Maconha é defendida como remédio por médico em palestras em associações itabiranas e no projeto 4ª Arte, na Unifei

O médico Paulo Fleury Teixeira, um dos pioneiros no país nas pesquisas e na prescrição medicinal da cannabis sativa, por meio de seus princípios ativos, tanto do THC (Tetraidrocanabinol), que é o responsável pelos efeitos psicoativos, como também do CBD (Cannabidiol), defendeu, em Itabira, o seu emprego no tratamento de diversas doenças, com comprovados efeitos farmacológicos e terapêuticos.

Fleury fez palestras na quarta-feira (13) no espaço 4ª Arte, programa de extensão universitária da Unifei, na Associação de Pais, Amigos e dos Excepcionais de Itabira (APAE) e, na quinta-feira (14), na Associação Mineira de Saúde Popular (Amisp).

O médico tem receitado o uso medicinal da maconha com os seus princípios ativos há mais de seis anos, principalmente para um grupo de autistas, além de tratar um conjunto de patologias. 

Erva do diabo ou sagrada?

Palestra do médico Paulo Freury na Apae: defesa do uso medicinal dos componentes da maconha para tratar diversas doenças (Fotos: Carlos Cruz e Divulgação)

Segundo o médico, o uso medicinal da maconha é milenar – e é inclusive citado na Bíblia Sagrada, como em Êxodo 22-25, que trata do diálogo de Deus com Moisés, ao descrever a receita de um óleo sagrado, que, de acordo com Fleury, seria derivado da erva. Essa mesma planta, a partir do início do século passado, passou a ser tratada no mundo ocidental como sendo “erva do diabo”:

“Tome as melhores especiarias: doze libras e meia de mirra líquida; metade disso, seis e um quarto de libra, de canela perfumada; quinze quilos de cana perfumada; doze libras e meia de cássia – usando o peso padrão do Santuário para todos eles – e um galão de azeite. Transforme-as em um óleo sagrado para a unção, a mistura hábil de um perfumista.”

Debate sobre a liberação da maconha é antigo. Erva já foi confundida com pernilongo na Câmara Municipal de Itabira, em setembro de 1986

De acordo com o médico, essa é a fórmula milenar do óleo de cannabis sativa, que hoje volta a ser empregada em todo mundo, inclusive no Brasil, por meio dos até então caríssimos óleos de Cannabidiol, empregado para tratamentos diversos.

“Trata-se do mesmo canebosn, ou cana aromática, a fórmula do óleo sacramental que Deus teria repassado a Moisés, tendo virado óleo sacramental secreto dos sacerdotes judeus. E que hoje volta a ser empregado para tratar a epilepsia, doença de Alzheimer, crises psicóticas e dores diversas”, relaciona o médico em suas palestras.

“Os egípcios, os chineses, os hindus, toda a antiguidade utilizava a maconha medicinal, terapeuticamente, até o início do século passado, quando foi deflagrada a campanha proibicionista no mundo ocidental”, conta.

“Só agora, pelos seus efeitos cientificamente comprovados, a maconha está sendo desmitificada”, acentua Paulo Fleury. “No passado usavam-se ungir os doentes com óleo de maconha. E como curava, achavam que era milagre.”

Proibicionismo

Palestra na Associação Mineira de Saúde Popular

De acordo com o médico, a proibição do plantio e uso da maconha em todo o país atende a interesses escusos, notadamente da indústria farmacêutica, que não vê com bons olhos a disseminação da prescrição da maconha medicinal.

“É uma planta de fácil cultivo e manipulação que pode ser feita de modo bem descomplicado, em casa, pelo próprio usuário”, explica.

Segundo ele defende, tanto o uso medicinal como também o recreativo, na forma do chamado “baseado”, que é fumado, provoca mais benefícios do que malefícios ao usuário. “Muitos têm preconceitos com o uso fumado. Mas para quem sofre com dor crônica, e tem o hábito, fumar é o mais indicado, atinge efeito mais rápido.”, recomenda.

“Já temos uma prática do uso medicinal da maconha em todo mundo. Com atraso, o Brasil também começa a entrar nessa nova onda, mas com o conservadorismo de sempre. A maioria dos estados norte-americanos, assim como quase toda a Europa, Israel e Canadá já legalizaram o uso medicinal e até recreativo da maconha.”

Paulo Fleury acredita que no futuro bem próximo o Brasil se transformará em grande produtor das mais diferentes variedades de cannabis sativa. Mas ele faz uma ressalva. “Assim como ocorre desde o Pau Brasil, seremos produtores da commodity, enquanto Israel será o grande produtor de óleos essenciais que o mundo todo irá consumir”, prevê.

“A área médica científica, mundial e brasileira, durante todo esse tempo foi hipócrita, farsante e irresponsável com a população. Não existe um médico com mais de um neurônio que não esteja seguro com o uso medicinal da maconha. Mas prefere manter um discurso conivente, religioso e político, com essa secular proibição.”

Pingue-pongue com o médico Paulo Fleury

Palestra com debate no espaço 4a Arte, da Unifei

Ao prescrever o uso medicinal da maconha e de seus derivados, o senhor não tem receio de ser acusado criminalmente de incitar o uso de entorpecentes? 

O órgão regulador, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), há alguns anos já autorizou o uso medicinal, e, portanto, a prescrição médica, seja de produtos com alto CBD quanto também com alto THC. Não é considerado medicinal apenas o CBD, o THC também é. Tanto que é possível encontrar em farmácias um produto chamado Mevatyl, que é uma combinação meio a meio de CBD e THC. Não é um medicamento de uso corrente porque é caríssimo. Portanto, não há ilegalidade na prescrição médica.

Não há então o que temer também junto ao conselho de ética da Associação Médica, pelo fato de o senhor recomendar o uso da maconha fumada?

Eu exerço a profissão dentro dos limites da ética e das regras institucionais. Eu estou prescrevendo aquilo que o órgão regulador, que é a Anvisa, me autoriza prescrever. Com essas palestras estou divulgando os resultados obtidos, já tenho seis anos trabalhando com isso. Com a Anvisa tendo liberado tanto o CBD como o THC para prescrição, eu estou dentro da regra, não importa a forma de uso.

Planta da maconha: remédio ou “erva do diabo”? (Foto: reprodução/Google)

Voltando ao ato de fumar. O senhor diz que surte efeito medicinal mais rápido, mas ainda é proibido no país… 

De fato, o ato de fumar ainda é proibido no Brasil. Mas o que importa não é a forma de usar. A Anvisa autoriza importar extratos e óleos de cannabis concentrado e comprar esse óleo balanceado de THC e CDB. Se você vai usar por meio do hábito de fumar, não importa. A proibição é um contrassenso, pois o ato de fumar é o mais usual, é a forma mais comum. Com isso, para o senso comum, como o uso mais geral tem sido o de fumar, entende-se que todo uso da maconha é proibido. Não é bem assim, têm certas situações em que é indicado o uso medicinal fumado.

Como fica quem fuma perante a lei e está em tratamento? É preciso ter autorização judicial?

Para isso não precisa ter autorização da Justiça, já está autorizado. Eu posso prescrever e o paciente pode fazer o uso. Para isso ele pode requerer também, por meio de uma liminar, um habeas corpus preventivo para que possa cultivar a planta sem o risco de ser preso.

(Nota da redação: o debate sobre a liberação do plantio da maconha para uso medicinal já foi levado à consulta pública pelo órgão regulatório em junho deste ano. O tema segue em discussão. Pesquisa do DataSenado indica que 75% da população brasileira apoia a aprovação. Já os contrários alegam que a proibição deve ser mantida pela possibilidade de seu uso criar dependência química e por supostamente  provocar, em alguns casos, surtos psicóticos como a esquizofrenia, além de considerarem também questões religiosas. Para saber mais, leia também aqui).

Quais são os casos mais comuns tratados com a maconha?

Com a minha experiência clínica tenho prescrito o tratamento a pacientes com epilepsia, autismo, casos de dores crônicas, doenças inflamatórias. Temos obtido bons resultados com alta concentração de CBD como também de THC. O que vai variar é a dose, dependendo dos casos. Ambos apresentam bons resultados.

 

 

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