“Queremos ter risco zero nas barragens de Itabira, mas não podemos demonizar a Vale”, advoga o presidente da Câmara
Para o presidente da Câmara Municipal, vereador Heraldo Noronha Rodrigues (PTB), Itabira pode perder futuros empreendimentos industriais caso fique demonizando a Vale pelo rompimento da barragem 1 da mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, deixando um trágico saldo de 180 vítimas que tiveram seus corpos encontrados e mais 130 que ainda se encontram soterrados na lama que desceu pelo rio Paraopeba.
“Que empresário vai querer vir para Itabira se nós, itabiranos, ficamos demonizando a Vale?”, perguntou Noronha, assim que abriu o “pinga-fogo”, que é o momento legislativo para se tratar de assuntos diversos, na sessão ordinária dessa terça-feira (26).
“Queremos ter risco zero para as barragens, precisamos de segurança mais que tudo. Temos de cobrar o que ocorreu e punir o CPF de quem está à frente da Vale, mas não penalizar a empresa”, defendeu o principal representante do legislativo itabirano.
“Temos que preservar a empresa, que é de grande importância econômica para Itabira e também para o país.”
O posicionamento do presidente da Câmara colocou o tema na pauta das discussões, que até então ausente, no transcorrer da sessão ordinária.
O debate sobre as responsabilidades civis e criminais ocorreu na Câmara um dia depois de o rompimento da barragem de Córrego do Feijão completar 30 dias, sem que tenha sido divulgadas as causas do rompimento, assim como ainda não se apurou as respectivas responsabilidades. O rompimento da barragem é tipificado pelo Ministério Público Estadual como crime ambiental e acidente coletivo de trabalho, o que ocasionou a morte de centenas de trabalhadores, turistas e moradores vizinhos.
Bate-pronto
A maioria dos vereadores rechaçou o posicionamento do presidente da Casa legislativa. O mais contundente foi o vereador André Viana Madeira (Podemos), que saiu com a afirmação de bate-pronto: “Quem demonizou a empresa foi quem matou 385 pessoas”, disse ele, citando um número de vítimas maior do que é informado pelo Corpo de Bombeiros de Minas Gerais. Noronha e Viana são empregados da mineradora.
O vereador sindicalista, presidente do sindicato Metabase, que congrega empregados da Vale, insiste que a empresa perdeu credibilidade para atestar a segurança de suas barragens. “Não temos cabedal (acervo, competência) técnico para avaliar se elas são seguras ou não. São mais de 5 mil famílias residindo em área de risco”, disse ele, que quer que a Câmara contrate uma auditoria independente para avaliar as condições estruturais de todas as barragens da mineradora no município.
Viana lembrou ainda de outras pendências da empresa com o município, salientando a dívida com IPTU, que foi judicializada pelo fato de a empresa não reconhecê-la. Segundo ele, essa dívida soma mais de R$ 153 milhões. A empresa não paga, por exemplo, o imposto referente à linha férrea e mesmo dos escritórios, por considerar que estão situados na zona rural do município.
Ainda de acordo com o vereador, com a exaustão das minas itabiranas, prevista para 2028, se nada for feito para reverter o quadro, será concretizado mais uma profecia do poeta Carlos Drummond de Andrade. “Itabira vai mesmo virar uma fotografia na parede. Não vai ter empregos e nem água, mesmo estando rodeada de enormes barragens de rejeito.”
Condicionantes
Com o mesmo tom de cobrança, o vereador Reinaldo Soares de Lacerda (PHS) lembrou que existem também pendências da mineradora com relação a muitas condicionantes da Licença de Operação Corretiva (LOC), aprovada pela Câmara de Mineração, do Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam), em 18 de maio de 2000.
“A Vale investiu mais de R$ 16 milhões em parques e nas condicionantes. Em troca rebaixou o lençol freático do município que hoje enfrenta escassez de água. E terá que buscar água no rio Tanque a um custo de R$ 80 milhões. Eu respeito a Vale desde que ela cumpra todas as condicionantes”, propôs o vereador, depois de cobrar também risco zero de acidentes com as barragens.
Lacerda criticou o presidente da Câmara por defender a Vale, assim como fez o prefeito Ronaldo Lage Magalhães (PTB), em entrevista coletiva, concedida na semana seguinte ao rompimento da barragem de Brumadinho. “Que os dirigentes da Vale façam a sua defesa e não nós, vereadores, que temos o dever de defender a população e não a empresa.”
O vereador pediu aos seus pares no legislativo itabirano que apreciem e votem projeto de sua autoria que obriga as mineradoras estabelecidas no município a divulgarem, permanentemente, o monitoramento das barragens.
Ele quer também que sejam divulgadas todas as ocorrências e as medidas cautelares adotadas para que tragédias ambientais e humanas com barragens não se repitam em Itabira.
Água
De acordo com o vereador Solimar José da Silva (Solidariedade), a questão da água é uma das questões mais urgentes a ser negociada com a Vale, sem se esquecer das medidas protetivas e que assegurem a total segurança das barragens. Para isso, ele concorda que é preciso avaliar se houve ou não o efetivo cumprimento das condicionantes da LOC.
Dentre elas, o vereador destaca a garantia dada pela mineradora para assegurar o fornecimento de água com vazão mínima de 450 litros por segundo. “A Acita propôs realizar um fórum permanente para debater todas as pendencias com a Vale. Precisamos unir esforços nesse sentido também”, acentuou.
Audiência
De acordo com o vereador Agnaldo “Enfermeiro” Vieira Gomes (PRTB) a Vale já espantou os possíveis investidores que poderiam se instalar com suas indústrias em Itabira, Isso pelo fato de a mineradora monopolizar a água, de classe especial, que utiliza para tratar o minério. “Vir dizer que a Vale não tem culpa, quem tem então? É o meu pai que tem culpa?”, perguntou, sarcasticamente. “Não podemos misturar sangue humano com minério.”
O vereador reivindica o imediato descomissionamento das barragens da Vale no município, com a empresa passando a dispor o rejeito a seco na forma de pilhas, como já ocorre com o material estéril retirado das minas.
O descomissionamento consiste no fechamento das barragens, com as medidas ambientais necessárias. “Dizer que não tem tecnologia é mentira, pois isso já é feito em Carajás”, disse o vereador, autor do requerimento para que seja realizada uma audiência pública na Câmara.
A Vale alega que a tecnologia de tratamento a seco, sem utilizar água, só é conhecida para minérios com maior teor de ferro. Já o descarte do rejeito da mineração a seco é também sugerido pelo vereador Rodrigo “Diguerê” Assis Silva (PRTB). “Que a Vale construa barragens menores com essa tecnologia”, propôs como alternativa para por fim as temíveis estruturas de contenção.
Jovelindo de Oliveira Gomes (PTC) retoma a pauta da realização da Audiência Pública, já aprovada pela Câmara. “É preciso dar mais satisfação à população com urgência. A audiência não pode demorar”, disse ele, ao pedir que o evento seja imediatamente agendado pela diretoria da Câmara.