Namorada de Drummond, Lygia Fernandes, é apresentada a Itabira em 1990, em exposição da Fundação Banco do Brasil

Carlos Cruz

Em outubro de 1990, no aniversário de Itabira, por meio da Fundação Cultural Carlos Drummond de Andrade (FCCDA), a cidade recebe de presente da Fundação Cultural Banco do Brasil a exposição Menino Antigo, com fotos e poemas inéditos de seu filho mais ilustre.

Na exposição, a namorada de Drummond, Lygia Fernandes, foi apresentada a Itabira, em foto e versos.

Drummond com a filha Maria Julieta, na exposição da Fundação Banco do Brasil

Depois de percorrer a maioria das capitais brasileiras, a exposição foi doada à terra do poeta para ser permanente, uma maneira diferente de o poeta permanecer na cidade, já que cansado de ser moderno resolveu ficar eterno três anos antes, em 17 de agosto de 1987.

A exposição foi uma oportunidade ímpar para o itabirano conhecer um pouco mais de seu poeta, inclusive, com a confissão aberta e apaixonada, com poemas dedicados à sua namorada.

Infelizmente, essa exposição não se tornou permanente como se esperava: os poemas e as fotografias se perderam nos “porões” da FCCDA.

Se tivesse sido preservada, hoje poderia estar à mostra na Casa de Drummond. Ou no Memorial Drummond, cabendo também na Fazenda do Pontal. Pena que as coisas findas, muito mais que lindas, nem sempre ficam.

Mas felizmente, o jornal O Cometa fez o registro da exposição, que resgatamos nesta edição para gáudio do leitor deste site Vila de Utopia. Confira:

Drummond e a namorada

Lygia Fernandes, namorada de Drummond (Fotos: acervo O Cometa)

Lygia Fernandes, namorada do poeta, ficou exposta num cantinho da exposição em Itabira, em foto e versos.

“Oi, era uma vez

Uma garotinha de meia soquete

e saia xadrez.

Aí, era uma vez

Um poeta magriço

de cara de pau,

metido a escocês.

Ui, supergamado

pela garotinha

nosso vate exclama:

– Calma, que esta é minha!

E, daí por diante

– delícia completa –

Seguem abraçados

garotinha e poeta.”

Privilégio 

“O amor é privilégio de maduros

estendidos na mais estreita cama,

que se torna a mais larga e mais relvosa,

roçando, em cada poro, o céu do corpo.

É isto, amor: o ganho não previsto,

o prêmio subterrâneo e coruscante,

leitura de relâmpago cifrado,

que, decifrado, nada mais existe.

Valendo a pena e o preço do terrestre,

salvo o minuto de ouro no relógio

minúsculo, vibrando no crepúsculo.

Amor é o que se aprende no limite,

depois de arquivar toda a ciência herdada, ouvida.

Amor começa tarde.”

Confissão

“Hoje sei, e aqui sustento

em confissão modulada:

Minha vida e pensamento

são teus, minha Lyo amada!

Há trint’anos me protege

(ou mais) minha namorada.

O amor que os astros rege

nela tem sua namorada.”

Amar

“Que pode uma criatura senão,

entre criaturas, amar?

amar e esquecer,

amar e malamar.

amar, desamar, amar?

Sempre, e até de olhos vidrados, amar?” 

Drummond decide-se casar 

“Quero me casar

na noite na rua

no mar ou no céu

quero me casar

Procuro uma noiva

loura ou morena

preta ou azul

uma noiva verde

um noiva no ar

como um passarinho.

Depressa que o amor

não pode esperar! 

Tricô 

“O que segura o casamento? O tricô, que apura as virtudes femininas e o hábito.” 

Mineirice 

“Por força da lei mineira

se te levar ao cinema

levo também tua irmã,

teu irmãozinho, tua mãe.“

Drummond e a arte 

Tiradentes, de Portinari

Sobre o quadro Tiradentes, de Portinari 

“Fez-se a burocrática justiça

e o trono dorme invencível vingado,

Postas de carne do sonhador

Referem o caminho das minas.” 

Sobre o quadro Gentil homem bêbado, de Carré 

Gentil Homem Bêbado, de Carré

“De Baudelaire o conselho:

‘É preciso estar sempre bêbado

Além do imaginário e do real.

É preciso estar sempre sóbrio

para pintar a bebedeira’.”

Vida em família

Saudades da filha Maria Julieta, quando residia em Buenos Aires, Argentina:

“Juntos em países diferentes

não importa

chegam as cartas da semana

que eram cartas de domingo

e agora se escrevem ao sábado

trazem todas as notícias

pontuais.

Drummond e a filha Maria Julieta

Nunca estivemos separados

Mesmo quando o entendimento

era imperfeito

sempre estás a meu lado

ontem amanhã hoje sobretudo

dia de festa em que reúno

para oferecer-te

estas palavras de outubro.”

Adolescência, interno no Colégio Anchieta, em Nova Friburgo, Rio 

“Adeus colégio, adeus vida

vivida sob inspeção

dois anos jogados fora

ou dentro de um caldeirão

em que se fritam destinos

e se derrete a ilusão.”

Vida em BH

“Eu não tenho pena dos basbaques que

anoitecem no Bar do Ponto.

Vendo a vida e as mulheres passarem.

Tenho pena é do Bar do Ponto, que suporta

Esses basbaques há 33 anos.” 

Vida no Rio 

“Nesta cidade do Rio

de dois milhões de habitantes

estou sozinho no quarto

estou sozinho na América.”

Vida Literária 

“O nosso modernismo era pobre, inquieto, mal-educado, ignorante e feroz. Éramos modernos, ou ficávamos sendo sem saber.” 

Política 

Drummond com políticos, no Rio

“Entrei na política em 1945. Eu tinha sido chefe de gabinete de ministro no governo Vargas, mas não era político. Em 1945 eu simpatizava com o Partido Comunista e durante três meses meu nome apareceu no expediente do jornal do partido.

A experiência não me deixou saudades. Saí de lá com o rabo entre as pernas.”

Torto

“O pior é que as tristezas voltam e não há outro Garrinha disponível.”

Cético 

“Toda minha geração misturava isto: ceticismo e ironia com suas tinturas de romantismo.”

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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