Duas pancadas numa noite só

Marcelo Procopio*

A direita está transtornada
Estão olhando para a realidade e, por mais que tentem, não conseguem se enganar mais: enxergam algo muito parecido com o que estamos vendo.
E espumam de ódio.

Noites atrás, num bar, fui ameaçado fisicamente duas vezes: por um pequeno, depois três burgueses. Um quarteto de direita e do ódio à esquerda. Comum ao local.
Eles não estão suportando tanta realidade. Pior quando alguém, no caso eu, aplica-lhes um mero, apenas um mero contraditório.

Thomas S. Eliot já tinha nos alertado para isso em Quatro Quartetos: “O gênero humano não suporta muita realidade”

Ou literalmente num trecho do grande poema:

“Vai, vai, vai, disse o pássaro: o gênero humano
Não pode suportar muita realidade.
O tempo passado e o tempo futuro
O que podia ter sido e o que tem sido
Apontam para um fim, que é sempre presente.”
(tá aqui no livro, um dos meus de travesseiro, ou seria cabeceira? Olha, tá é ao meu lado no escritório/redação)

Foram agressões verbais e quase vias-de-fato, que só não ocorreram por intervenções: uma pelo gerente do lugar, outra pelos amigos do outro, apesar de seus também gritos de ódio contra mim.  – O inimigo a ser abatido.

Escrevi um texto mais longo quando cheguei em casa. Acho que um resumo bastaria para contar a história aqui.

Perdoa, leitor, mas eu não chamaria esse texto todo de síntese. Mas, vá lá.

 

—Parte 2

Futebol é política

Estava em casa. Era noite de quinta, 13 de abril. O Atlético jogava com Sport Boys, imagina que time é esse? Jogava mal. No início do segundo tempo perdia por 1×2 no Independência (para os íntimos, Campo do Sete).

Mais a frente empatou e virou para 3×2. Pensei: vou ver o resto do jogo no Bar do Antonio (tem três “Bar do Antonio” por aqui, no Carmo, Anchieta e Morro do Papagaio). Sai de casa faltando 20 minutos pro jogo acabar. Entrei no bar faltando 15.
Encostei na última entrada de frente pra uma tv. O Galo fez mais dois gols.

Acabou, apitou o juiz. Então me aproximei de um dos irmãos gêmeos donos do bar e disse: é, cara, ganhou de cinco, mas jogou mal. O time é fraco, não tem eficiência coletiva nem técnica nem fundamento. Assim, não joga bonito nem é objetivo.

O cara que estava junto com o dono começou. “Como jogou mal, ganhou de cinco”, exclamou. Retruquei, mas ainda assim joga feio, é frágil, blá, blá. Ele começou a falar alto, você é do Cruzeiro. -Sou não. Antes de nascer já era Galo. Ele ainda em tom alto, como se me xingasse, repetia que eu era cruzeirense.

Encostei levemente no ombro dele e disse: não vamos discutir; Ponto de vista é um trejeito de olhar com um olho só, e fui até o último balcão, que tem petiscos (palavra feia, né) frios (batatas no azeite e ervas, queijos…, e comentei com o dono: olha, hoje tem sacanagem: lá era 1/2 fatia de mortadela enrolando uma tira de queijo canastra e azeitona. Tudo enfiado num palito: daí o nome.

Veio de novo o cara: ah, tá explicado, você é mortadela, Disse, gosto sim e muito e sou também mortadela nesse sentido que você está falando, – É petista, gritou perdendo a razão. Brinquei: sou não, já votei muito no PT, eu sou é comunista.

Ele foi ficando mais bravo (seus olhos ardiam e diziam: “comunistas? Mas comunistas aqui?”), e perdendo o tom de civilidade, gritava: seu petista safado. E foi falando.
Disse eu: se você me der um pouco de atenção, podemos dialogar e eu posso lhe explicar porque sou de esquerda.
Ele perdeu a razão que já não tinha: vai tomar no cu, seu filho da puta,

Me afastei. Queria lá eu aceitar provocação de um bêbado de direita. E fui para o balcão onde sempre fico, junto ao caixa, onde o caixa, o gerente e todos os garçons me conhecem pelo nome e eu idem. (Ah, alguns me botaram um bom apelido e me chamam quando em vez de Cometa e eu replico Cometa).

Pedi uma cerveja. A primeira.

Ele lá do fundo continuava com o vai tomar no cu, seu petista filho da puta. Até que começou a caminhar, ainda gritando, para o meu lado dizendo: vou te dar porrada, filho da puta. Partiu decidido.
O gerente estava ao seu lado. De olho nele. E o segurou firme. Eu estava só olhando. Sem medo. Calmo.

Gilberto Gil em “Ele e eu” diz: “ele é aflito, mas na hora do porto da barra fica calmo”. Sou meio assim.

Com um copo de cerveja, fui ver um pedaço do jogo São Paulo x Cruzeiro. De novo no mesmo ponto: entre a entrada e a calçada. Ele sumira.
Na verdade, nem saberia reconhecê-lo. Mas logo passou como um raio por mim, me deu um encontrão de ombro no meu ombro e subiu a rua, indo embora, gritando seus palavrões. Olhando para trás, ainda gritando, e eu apenas o via no soslaio da visão periférica, ele só viu dois de meus dedos fazendo o ‘paz e amor’.

—-(esta foi a primeira pancada, a outra foi mais perigosa e se eu não tivesse, instintivo, dado uma de Cassius Clay teria levado porrada mesmo).

 

— Parte 3

 

Eles odeiam vermelho

Voltei pro meu canto no balcão. Me lembrei de Sartre. Uma história de um cara que procura alguém num bar lotado. Ele não vê ninguém, é quase como se o lugar estivesse vazio, porque seu olho só veria, se visse o amigo.

Estava mais ou menos assim. Minha conversa era comigo mesmo e, quando possível, com o Índio, um amigo do Acre e caixa do bar. Sempre conversamos muito mais sobre rock. Filosofias baratas e gibis, que é como ele prefere chamar revistas de HQ. Gibi é uma bela palavra, era o nome de uma revista de Histórias em Quadrinhos Brasileira lançada em 1939. Quer saber mais?: google.

Galo e política tinham sumido de minha cabeça, quando ouço quatro vozes masculinas entusiasmadas e em alto tom: “o que mais quero agora é ver Lula ser preso: esse bandido”.

Olhei. Três estavam ao meu lado, do lado de fora do balcão, o quarto era o dono do bar, irmão do outro.

Disse para ele – nos conhecemos há anos, ele é daqueles que segue a linha do freguês, não importa o lado: “mas até você quer o Lula preso?”.

Pronto. Bastou para criar mais uma confusão. Os três, três senhores trajados, na cara e na roupa, de executivos, ou de empresários. Jeitão de quem sonega e tem lugar em algum propinoduto, ou o que valha. Sei de nada, esconjuro. Mas desconfio. As possibilidades.

Gritam comigo: seu petista safado, o Lula é o maior ladrão da história do Brasil (e blá, bláblá). Repeti: não sou petista, já fui, já votei e voto ainda quando me interessa o candidato, mas na verdade sou mesmo é comunista. Tinha um ar irônico na minha afirmativa. Sim. Eu sentia. Atravessado. E não era mentira, se for ver na real. Ideologia. Na grassa.

Não entendo, se eles odeiam tanto o PT, porquê ficam ainda mais descompensados quando você se diz comunista. O que sei é que sempre estive rondando no absoluto o lado esquerdo e não era nem de deus nem do diabo.

Os três gritavam alto, O bar estava cheio. Os olhos dos fregueses olhavam fingindo não ver. Não vi ninguém nem fotografando. Afinal, o calmo e vilão ali era eu. Os agressores eram do mesmo lado deles.

Foi quando tentei falar alguma coisa e mais uma vez não ouviram nem me deixaram concluir uma única frase e um deles partiu pra cima de mim: vou te dar porrada, seu petista safado. Deu um passo pra frente, recolheu o braço e abriu a mão esticada para embalar um golpe de kung fu no meu queixo.

Sei lá se é kung fu, não entendo de lutas muito menos de agressões físicas. Sou pacifista. Não chegou a ser o Bicho Muito Louco do Fortuna. Mas como já escrevi aí, fico calmo.

Os três tinham formas de quem faz academia todo dia (saúde e ódio à esquerda é o que mais lhes interessam). Foi aí que vi que o braço do cara do meio começou a se movimentar na minha direção. De rápido. De com força.

De Mohamed Ali, sou fã desde menino (meu xará ex-CassiusMarcelus Clay, que virou mulçumano e pacifista). Então, acho, isso ajudou. Instintivo afastei minha cabeça para trás. Uns três centímetros e o golpe dele chegou a um milímetro do meu queixo.

Se acertasse poderia ser um grande desastre. Logo atrás de onde estava tem três degraus que dão para um corredor que dá acesso um outro salão e banheiros. Os amigos do mais furioso seguram o cara de tentar novamente um ataque.

Com ele bem próximo de mim, disse, você fica bravo assim porque vota no Aécio (o Neves) e agora sabe quem ele é.

O sujeito, espumando de ódio e puxado pelos dois outros, se afastou gritando: não voto em Aécio Neves. Nunca votei em Aécio.

Disse o mais baixo possível, mas sarcástico até a ‘alma’: Sei!!!

Fez-se o silêncio. Os três foram se sentar em alguma mesa. Não mais os vi. Fiquei lá até fechar. Não sem antes comentar com os irmãos sócios, implicante por meus direitos, que se me acertassem chamaria a polícia, processaria os agressores e os denunciaria no Sindicato dos Jornalistas e nas Comissões de Direitos Humanos da ALMG e da Câmara de BH.

Sei o nome dos quatro: por uma boa fonte.

Dirceu, um frasista de Minas que publicava no Pasquim, tem uma frase que diz: “Tapa na cara não me ofende moralmente, só fisicamente”. Guardei. Muita gente guarda no contrário.

Já madrugava e o bar fechando. Fui-me embora pro meu canto de dormir tranquilo. Tinha compreendido um pouco mais os humanos e enriquecido meu folclore.

* Marcelo Procopio, jornalista, editor de O Cometa

 

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