Diversificação econômica de Itabira pode até passar pela saúde, mas a iniciativa privada precisa investir mais, inclusive em um novo hospital
Ao se preparar para enfrentar a pandemia provocada pelo novo coronavírus (covid-19), Itabira irá se tornar referência macrorregional em saúde nos casos de maior complexidade, é o que informa a secretária Rosana Linhares, em pronunciamento nessa sexta-feira (3), pela internet.
Essa condição é decorrente do fato de o município se encontrar, regionalmente, mais bem-aparelhado com a sua rede de atendimento. Com recursos municipais, serão disponibilizados 148 leitos exclusivos para atender pacientes infectados pela covid-19 nos hospitais Nossa Senhora das Dores (HNSD) e no municipal Carlos Chagas (HMCC).
Desse total, 42 são leitos instalados nas três Unidades de Tratamento Intensivo (UTIs), que contam com 30 respiradores (ventiladores) mecânicos no HNSD e 23 no HMCC – e mais três estão para chegar, cedidos por empréstimo por hospitais da região.
Essa condição de melhor aparelhamento é resultado dos investimentos emergenciais da Prefeitura, mas também de outros aportes de recursos públicos, principalmente, e privados ao longo das últimas décadas.
Oportunidade
A crise com a pandemia provoca horrores em todo o mundo. Desarticula a economia global que vive a sua pior crise desde a revolução industrial, quando o capitalismo vicejou como a grande panaceia para a organização das trocas, do lucro, da família e da propriedade privada, advindo com ele a formação do Estado moderno. E ninguém sabe o que virá daqui para frente.
Mas a crise pode ser também um momento de oportunidades para que mudanças aconteçam e novas ideias possam prosperar diante de uma nova realidade que está por vir. É o caso de Itabira com a sua já centenária busca de alternativas à mineração, seja do ouro no início, ou do minério de ferro já em fase de exaustão.
Dada a “urgência” de Itabira diversificar a sua economia, antes que a mineração chegue ao fim, um dos caminhos recorrentemente apontado tem sido o investimento na área de saúde. Desde então, a Prefeitura, e em alguns casos, também a Vale, historicamente têm investido no melhor aparelhamento dos hospitais Nossa Senhora das Dores (HNSD), que atende 60% SUS, e no municipal Carlos Chagas (HMCC).
Outros investimentos públicos importantes ocorreram no pronto-socorro e na instalação de 32 Postos de Saúde da Família (PSF) em vários bairros da cidade. O Serviço Móvel de Atendimento de Urgência (Samu) foi outra importante conquista, assim como a instalação de Centros de Atenção Psicossocial (Caps).
Parcerias público-privadas foram também viabilizadas para o tratamento oncológico, ainda, inexplicavelmente sem credenciamento pelo SUS. Outro investimento privado importante ocorreu na clínica para diagnóstico e procedimentos cardíacos.
As duas iniciativas privadas estão instaladas no HNSD, que conta, também, com amplo e bem equipado Centro de Terapia Renal Substitutiva (hemodiálise) – um investimento basicamente do município, em 1983, no curto espaço de tempo em que Virgílio Gazire voltou a administrar o município.
Gazire faleceu em 23 de setembro, por insuficiência renal, pouco mais de oito meses após tomar posse, pela segunda vez, como prefeito de Itabira. Investiu na hemodiálise por ter conhecido o sofrimento que era ter de ir, semanalmente, a Belo Horizonte para fazer diálise.
Já no HMCC, com recursos da Prefeitura de Itabira após a sua municipalização, os destaques são o Centro Obstétrico e a Maternidade, além de um centro oftalmológico.
No setor privado, clínicas particulares também fizeram investimentos, principalmente na área de diagnóstico. E a Unimed vem, aos poucos, construindo o seu hospital próprio.
Jornada médica
A exaltação desses avanços na área médico-hospitalar foi, inclusive, pauta da XX Jornada Científica, realizada pela Associação Médica de Itabira (AMI), em agosto de 2010, no auditório da Funcesi.
Depois de relacionar os vários investimentos públicos e privados realizados na área da saúde, o médico Roberto Barros, então presidente da AMI, foi enfático ao predizer. “São investimentos que criam as condições para o município se tornar polo macrorregional de saúde.”
Itabira já é polo microrregional, com abrangência de 12 municípios, com população em torno de 220 mil habitantes.
Para se tornar polo macrorregional, passaria a atender também à população da área de referência da Gerência Regional de Saúde (GRS), com mais de 500 mil moradores. É o que irá acontecer agora com o embate com o coronavírus, para o tratamento de pacientes com acometimentos mais graves.
Presente na abertura da jornada médica, o então prefeito João Izael (PP) foi outro que reforçou a oportunidade de diversificação econômica na área de saúde.
Mas ele fez uma ressalva importante, ao dizer que os empresários da área precisam sacar o dinheiro dos bancos e investirem mais na saúde, até como contraponto aos recursos já alocados pelo contribuinte, por meio da Prefeitura. “O poder público não faz política de saúde sem a participação da iniciativa privada”, disse ele, ao pedir mais investimentos do setor privado.
Colapso anunciado
O apelo à iniciativa privada para que invista na área de saúde é justo e necessário. E é também questão urgente. Afinal, é preciso obter novas fontes de impostos para que a Prefeitura possa continuar bancando o custeio do HMCC, além de fazer os repasses devidos ao HNSD, que administra o Pronto-Socorro.
No ano passado, a Prefeitura repassou R$ 34,9 milhões ao HMCC, sendo que nada menos de R$ 30,2 milhões (86,5%) saíram da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (Cfem), os royalties do minério – e o restante de outras fontes, inclusive do Sistema Único de Saúde (SUS).
“Sem os royalties não temos como bancar o custeio do Carlos Chagas e das outras áreas da saúde, inclusive os repasses que fazemos mensalmente ao Nossa Senhora das Dores”, preanuncia o secretário municipal da Fazenda, Marcos Alvarenga.
No caixa do HNSD, em 2019, entraram R$ 31,3 milhões (63,3%) pelo SUS, enquanto R$ 4,7 milhões de suas receitas saíram da Cfem (9,4%) – e o restante de fontes diversas, incluindo emendas parlamentares.
Ou seja, com tamanha dependência à mineração, se o colapso do sistema municipal de saúde em Itabira não ocorrer agora, no caso de se ter um grande número de pessoas infectadas com coronavírus precisando de atendimento, basta que a Vale pare por completo com a extração e o beneficiamento de minério em Itabira para que isso aconteça em três meses.
Essa possibilidade é real e já se cogita para o caso de a pandemia alastrar com mais força em Minas Gerais e no país. Se isso ocorrer, em três meses os recursos da Cfem deixam de entrar no caixa da Prefeitura, que não terá dinheiro para pagar os serviços prestados pelo HNSD e também para fazer os repasses ao HMCC.
Três meses são o intervalo de tempo entre a extração, a apuração e o pagamento dos royalties, que deixam de ser pagos se a produção é paralisada – ou cai na mesma proporção do volume de minério produzido.
Seria uma trágica antecipação de um porvir certo e inexorável, assim como é o fim próximo da mineração. Queira a história registrar que Itabira, nesse curto espaço de tempo até a exaustão, venha dar a volta por cima e descubra que é possível desenvolver a sua economia mesmo sem os recursos da mineração.
Investimentos privados
A oportunidade para que ocorram “mais investimentos privados na área de saúde” é agora, em tempo de pandemia do novo coronavírus. Como foi no passado, em outras conjunturas de forte recessão.
O município, por meio da Prefeitura, tem feito a sua parte. Só para o atendimento nos dois hospitais, com a covid-19, já investiu cerca de R$ 1,5 milhão, fora o que terá de arcar com os custeios.
O SUS também irá repassar recursos. Ainda não se tem notícia do montante de recursos que o governo mineiro irá destinar aos municípios para enfrentar o novo coronavírus – mas com certeza serão feitos repasses, ainda que insuficientes.
Portanto, com os juros baixos e os investimentos em renda variável (ações) cada vez mais arriscados com a recessão mundial, é hora de os empresários da área da saúde, em Itabira, pensar grande. E contribuir, ainda mais, para que o município se torne de fato polo macrorregional de saúde.
A Vale, que no início da década de 1990 se desvencilhou de seu hospital, repassando o ônus ao município como se fosse presente (de grego), também deve mais esse investimento ao município, como parte de sua dívida histórica.
Afinal, ainda mantém no município próximos de 8 mil empregos diretos e indiretos, só nas empreiteiras. São trabalhadores que geram riquezas para a Vale, mas que também adoecem – e que podem se infectar pela covid-19. A Prefeitura, o Estado e a União não podem arcar sozinhos com essa despesa, que já não está sendo pequena.
Sem investimentos privados na saúde, como parte da estratégia e necessidade de diversificar a economia local, Itabira não terá nem mesmo como exercer o seu papel de polo microrregional de saúde, no futuro já próximo, sem a mineração.
É que nem royalties nem ICMS existirão mais assim que partir o último maior trem do mundo. E a derrota, se assim acontecer, será de todas a mais incomparável. Mas, ainda há tempo, pouco que ainda seja para reagir.