Chorographia mineira – Município e Comarca de Itabira
Mauro Andrade Moura
Revisão – 6ª parte
A Chorographia Mineira, da parte de Itabira, foi-nos legada pelo Monsenhor Júlio Engrácia, nos idos de 1897, como correspondente do “Archivo Mineiro”.
Cidade – sua posição – História
Sequência
“O único edifício público civil que existe é a casa da Câmara, que é juntamente cadeia. Ao rez do chão, pela frente, tem para o lado de traz dois andares.
No inferior moram os detentos, de qualquer idade ou crime, em um cômodo infecto, que é o seu único tudo. No andar superior está, à direita, a sala das sessões de Júri da Câmara e, à esquerda, outra sala de audiências, em caso de trabalho na primeira; no fundo, o quarto do carcereiro, que da entrada para a prisão e com um cômodo estreito para homens e outro para mulheres.
Pela descrição está claro que não se pode desejar pior que esse edifício para seus fins e não condiz com o adiantamento e hombridade dos itabiranos, e com uma municipalidade que tem 40 contos de orçamento.”
Pela publicação do Monsenhor Engrácia, a cidade já ia pelos seus 64 anos de emancipação e dispunha de orçamento próprio. Dispunha, pois, já naquela época de boa quantia para cuidar das obrigações da administração municipal.
Esse antigo edifício foi construído pelo Major Paulo de Sousa, que doou o primeiro andar à municipalidade. Já o segundo pavimento foi vendido. Contudo, a documentação da compra e venda só foi concluída recentemente.
E só ocorreu por intervenção do Ministério Público, salvo engano em 2013, juntamente com liberação de recursos para o seu restauro. Na mesma ocasião houve o restauro também da Casa do Brás.
Foram vários os episódios ocorridos neste patrimônio histórico e arquitetônico. No segundo pavimento tem painel de Itabira construído pelas mãos hábeis do artista e ex-prefeito Daniel Grisolia.
Mais recentemente, quando nele voltou a funcionar o legislativo itabirano, teve a hilária história de um saco contendo pernilongos, vindos da região do Pontal próximo dos bairros Bela Vista e Nova Vista, levado e esquecido numa reunião do Codema, que se reunia no andar inferior.
Na desde sempre ignorância legislativa, esses restos mortais de pernilongos, socados em pode de vidro, foram confundidos pelos vereadores com a “famigerada” cannabis sativa. A Polícia Civil foi chamada para lavrar a ocorrência, quando o mistério fora desvendado.
Não era maconha. Eram os restos mortais dos pernilongos que infernizavam moradores vizinhos da barragem da Vale. E que foram pedir ao Codema para exigir providências para acabar com essa praga que não deixava os moradores em paz – e que ainda estão sendo aguardadas.
Marcou história também neste lugar, no pavimento superior, a sova que Aníbal Moura deu no empresário Diogo Bethônico, ambos já falecidos, durante uma sessão solene da Câmara de entrega de criticadas honrarias.
Museu e cultura
Atualmente o casarão é utilizado pelo Museu de Itabira. Conforme está registrado em adesivo na parede, a Câmara Municipal primeiramente ocupou o sobradão em 1833 para dar início às atividades da administração local. Foi quando Itabira se emancipou administrativamente de Caeté, naquele ano. O adesivo informa que, na autorização de compra do edifício, em 1835, faltou informar que a aquisição era válida somente para o andar de cima.
“Na pequena praça da matriz, ao lado esquerdo, uma sociedade particular, com alguns auxílios, comprou uma casa, que vai, pouco a pouco sendo reduzida a teatro. Uma ou outra vez que amadores levam a cena algum drama, é nesse edifício, que ao menos, já os garante, a eles e aos espectadores, da intempérie e os livra dos ridículos de até já pouco fazerem seus divertimentos em ranhos de tropas, última negação do velo e do cômodo”, registra Monsenhor Engrácia, nos idos de 1897, já antevendo a eterna luta por mais espaços para a cultura em Itabira.
Teatro havia naquela época e com orquestra para animar a festa. A casa mencionada pelo Monsenhor Engrácia pertenceu a João Francisco de Andrade, descobridor em conjunto com o cunhado Francisco da Costa Lage, da rica lavra aurífera nas barras do Pico do Itabiruçu (Conceição), por volta de 1780.
Trata-se, hoje, de um edifício público federal, onde por muitos anos funcionou a agência dos Correios em Itabira. Está fechada há mais de uma década. E aqui vemos órgãos públicos, inclusive municipais, gastando fábulas de dinheiro com alugueis. Há que se dar urgente ocupação a esse pequeno edifício – e que seja público e não privado. Algo que dê vida àquele largo já quase sem almas viventes.
O atual Teatro Municipal da avenida Carlos Drummond de Andrade foi construído em 1983. Passou por várias intervenções com reformas após mais de três décadas de sua inauguração.
Teve poucas alterações e melhorias – e faltou a instalação de um elevador. A sua fachada foi desfigurada com a pintura dos tijolos aparentes, o que nunca deveria ter ocorrido, pelo malfeito de uma antiga superintendente da Fundação Cultural.
É preciso também retirar a Biblioteca Municipal Luís Camillo do Centro Cultural. Lá não é o local mais adequado. A biblioteca necessita de ambiente amplo, arejado e iluminado, requisitos básicos que não são observados no espaço atual, mesmo estando passando por reforma.
Além de tudo isso, não comporta mais obras. E a maioria dos livros do acervo é didático, enquanto obras literárias ficam em segundo plano. Foi em decorrência desse desmazelo que o acervo da biblioteca particular de Luís Camillo foi doado pela família à Casa dos Contos, em Ouro Preto. Mais uma perda incomparável para Itabira.
Arquivo Municipal
No passado, parte do acervo de livros antigos da Biblioteca Municipal foi transferida para o Arquivo Histórico Municipal de Itabira. Porém, esse acervo hoje se encontra fechado, deixado no desmazelo, sem catalogação. Uma lástima!
Lamentavelmente, a verba que havia para reabrir o arquivo foi transferida para a reabertura e funcionamento do Museu de Itabira. É o próprio “desvestir um santo para vestir outro”, considerando ainda que a municipalidade dispõe de um polpudo orçamento municipal anual que já ultrapassa a estratosférica casa dos R$ 500 milhões.
Verdade seja dita, doe em quem doer: é um descaso muito grande com a história de Itabira, para dizer o mínimo, manter o Arquivo Histórico no estado em que se encontra. É um pecado mortal, de lesa municipalidade.
Lá estão inúmeros documentos carentes de boa leitura para o necessário entendimento e conhecimento de nossa história. Estão também no amontoado do Arquivo Municipal centenas de jornais que precisam ser digitalizados imediatamente, antes que se perca a guerra com o próprio tempo. Sob o risco de total degradação e perda dos registros, nesses hebdomadários estão contidos registros valiosos para a nossa história.
Neles o historiador dedicado encontra material rico e farto para a compreensão de nossa história, que deve ser explorada não só sob o ponto de vista dos mais abastados, mas buscando as raízes de nossa formação socioeconômica e cultural também nas poucas documentações existentes sobre as comunidades mais pobres, inclusive quilombolas, a exemplo do trabalho dos faiscadores e ferreiros que também fizeram – e fazem história em Itabira por meio do proletariado moderno.
Entre o profano e o sagrado
“Há na cidade uma boa matriz, de madeira e adobes (pau-a-pique), espaçosa e asseada, com um altar-mor e dois laterais. É de arquitetura comum de duas naves seguidas e a posterior mais baixa: na fachada da maior tem duas torres, que terminam circulares, com campanários a 4 faces. Na torre esquerda tem um bom regulador. Há ainda além da matriz a Sudoeste a capela denominada de N.Sª da Saúde, por ter sido em seu princípio edificada com essa invocação, mas depois feita pela Arquiconfraria de S. Francisco, e é dirigida por ela. Não está de todo acabada, faltando alguns ornatos, mas é espaçosa e decente. Tem a mesma arquitetura que a Matriz (antiga Catedral), mas as torres da fachada são pouco elegantes por muito baixas em proporção à nave: tem também no lado esquerdo um bom regulador (sino), notando-se que é obra das oficinas antigas da fábrica do Monlevade. Tem seu cemitério particular para os confrades, cercado de pedras.”
A igreja da Saúde hoje conta somente com uma torre sineira e já com boa altura, destacando-a da nave principal. Consta na placa na entrada da igreja um equívoco extremo a respeito da data de sua construção, bem como do nome do executante da obra. Confundiram-se com a repetição de nomes familiares de pai e filho, entre Casemiro Carlos e Carlos Casemiro.
Informam que a construção da igreja foi concluída, em 1832, por Carlos Casemiro da Cunha Andrade, o filho, que nasceu em 1840. Portanto, a obra foi executada por Casemiro Carlos da Cunha Andrade, o pai.
Além destes erros crassos, a tradução do português para o inglês está repleta de erros gerais na língua anglo-saxônica na referida placa.
O antigo Cemitério de S. Francisco foi desfeito em 1970 e as ossadas dali foram trasladadas para o Cemitério do Cruzeiro. Hoje o imóvel paroquial é ocupado por lojas, escritórios, clínica ortopédica, estacionamento e salão paroquial. A Arquiconfraria de S. Francisco já não existe mais.
Rosarinho
“A capela de N.Sª do Rosário, de que já falamos em outro lugar (publicado como documento histórico aqui na Vila de Utopia também), sendo sua conclusão final com mão de obra do cunhado de João Francisco “de Andrade” (fala de Francisco da Costa Lage), que, como dissemos, com ele deu grande impulso à mineração da Serra (do Itabiruçu), está hoje asseada e devidamente zelada pela Irmandade respectiva (Irmandade de N.Sª do Rosário dos Pretos de Itabira). No Alto do Cruzeiro, onde foi a antiga Matriz, e é hoje o cemitério paroquial, há uma capela (já demolida) que tem a frente do lado do Sudoeste do octógno que circunscreve o terreno, com invocação de S. José: é pequena de uma só nave, e sem nenhum ornato, exceto um tosco altar. Serve esta capela para depósito de cadáveres e encomendações finais dos que ai são sepultados; e às vezes nela se celebra a missa.”
O pequeno cemitério da igrejinha do Rosário ainda resiste no tempo e espaço, tendo também algumas sepulturas numeradas dentro do templo.
O Comendador Casemiro Carlos da Cunha Andrade foi o proponente e executante da abertura do Cemitério do Cruzeiro. em meados de 1855.
Esta igrejinha foi reformada em 2017 com recursos oriundos do Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS Cultural), com aprovação do Conselho Municipal do Patrimônio Histórico e Artístico de Itabira (Conphai).
Embora a fila de reformas de patrimônios históricos não tenha sido respeitada, o restauro se tornou premente face à grande degradação desse patrimônio, tombado ainda em 1937 pelo atual Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). É o único patrimônio histórico e arquitetônico de Itabira que tem essa chancela federal.
Como se sabe (ou não se sabe?), no passado, uma verba federal que havia para Itabira retirar a fiação da área do centro histórico foi desviada para que fosse executada a eterna reforma do conjunto arquitetônico da Pampulha, em Belo Horizonte.
Com tantas propaladas emendas parlamentares que vereadores anunciam ter conseguido para obras diversas em Itabira, está na hora de cobrar recursos para mudar a iluminação do nosso centro histórico.
Ou quem sabe o governo municipal ainda planeja fazer mais uma parceria público-privada para investir nessa melhoria? Afinal, essa é a nova onda neoliberal que por aqui viceja. Que seja para o bem do restauro arquitetônico tão necessitado de nosso centro histórico.
segue.
Mauro querido Mauro, tava faltando as suas chorographia nesta Vila!
Tenho aqui nos meus arquivos imperfeitos uma Itabira oitocentista e lá está o “padre Tagarela”, o Júlio Engrácia. Entre umas e outras o impedimento de votar, campanha civilista, por fraude, ele era hermista…. e também muitas “loterias” para reforma da cadeia e da câmara.
Mas o tópico mais importante que você traz em sua Chorô é a situação da Biblioteca Municipal. É lastimável o que se passa naquele espaço. A última vez que estive nela, para doar livros e deve ter uns 20 anos, fiquei lívida de horror ao ver as mesas pichadas…. A cidade, toda cidade, merece um lugar só para os livros e várias outras em cada bairro pra atender estudantes primários e secundários. Mas pouco caso, indiferença, isso é velho, no Correio da Manhã é dada uma notícia de que livros doados pelo Luiz Camillo de Oliveira Neto e o poeta Drummond, estavam largados num canto de sala da prefeitura. O poeta defendeu a vergonha da cidade, mas sei que devia estar mesmo no largado., na indiferença.
Uma notícia: a Vila de Utopia está financiando a construção de uma plataforma digital das hemerotecas, basicamente da BN-Rio, e você vai poder acrescentar muita informação às suas Chorô… incluindo um estudo de genealogia. Beijoca e saudade
Olá, Cristina.
Sim, a biblioteca pública municipal daqui não merece usar o nome do Luís Camillo de Oliveira Neto, é uma desfaçatez com a memória dele.
E espero que essa plataforma fique pronta logo, a fim de podermos colocar documentos e informações nela.
Grato pela leitura e comentários de sempre,
Mauro