porvir cultural

José Norberto de Jesus*

A história registra um impasse, a lenda do “Nó Górdio”, que retrata a situação atual do Brasil, que patina no subdesenvolvimento por falta de um projeto nacional que fixe diretrizes para desenvolver todas as suas potencialidades, e superar os obstáculos (olha a “pedra no caminho”), que travam o seu desenvolvimento econômico e social.

Esse estado de coisas é o resultado da tibiez de políticos que não é uma classe, como os classificam muitos jornalistas, mas uma casta incrustada em todas as instâncias do Estado, que colocam seus interesses acima dos da nação (será que aqui, em Itabira, é diferente?).

É, portanto, resultante da ação inconsequente de governantes falastrões que, em vez de agirem de forma inovadora e radical na solução dos problemas do País, vivem fazendo discursos vazios como se a retórica resolvesse alguma coisa.

E seguem impunemente levando vantagem sempre, com o nefasto fisiologismo do toma lá dá cá sem fim. Levam às últimas consequências à máxima da Lei de Gerson que diz ser importante levar vantagem sobre tudo, não importando as perversas consequências sociais, econômicas e culturais para a nação brasileira.

Gestão inadimplente, a quem interessa
Cultura popular das marujadas e congadas: tradição secular, religiosa e cultural, que precisa ser revitalizada (Fotos: Divulgação e acervo Vila de Utopia)

A gestão cultural, embora não seja uma descoberta e prática nova, ainda que pouco difundida, vem avançando timidamente pós 2000 – ou seja, ganhando força.

A atividade profissional na área de gestão, pode ser a tábua de salvação (pode), se aplicada com o devido vigor de sua literatura. É o que Itabira precisa, entre muitas outras pautas que precisam retornar ou entrar na ordem do dia.

Itabira necessita de uma injeção tecnológica capaz de trazer a tão sonhada revolução cultural, juntamente com gestores capacitados, interessados e prontos a auxiliar os produtores culturais locais.

Para isso já se tem a base representativa da Fundação Cultural Carlos Drummond de Andrade, que em outras condições e engajamento, é perfeitamente capaz de tirar Itabira deste ostracismo, que retrai a economia e arrasta a cultura e o turismo nessa vibe.

Nesse novo contexto de gestão responsável e participativa, nós, produtores culturais, podemos ser, sem dúvida, colaboradores de uma determinada equipe de um projeto, colaborando com essa transformação de tamanha importância, já há muito pensada, mas jamais posta em prática por aqueles que definem não só as diretrizes, mas a política cultural, se é que isso existe, dessa cidade de Itabira, que tem forte tradição cultural, mas que anda se esquecendo de seus genuínos valores seculares.

A importância da Fundação Cultural
Grupo parafolclórico Tumbaitá: “corpos estáveis” da Fundação precisam ser valorizados para que novos possam surgir (Foto: Gustavo Linhares)

Porém, antes de mais nada, é importante registrar que nada aqui tem de crítica pessoal aos atuais gestores da cultura itabirana, em especial à superintendência da Fundação Cultural Carlos Drummond de Andrade (FCCDA), Marta Mousinho. A crítica, assim como devem ser “as coisas públicas”, devem ser tratadas de forma impessoal, sem ranço que vem do preconceito daqueles que acham que têm “opinião formada sobre tudo” e que se acham os donos da verdade.

Nada disso. Aqui tratamos de temas de interesse difusos, da coletividade que produz e consome cultura. E não é porque a atual gestão caminha para o seu limiar, já que neste ano teremos eleições e com elas virão novos agentes políticos. Abordamos essa pauta com críticas impessoais por entender que o momento importante por  consolidar a democracia no país, que anda ameaçada por políticos tresloucados que não acreditam no progresso da ciência e da sociedade pluralista e democrática.

E por propiciar o debate sobre todos os aspectos da vida no município, para se definir os novos rumos que o município pretende seguir num horizonte que ninguém sabe como será pela ausência de resultados passados que possam assegurar a sustentabilidade futura.

É nesse contexto que fazemos o apelo por uma nova forma democrática e participativa de gestão da política cultural no município, que deve estar acima de divergências pessoais. É por acreditar ser o momento eleitoral propício e fomentador do debate, que apresentamos algumas propostas com o único intuito de suscitar o debate para, quem sabe?, subsidiar o próximo mandatário desta urbe para a tomada urgente de medidas desenvolvimentistas a partir de 2021, notadamente no campo da cultura.

O que vem pela frente?
Orquestra de Câmera da Escola Livre de Música de Itabira, da FCCDA (Foto: Gustavo Linhares)

Não é possível que a essa altura do campeonato, quando há dez anos a mineradora Vale já apregoava a exaustão do minério, que coincidirá no colo de quem está entrando, que esse prefeito, não tome medidas cabíveis para garantir o futuro de Itabira.

E não será com flores que andam sumidas de nossos jardins, onde predominam ervas daninhas, que iremos chamar a atenção para a gravidade do momento e do contexto em que a Vale se desliga de nosso município, sem deixar algo de consistente e que garanta o futuro sustentável da cidade depois que seguir para a China o último carregamento de minério.

Nada de braços cruzados

Ana Cristina, cantora, compositora, ex-superintendente da FCCDA, e as Histórias da Arca

A Vale tem obrigação de deixar algo com a mesma magnitude e compatível ao bem mineral exaurido após quase um século de exploração ininterrupta (salvo nesses poucos dias de quarentena e na histórica greve de 1999).

Mas para isso não podemos cruzar os braços e permanecer na letargia de esperar que a grande empresa faça algo por todos nós, como “salvadora do município que tudo lhe deu”. Temos que saber o que queremos e engajar para que nosso sonho deixe de ser utopia, necessária para se dar os próximos passos, e assim avançar para um futuro melhor com melhor distribuição de oportunidades, com trabalho, renda e cultura para todos.

Portanto, vejo como oportuno que a Fundação Cultural Carlos Drummond de Andrade, como órgão representativo cultural, na ausência de uma Secretaria Municipal de Cultura de Itabira, assuma esse protagonismo desde já, ainda que tardia, deixando ao final de sua gestão um projeto modal de gestão cultural desenvolvimentista.

Debater diferentes temas relacionados à gestão na área da cultura, a partir de uma perspectiva crítica, é o objetivo que proponho ao chamar os diversos segmentos a uma reflexão mais aprofundada acerca do contexto sociopolítico e econômico a que vimos envolvido.

Mecanismos de financiamento, um caminho
Itabira sempre teve tradição do canto, que precisa ser mais valorizado: coral da FCCDA

O campo da gestão cultural possui uma série de peculiaridades e diferenças, que os aspectos técnicos, como elaboração de projetos para Leis de Incentivo e outras formas de fomento. Exemplos de países, estados podem ser boas referências nesse momento.

O desenvolvimentismo como projeto de industrialização integral e como via de superação da pobreza do subdesenvolvimento, Industrialização e desenvolvimentismo estão longe de acontecer, basta observar as consequências da Covid-19, que demonstrou cabalmente a fragilidade da economia de mercado e da tese do Estado Mínimo.

É preciso que o Estado seja de fato um canalizador até mesmo do processo de mudança, disciplinando o mercado e propondo políticas públicas que atendam aos interesses da maioria. Por exemplo, A Fundação como parte do Estado municipal, poderia investir na capacitação de agentes de cultura e até mesmo em cursos de Tecnologia em Gestão Pública, com ênfase no Turismo e na Cultura.

A formação de quadros técnicos, preparados para esses novos tempos pós pandemia que virão, pode ser vias de aproximação de uma estratégia capaz de encurtar essa falta de alternativas nesse hiato a que vivemos, com falta de diálogo entre os poderes institucionais e a iniciativa privada. Essa parceria público-privada, não só com a grande empresa, mas com os pequenos produtores, pode ser a luz necessária para abrir portas.

O nó nosso de cada dia
Mayra Baldaia, cantora e compositora itabirana, sucesso em outros palcos além de Minas

Mas voltando ao nosso “Nó Górdio” do início do texto. Parece uma gozação de mau-gosto, mas não o é. Trata-se apenas de um ponto de vista milenar, que tem muito a ver com o que Itabira vive hoje em vários campos, notadamente no campo da cultura.

Uma passagem histórica que predestinava a quem conseguisse desatar o “nó” – história interessante que trata a vida como ela é. Conta a história, ou a lenda, que aquele que desatasse o “nó” teria a Ásia toda para conquistar.

Alexandre, o “Grande”, não se fez de rogado, ao tentar por diversas vezes desatar o bendito do “nó”. Frustrado em suas investidas, ele lançou mão de sua espada, e de um só golpe partiu o “nó” e conduziu o seu batalhão rumo Ásia, tornando seu Senhor.

Desatando o nó

O professor e músico Mengueles com o tecladista André Lima

A comparação milenar, embora pareça tosca, traz profundamente um retrato do que se passa em nossa política. E, de quebra, serve para ilustrar essa ausência de política desenvolvimentista, que retrai e impede a cultura de cumprir o seu real valor juntamente com o turismo, que acaba também se refletindo no social.

Tal situação, no sentido de fazer com que o município de Itabira, conquiste a hegemonia regional que lhe abre, proporciona o mercado, mas que as normas diretrizes da ausência de uma política altaneira e robusta a impede de içar esse bastão – e cortar o “nó Górdio”.

Como consequência, continuamos sustentando uma Fundação Cultural que ostenta um imenso cabidão de empregos sem precedente, fruto de uma prática viciosa, danosa aos cofres públicos, sem que a população dê conta de resolver, ante o toma lá dá cá de nossos governantes, com a cumplicidade e participação fisiológica da Câmara Municipal, com os apadrinhados da maioria dos vereadores.

Antropofagia cultural
Bateria Calangodum, formada por universitários da Unifei

Aproveitando, compartilho uma frase ouvida há pouco, e que cabe como uma luva neste texto, pois nos remete à reflexão sobre o atual contexto político nacional extensivo aos municípios, que partilho com o leitor:

“A mistura excêntrica do povo brasileiro é muito subalterna. A gente (aí me incluo nesse “a gente”) não é uma nação”, diz Ailton Krenak ao Diário do Centro do Mundo, portal de notícias

A falta de um Grupo Técnico Gestor para a Fundação Cultural Carlos Drummond de Andrade é que faz com que a nossa cultura se aprofunde nesta falta de “política públicas” capaz de fazer com que Itabira ocupe cenários de destaque mais auspicioso, que transforme a nossa Superintendência numa referência regional e nacional.

Mas ao invés de avançar com a democracia participativa também neste campo, recuamos. Estamos mais uma vez sem Conselho Municipal de Cultura. Ou seja, não se aprova nada, não produz nada por que o “Conselho” não funciona de forma devida.

Por outro lado, os artistas torcem o nariz. A Fundação Cultural de mãos atadas, se torna refém de um processo que mais parece o “nó Górdio”. E aqui cabe a pergunta: quem se arrisca a içar a espada contra esse dragão que em vez de resolver atiça suas golfadas de fogo em direção ao tonel de álcool?

Que horizonte nos reserva?                             
Pré-carnaval itabirano Altamente Demais: outra tradição que está sendo resgatada (Foto: Ângelo Marques)

Mas há sempre esperança. Eu acredito. O difícil é reunir todo esse pessoal elencado a seguir, voltado e compromissado para o único bem que poderá ser a luz que poderá iluminar as lâmpadas que permeiam o município e cada uma delas com uma ideia, quem sabe transforma a Itabira do Mato Dentro, a “cidade maravilhosa” que todos sonhamos.

Por que é assim que vejo, em meu retrovisor,  produtores como o Cléber Camargo, Arthur Camargo, César Júnior, Fernando Sampaio (temos dois Sérgios, um no Turismo, outro na Cultura), Liliene, Elaine, Miriã, Marquinhos Mult, Samuel, Marcos Alcântara, Railton Barbosa, Cácia Almeida, Altamir Barros, Menguelis, Júlio da vereança, Valério Adélio, Mauro Moura, Bruno Sena, Marcelino Castro, modestamente, este que escreve essas linhas, dentre tantos outros que aqui poderiam ser relacionadas, não me assaltasse o lapso da memória.

Novos expoentes

Artistas itabiranos no projeto 4ª Arte, no palco da Unifei: integração com troca cultural

Que me perdoem os ausentes, mas conclamo-os também, pois unidos e engajados, podemos até aproveitar o momento cultural, e esperamos possamos nos reunir presencialmente em breve, para debater em um Fórum de Cultura os caminhos, utópicos que sejam, para que os sonhos possam virar realidade, definindo as diretrizes para uma política maior, sem personalismo, para mudar a realidade sociocultural e econômica do município.

São nomes que têm bagagem, uma vasta experiência de vida profissional e cultural, a maior parte vivenciada em Itabira. São profissionais que, com apoio da iniciativa privada e não só do poder público, podem tirar a cidade da letargia econômica e cultural que vive, historicamente deixada em berço nada esplêndido.

Evidentemente que além desses nomes já relacionados, certamente outros novos virão, com visão mais abrangente para dar mais vida e cor à essa proposta de uma nova política cultural para Itabira. Que sejam bem-vindos e venham se somar com a “velha guarda” que ainda tem sonhos a realizar, que são até então utópicos, mas não impossíveis de virar realidade.

É preciso tomar medidas mais ousadas, ver à frente como a águia que transpõe horizontes além-mar.

*José Norberto de Jesus, o Bitinho, é produtor cultural, idealizador do Festival UAI, um grande acontecimento itabirano na década de 1980.

 

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3 Comentários

  1. Belo texto Bitinho , vamos sim todos juntos desembolar esse nó , tenho convicção que Itabira poderá ser sim referência cultural, as críticas são muito válidas, aprendemos muito com os erros até mais do que os acertos e já é hora de avançarmos para que ocorra nossa revolução cultural que tanto esperamos.

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