A cidade dos sonhos
Por Zeca Rodrigues*
Conheço Itabira desde 2010, quando participei do Festival de Inverno com um de meus trabalhos. Foi, na época, uma experiência muito agradável, apesar da dificuldade de chegar, por causa de uma estrada tão precária, como é até hoje a 381.
O nosso concerto foi no teatro do Centro Cultural, com direito a entrevista numa rede de TV local. Aliás, nos deixou maravilhados a estrutura cultural existente, coisa rara por onde costumávamos passar. Afinal, como todos sabem, não é muito comum as gestões municipais darem tanto valor à parte cultural.
Pelo menos essa foi a imagem que ficou para nós, naquele momento. Como foi em Itabira que nasceu Carlos Drummond de Andrade, entendemos que por isso, nada mais natural, digamos assim, que seja uma cidade voltada para a cultura.
Algum tempo depois, retornei à Itabira para ministrar uma oficina na Escola Livre de Música e fiquei maravilhado novamente, com o que estava acontecendo nesse espaço de cultura.
A sua estrutura, sobretudo no quadro de professores, e instrumentos que a própria escola possuía, podia ser comparada a uma escola europeia, sem exageros. Algo realmente interessante estava acontecendo ali.
Nos dias de hoje, já passados nove anos, toda aquela bela política cultural e educacional não floresceu, e não consigo admitir como tudo aquilo possa ter sido descontinuado, abandonado, jogado no lixo, boicotado mesmo.
É como se um projeto não pudesse ser bem sucedido na área cultural. É isso que sinto olhando para esse caso em particular.
Mas, olhando pra cidade, a gente sente isso de uma maneira geral.
E é o que reflete também na área de Educação. Também sou professor de música e me considero um entusiasta dessa área. Pra mim a Educação é uma espécie de deusa que veio para nos salvar do apocalipse da ignorância, que tem nos rondado perigosamente nos últimos tempos.
Tudo isso nos leva a uma pergunta incômoda e reveladora: Como é possível uma cidade tão rica em tantos sentidos ser tão feia e pobre?! Sim, isso é uma dura verdade, doa a quem doer!
E peço desculpas e licença, principalmente aos muitos amigos que fiz e tenho feito na cidade, para poder dizer isso. Muitos hão de compreender e concordar.
Em termos arquitetônicos vejo uma urbanização quase que completamente descuidada e sem planejamento; calçadas malcuidadas e muitas vezes perigosas.
Vejo fachadas feias e sem manutenção; arquitetura histórica sem a sua devida valorização, sendo a mesma somente pontual e que, quando comparada a qualquer outra cidade histórica mineira, fica muitíssimo aquém.
Como pode uma cidade que recebe tanto dinheiro da venda de minério de ferro não refletir essa riqueza em seu desenho arquitetônico?
E, em termos de pobreza, nem se fala, apesar de que essa questão é mais complexa, até pelo fato de ser um fenômeno nacional ligado a essa imensa e perversa injustiça social vigente em praticamente todo o território brasileiro.
Outra coisa que também me chama muito a atenção, dentro dessa mesma ideia, é a proliferação de edificações do tipo “estrupício”, de arquitetura bizarra, como aquele prédio no Pará, com uma fachada meio “maracanã”.
E sem falar na coisa maluca, patológica mesmo, de cortar árvores em uma cidade já com tão poucas espécies nativas.
Enfim, até compreendo o fato de muitas pessoas não perceberem ou não se darem conta de tudo isso, mas não aceito quando alguns fingem que não há nada disso. É só a gente caminhar um pouquinho pela cidade e dar uma rápida olhada em volta.
Mas, voltando à área cultural, sempre imaginei que ela tivesse que ser uma prioridade, pois a vocação para esse campo é muito clara. Eu sempre me imaginei chegando à rodoviária e já encontrando à minha frente um totem para consulta dos espaços culturais, sobretudo onde pudéssemos ver coisas relativas à Drummond.
Talvez fosse o caso de a cidade até mesmo dispor de um transporte especial que proporcionasse um tour pelos lugares drummondianos da cidade. Por que ninguém se preocupa com isso?
É outra pergunta que faço. Somente aquelas placas de ferro com poesias não bastam, aquilo não é absolutamente nada comparado ao tamanho do poeta.
A área de turismo e ecologia, que envolve passeios pela roça, caminhadas pelos parques e cachoeiras incríveis, também poderia ter maior atenção das gestões.
Tenho conhecido lugares realmente lindos e que, se não tiverem cuidados, vão durar bem pouco. Sou um defensor ferrenho de leis mais duras para quem sujar quaisquer águas. Para mim mais uma deusa da vida é a água.
Mas, em resumo, acho uma pena uma cidade como Itabira não ser o que de fato deveria ser.
Acho, por exemplo, que as pessoas deveriam sentir orgulho da cidade e não de seus empregos na Vale, que deveria ser mais bem vigiada, pois se estivesse em outros países não teria essa moleza toda.
Com isso, deixo para reflexão de todas e todos uma ideia, tanto no pensamento de quem trabalha na Vale quanto, de maneira geral, com relação à prefeitura: nunca deveria ser “dependemos dela”, mas sim “ela depende de nós”. Isso talvez fizesse uma diferença na qualidade de vida de todos, em todos os sentidos.
Sei que os itabiranos, como Drummond, até criticam a cidade, mas não gostam que falem mal dela. Mas como estou me sentindo como um itabirano, fico a vontade para tecer essas críticas, como quem sonha com uma cidade melhor.
Querido Zeca!
A sua descrição da cidade é absolutamente real.
No caso da cidade nos Itabiranos fazemos da limonada um limão sem graça e amargo.
A cidade não oferece lazer aos moradores, somente bares.
Temos muitas riquezas culturais além dos espaços criados e que o nada é ocupado.
Temos uma vocação musical gigante, que as escola livre de música mostrou Isso, mas não está aproveitando este potencial e expandindo.
“A cidade é paralítica.”
Obrigada Zeca
Gostei imenso da ideia do transporte para o trajeto dos Caminhos Drummondianos.
E a arquitetura do Hotel Europa é mais do que bizarra, simplesmente não tem arquitetura.
Praças aqui são sempre relegadas ao enésimo plano de manutenção de qualquer dos administradores municipais, este atual e todos os antecessores.
Saquei logo que você foi contaminado pela Cauêite…
Seja bem chegado na defesa da lendária Itabira.
Na sua crônica, leio o olhar de fora, de um ponto de vista não umbilical — talvez até uma outra miopia…. Como você já deve saber: “Itabirano não fica louco, declara-se” significa choque de cabeça. Por exemplo sofro banzo da trilha poética pra saciar a saudade: do Largo do Batistinha sigo a tortuosa rua Tiradentes até encontrar num canto a baixo do asfalto o barroco da igrejinha do Rosário dos Pretos – lembrança da Cidadezinha (a Matriz a CVRD dinamitou), frio de molhar cabelo e medo do ouro submerso na Penha, chego ao Campestre até o Pico do Amor…… madrugadas frias e silenciosas não fosse a devoração da maquinaria que rouba Itabira. E me dá um frio na espinha… E volto pra casa.
A CVRD, roubou Itabira, industrializou a mente dos habitantes, repetiu a mentira de que o poeta Drummond não gostava de Itabira – como se fosse possível ser indiferente a Itabira – e no final de tudo o Carlos Andrade (fica mais itabirano) “devorou” “comeu” “deglutiu” a Cia., foi o único que conseguiu. Mas todos foram, incluindo tu, derrotados. Levamos o maior Ferro. E o pior está por vir, porque sofremos de medo.
É uma cidade dominada e seria hoje pior, não fosse um grito de liberdade (era a Ditadura de 64) no aparecimento do jornal O Cometa Itabirano. Um legado incomparável de O Cometa à Cidade, foi a recomposição da presença do poeta Drummond na Itabira, a verdadeira, portanto para sempre, saudação de Itabira ao itabirano Andrade, o biógrafo dda Cidadezinha e da Montanha Pulverizada; O Cometa influiu diretamente no poder para a construção da Casa de Cultura/Centro Cultural. Estas essas ideias foram plantadas, depois delas outras compuseram pontos de cultura e memória, mas agora os obtusos, beócios e etc, na Câmara e na Prefeitura levam em frente o trabalho sujo da Cia. Diz a lenda, que é vingança da Deusa Polar.
Então, caro Zeca Rodrigues, fico feliz de você tratar a cidade onde você cultiva amizades, com respeito e afeto. Quem gosta cuida!