Não é Itabira que vive em função da Vale, mas a mineradora que cresceu com a riqueza do Cauê, defende Drummond

Imagens do interior – II

Deveres sociais

Por Carlos Drummond de Andrade

Diz a Vale do Rio Doce que Itabira tem recebido “a parte que lhe deve tocar” na distribuição de benefícios do Fundo de Melhoramento e Desenvolvimento da região. E enumera benemerências várias, desde o serviço de água, ainda não concluído, até casas para empregados, e trechos de estradas de rodagem, de uso não exclusivo da Cia. (podia tê-los reservado para seu uso feudal, talvez).

Correio da Manhã, domingo, 19 de maio de 1957 (Acervo: BN-Rio.pesq.mcs1375). No destaque, o Cauê em 1944 (Fotos: acervo Cristina Silveira/CVRD)

Não disse que a execução do serviço de água, esperado há anos, só o foi contratada com o SESP, em junho de 55, quando o clamor público exigia da empresa que ela deixasse a malemolência carioca, e foi preciso fazer alguma coisa para acalmar os indóceis.

Os demais melhoramentos – energia, pavimentação, matadouro, mercado, transporte, esgoto – tudo isso “vai ser custeado” pela Rio Doce, sendo que o último já era promessa em 22 de abril de 1955, em carta ao Correio, e promessa continua sendo.

A empresa já vai criando barba, e só de dois aos pra cá entrou a mexer-se, depois que Câmara Municipal, Assembleia Legislativa, governo mineiro, com o apoio de 300 municipalidades do país, reclamaram para Itabira a compensação devida pelo que dava ao Brasil – ou sejam, mais de 7 milhões de toneladas de minério exportado, até 1954, valendo mais de 92 milhões de dólares, com 856 milhões de cruzeiros de lucro para a empresa – valor esse de que toca ao município produtor a fabulosa quantia de Cr$ 1,70 por tonelada…

Os serviços prestados – inclusive um grupo escolar e o auxílio de 2 milhões ao mísero hospital da cidade, em dezembro último – o cronista não os oculta, lamentando apenas que tardassem a vir.

Quanto às demais mercês… Casa para empregado numa foi benefício coletivo; é, no máximo, individual, ditado pelo próprio interesse da empresa. Toda organização de vulto constrói essas moradias, como dá escola aos filhos de seus auxiliares. É despesa a incluir no custo operacional.

Além disso, a Cia. dá seguro de vida, salário, licença-prêmio, gratificação por tempo de serviço, médico, hospital e armazém pago a seus colaboradores! Grande serviço à cidade, que do contrário talvez se visse compelida a fazê-lo. Esta a concepção que a Cia.tem do patronato e dos direitos sociais do trabalho.

Mas não vamos discutir em torno de um cano de água ou de um sorvete de coco oferecido todo verão, aos filhos dos operários. O importante é lembrar que os itabiranos pleiteiam sejam aplicados alí 50% dos recursos do Fundo, o que é mais do que razoável e não prejudica nenhum outro município do vale. Publique a Cia. o plano de aplicação desses recursos, dissipando quaisquer dúvidas sobre o critério adotado.

A delegação itabirana propôs ainda que os empregados da Cia. participem dos lucros, como já se pratica em outras entidades de economia mista. Responde o presidente que eles têm gratificações semestrais correspondentes a cerca de 10 % dos resultados, enquanto a diretoria recebe apenas meio ou 1%.

Calçamento da rua dos Operários, na década de 1950, ainda sem os recursos tributários da mineração, que só chegaram em 1966 com o Imposto Único sobre Minerais (IUM), outra luta da dupla Drummond/Hindemburgo

Gratificar, diz o léxico de mestre Aurélio, é pagar serviço extraordinário, brindar em prova de reconhecimento, dar gorjeta, etc. Participar de lucros é coisa diferente, sistemática e baseada na justiça social.

Gostaria também, se não fosse incômodo, que o presidente expusesse o critério dessa repartição. Se o lucro do ano passado foi aproximadamente de 400 milhões, temos que aos empregados em geral tocaram 40 milhões, e aos diretores 2 ou 4 milhões. Apenas, os empregados são 8.000, e os diretores, 5…

Estas notas sem azedume não traduzem má vontade contra a Cia., que mal ou bem vai produzindo riqueza para o país, embora não para Itabira. Contra ela nada tenho pessoalmente, e dela nada desejo ou pleiteio.

Não quero ser vereador, deputado ou encostado, nem possuo um palmo de terra alí. Sou um simples homem do interior que escrevendo em jornal, supre, vez por outra, a falta de voz pública de sua gente humilde.

Se a delegação itabirana saiu satisfeita do bate-papo com a diretoria, tanto melhor; aguardemos a execução dos compromissos. Quero apenas ver a Cia. cumprir seus deveres sociais, pois não é uma empresa particular de comercio, mas uma obra pública, inspirada em alta concepção politica de eliminação dos índices subumanos de vida no interior; e é uma obra formada em magna parte com capital da União e alimentada pelas jazidas de minha terra.

Não adianta dizer que 70% da população de Itabira vive em função das atividades da Cia. Responderei que 100% da Cia., inclusive a E. F. Vitória a Minas, vive em função de Itabira.

[Correio da Manhã, 19 de maio de 1957. Acervo BN-Rio.pesq.mcs1375]

 

 

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4 Comentários

  1. É como meu saudoso pai sempre dizia, a CVRD foi criada em esforço de guerra contra os nazistas, apesar de o Vargas ter sido um ditador facista, e Itabira continua neste esforço de guerra ad aeternum…

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