Um espectro ronda os autistas itabiranos na rede pública de atendimento: a dificuldade para obter diagnóstico precoce
Em Itabira, segundo informou a psicóloga Creuza Aparecida dos Reis, coordenadora do Centro Municipal de Apoio Educacional (Cemae), da Secretaria Municipal de Educação, são assistidos 274 estudantes com deficiências pela rede municipal, sendo que 74 alunos são diagnosticados como autistas.
Trata-se de uma condição especial de saúde, tecnicamente chamada de Transtorno do Espectro do Autismo (TEA).
Essa condição se caracteriza por um déficit na socialização e comunicação verbal, e não verbal, e no comportamento, geralmente com interesse restrito e movimentos repetitivos. Leia mais aqui.
Audiência
O tema foi abordado em audiência pública nessa terça-feira (11), na Câmara Municipal de Itabira, realizada por iniciativa do vereador Weverton Leandro “Vetão” Santos Andrade.
“Com a audiência, procuramos conhecer um pouco mais da realidade do autista em Itabira, avaliar a rede e o fluxo de atendimento para traçar estratégias e políticas públicas que melhorem o atendimento e agilize o diagnóstico precoce”, disse o vereador.
Ele anunciou que deve, nos próximos dias, apresentar às autoridades um documento formulado com base na opinião de especialistas e das manifestações do público na audiência, com as sugestões e reivindicações de melhorias nas redes de atendimento municipal e estadual.
De acordo com o vereador, a realização da audiência foi motivada por conversas com as mães que criaram o Instituto Iza, organização social nascida da necessidade de familiares e dos próprios autistas defenderem os seus interesses específicos.
“Queremos lutar para ampliar a rede de atendimento de crianças, adolescentes e adultos em Itabira, que é para obter a tríade de sucesso nas terapias, na educação e no relacionamento familiar”, anunciou Greiciele Rosa Ramos Alves, mãe de autista e uma das fundadoras do Instituto Iza.
Assistência especializada
Na Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae), de Itabira, são assistidas outras 60 crianças diagnosticadas com o espectro autista – e a fila de espera é grande.
Estima-se que mais de 130 crianças, já diagnosticadas, estão à espera da assistência de psicólogos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, nutricionistas, assistentes sociais que integram a equipe de atendimento mantida pela entidade assistencial, em convênio com a Delegacia Regional de Saúde (DRS).
“Para assistir a todas essas crianças, passamos atender de quinze em quinze dias, por falta de profissionais”, lamentou a psicóloga France Jane Leandro, especialista no atendimento da pessoa com o espectro autista na Apae. “Temos que aumentar a rede de atendimento, não há outra saída.”
Fluxo e diagnóstico
A precariedade da rede de atendimento, tanto municipal como também estadual, por meio do convênio com a Apae, foi também reiteradamente apontada pelos pais, familiares e especialistas presentes na audiência pública.
Segundo disseram, falta definir o fluxo de atendimento e diagnóstico, que, por ser demorado, tem causado muita angústia e atraso na assistência especializada.
“A pedagoga da escola de meu filho me disse que eu deveria procurar um especialista, pois suspeita que ele é autista. Isso já faz tempo e até hoje não temos o diagnóstico”, contou uma mãe. “Para onde recorrer, se não encontro vagas?”
A dificuldade para obter o diagnóstico é decorrente justamente da precariedade da rede pública de atendimento. Na rede particular, o custo da avaliação é alto – e a maioria das famílias não tem como pagar, reconhece a psicóloga France Leandro, para quem é preciso ficar alerta com o diagnóstico tardio. “Quanto mais precoce o diagnóstico, melhor será o desempenho futuro da criança autista.”
Desenvolvimento e inclusão social ocorre na maioria dos casos
O calouro de graduação em engenharia da computação, da Unifei, Felipe Venâncio, 18 anos, é autista e compôs a mesa de autoridades e especialistas na audiência pública. Ele contou que ainda sofre com preconceito, mas tem superado as diferenças.
“Não há distinção pelo fato de eu ser diferente, não sou pior nem melhor”, disse ele, assegurando que procura seguir toda a prescrição para o seu caso especial.
“Dizem que remédio é para burro. Por acaso eu sou burro?”, perguntou, dirigindo-se ao público presente, depois de dar lições sobre o universo e a condição humana.
“Eu não sou uma pessoa má ou boa por ser autista, não podemos dizer que o autista é melhor ou pior”, afirmou Felipe, que se sente igual a todo mundo, simplesmente diferente.
“Trate-nos com normalidade, como alguém que está ao seu lado, que sofre com a morte e alegra com a natureza, com o nascimento. É assim que é vida, de alegria e sofrimento. Com o autista, isso não é diferente”, testemunhou.
Descoberta
A mãe de Felipe, Célia Viana Lopes Venâncio, contou como foi que descobriu que o filho é autista. “Ele começou a andar e a falar no tempo certo. Na escolinha percebemos que era um menino inquieto, não parava em sala de aula. Procurei um médico e o diagnóstico foi que ele era hiperativo.”
Ainda de acordo com o relato da mãe, foi só quando Felipe passou para o primeiro ano do ensino fundamental que a pedagoga da escola procurou a mãe e disse que não preocupava com a nota do aluno, mas com o seu comportamento irrequieto. “Procure saber o que está acontecendo, foi essa a recomendação que recebi.”
Só depois de fazer testes psicológico e neurológico veio o diagnóstico do Transtorno do Espectro do Autismo. “Nunca esconda que ele é autista, foi outra recomendação que recebi. O meu filho vai agora estudar engenharia e vai vencer mais essa etapa em sua vida.”
Estratégia
O jornalista Delly Coelho Nascimento Júnior trabalha há 20 anos como repórter do Diário de Itabira. Ele é autista de “grau leve” e teve diagnóstico tardio, aos 35 anos – hoje ele está com 40 anos.
Delly contou o seu caso na audiência pública e a dificuldade para obter diagnóstico do espectro autista.
“A minha situação não significa que não tive dificuldades de aprendizagem. Tive muitas. Passei a maior parte de minha vida estudando em escola particular, não havia atendimento especializado e para fazer o diagnóstico”, lamentou.
“Sem saber de minha condição, criei as minhas próprias estratégias de aprendizagem”, disse ele, que já concluiu três cursos superiores. Delly é formado em História, Relações Públicas, com ênfase em jornalismo.
E concluiu graduação em engenharia de produção, pela Unifei, no ano passado. “Só falta fazer estágio para eu formar. O difícil é conseguir vaga: o mercado não absorve profissional recém-formado na minha idade.”
Com base em sua experiência, o jornalista engenheiro insistiu no pedido para que seja ampliada a assistência na rede pública. “Entendo a necessidade primordial do atendimento ao autista severo, mas gostaria que tivessem também um cuidado especial com o autista leve. Temos as nossas dificuldades e elas são imensas.”