Histórias extraordinárias do Castelinho da rua do Bongue
Carlos Cruz
Na fantasia de muitas crianças – e até de adultos, e são gerações que se sucedem desde o final da década de 1950, quando foi construído – o castelinho da rua do Bongue, hoje Monsenhor Júlio Engrácia, no centro histórico de Itabira, certamente é o que mais povoa o imaginário do itabirano. Desde que foi construído, inúmeras lendas urbanas foram criadas em torno dessa ainda misteriosa construção itabirana.
O escritor e memorialista Marconi Ferreira Serafim, morador do casarão da rua Tiradentes que pertenceu ao seu tio-avô Antônio Alves de Araújo, o célebre Tutu Caramujo, personagem drummondiano, ex-prefeito de Itabira (1869/72), conhece muitas dessas lendas.
Ele mesmo contribuiu para criar outras tantas crônicas, que reuniu primeiro em livro – Viagem na história de Itabira com o Menino da Mina – de onde se extraiu a crônica Um castelinho no caminho da mina agora levada para a tela no formato de curta-metragem, gravado e dirigido pelo talentoso fotógrafo itabirano Fernando Barbosa e Silva, ex-colaborador do jornal O Cometa Itabirano.
Para mostrar o resultado, Marconi reuniu em seu histórico sobrado onde mora, um grupo de parentes e amigos em setembro do ano passado, num sarau poético e memorialístico. Foi quando o sobrinho-neto de Tutu Caramujo contou algumas dessas lendas, ao sabor de guloseimas e quitandas mineiras, especialmente preparadas para a ocasião. O documentário só agora está disponível na internet. Assista aqui.
No sarau poético e memorialístico, o sobrinho-neto de Tutu Caramujo contou algumas dessas lendas. E ouviram-se outras tantas em torno desse misterioso castelo incrustado na cidadezinha cerca de vinte anos depois que o barulho da mina se incorporou à realidade acústica itabirana. E que serve até hoje para alimentar outras tantas lendas e realidades urbanas.
Contação de histórias
“Encontrar com vocês é muito bacana. Somos meio doidos, porque escrever na terra de Drummond não é fácil, como é também difícil produzir um documentário. Acham que é muita pretensão”, diz o poeta contador de histórias.
“Somos chamados de poetas ‘cacarecos’ por quem se acha o suprassumo da cultura”, queixa-se o memorialista itabirano, que acaba de restaurar o casarão onde mora no centro histórico itabirano, ao lado de outro sobrado, também restaurado, onde residiu o criativo inventor Chico Zuzuna, contemporâneo de Antônio Alves. Leia mais aqui.
Segundo Serafim, na sua infância o castelinho mexia com a imaginação do “menino da mina” – e que ainda hoje guarda muitas lembranças no escaninho da memória e que voltam à mente como em um passeio em busca do tempo perdido. “Ao passar pelo local, vem o cheiro de minha infância, de um passado que está vivo na lembrança de muitos itabiranos.”
Mistério
A história do castelinho já é por si um mistério. Construído no final da década de 1950 pelo ex-tesoureiro da Prefeitura Francisco Alckmin, genro do célebre Batistinha, o José Batista Martins da Costa, filho do coronel José Batista, a obra foi embargada pela administração municipal por ordem do então prefeito Daniel Grisolia (1959-63), de quem Alckmin era amigo, mas que depois viraram desafetos.
Com o embargo, ficou a obra inacabada e assim deve permanecer com os seus fantasmas. Não se sabe quais foram as irregularidades para o embargo, por certo por não enquadrar nos padrões urbanísticos da cidade provinciana, que não teria agradado da excentricidade do Chico “Rato”, alcunha que o ex-prefeito grudou em Francisco Alckmin para o resto de sua vida.
O certo é que sem moradores no andar superior, o castelinho virou palco de muitas lendas urbanas, segundo Marconi Serafim, transformando-se em morada de muitas assombrações. “O castelinho suscita muitas curiosidades. Era assombroso e com a nossa fértil imaginação de menino, ouvíamos gritos e sussurros nas madrugadas.”
Assombrações
Com parte dessas lendas levadas para a telinha, Fernando Barbosa e Silva procurou gravar o que ouviu e o que também viu – ou acha que viu. Com a sua câmera nas mãos, transformou caixas de marimbondo em caveiras, com morcegos voando, assombrando ainda mais a imaginação.
Ao redor do castelinho, que fica próximo da lendária casa dançante do Parente, na antiga avenida Martins da Costa (hoje Doutor Guerra), segundo assegura Marconi Ferreira, sempre rondava – e ainda ronda, ele jura de pés juntos – alguns conhecidos fantasmas itabiranos.
São histórias fantásticas, como a dos negros que foram enforcados (ou decapitados?) na antiga forca oficial de Itabira (existe versão que fala em guilhotina), que existia onde hoje está o Saae, no bairro Para.
O certo é que as almas desses escravos, conta Marconi, ainda hoje retornam à noite, arrastando correntes pelo Beco do Caixão, seguindo pela rua Tiradentes em direção ao beco do Calvário, na subida do Zé Rosa. Seguem em direção à forca, repetindo para sempre o cortejo macabro.
De acordo com o escritor, toda história fantástica, por mais assombrosa que seja, sempre comporta um fundo de verdade. A dos negros acorrentados, por exemplo, a caminho da forca, com certeza tem registros históricos que comprovam a sua verossimilhança.
Como também é o caso da Loura do Parente que, segundo se conta, trata-se de uma história de feminicídio. A Loura teria sido assassinada por gostar de ir às horas dançantes do Parente, depois que o marido seguia nas noites de sábado para a troca de turno na mina Cauê.
E, por ciúme e por querer ser livre para voar, teria sido assassinada. Mas ainda que como “alma penada” a Loura do Parente continuou livre para fazer o que gostava, que era se divertir nas horas dançantes do Parente.
“Quando mudamos para esta casa, confesso que tive muito medo de assombrações”, conta Marconi Ferreira. “Ainda hoje acordo assustado com o barulho de correntes. São os negros que vêm do beco do Caixão seguindo em direção ao beco do Calvário. Rezo sempre pelas suas almas e volto a dormir.”
O ovo da serpente
Outra lenda que se conta – e que também tem um fundo de verdade – é da cobra gigante que reside nas minas subterrâneas que vêm do Cauê em direção ao centro histórico. “Quando ela se movimenta, a cidade toda treme. É prenúncio de coisa ruim, que impede o desenvolvimento de Itabira”, acredita Marconi Serafim. Ou de detonações nas minas.
O memorialista itabirano jura de pés juntos que sempre, nos dias 13, as “almas penadas” do cemitério do Cruzeiro descem para uma reunião solene no Castelinho da rua do Bongue.
“Vem a Loura do Parente, o velho Elias do Cascalho e, não raro, como convidada especial, aparece também a Loura do Bomfim, vinda especialmente de Belo Horizonte para o encontro do outro mundo no castelinho. Fazem uma algazarra que ouço daqui de casa.”
São histórias fantásticas boas para soltar a imaginação. E que aumentam a curiosidade até de visitar o interior do Castelinho da rua do Bongue. E que por certo tem condições especiais para virar um espaço cultural, um misto de bistrô com museu de histórias extraordinárias como as que foram resgatas em livro por Marconi Ferreira, agora disponíveis no documentário Um castelinho no caminho da mina.
Não deixe de assistir. É de arrepiar e para admirar mais essas estórias extraordinárias contadas por esse dedicado memorialista itabirano.
Muito bom! A Vila comemora 3 anos de existência e militância do melhor jornalismo na Itabira. E o Carmona é, pelas narrativas e feitos, o memorialista incansável. Beijoca ao Carlos e ao Carmona
Parabéns Marconi Ferreira e Fernando Barbosa pelo belíssimo curta.
Amei demais.
Grandes comentários… Parabéns aos narradores. Mas só uma correção, o nome correto do finado proprietário do imóvel é Francisco Ferreira de Assis. Abs.
A mesma critica que fazem aqueles que “acham que é fácil” o próprio Marcone também fez ao documentário, Democracia em Vertígem, da Petra Costa, que concorreu ao Oscar este ano , em um programa de uma rádio de Itabira. Quanto ao Curta em tela, assisti e gostei, mas faço uma ressalva quanto á gargalhada final. Tirada da músicaThriller, do Michael Jackson, ela quebrou o clima fantasmagórico que me envolvia como espectador.