Por iniciativas pública e privada, o ano começa com restauro de vários casarões históricos em Itabira

Carlos Cruz

Foi preciso pressão da sociedade, e também do Ministério Público, por meio da curadoria do Patrimônio Histórico e Cultural, para que, enfim, tivesse início a restauração dos principais casarões tombados no centro histórico de Itabira.

Todas as restaurações – incluindo a reconstrução da casinha da rua do Bongue e a reforma de outros casarões que a Prefeitura teve de assumir, pertencentes a proprietários comprovadamente sem renda suficiente para fazer as reformas, estão sendo executadas em cumprimento de respectivos Termos de Ajustamento de Conduta (TAC), firmados com o Ministério Público.

Reforma do casarão onde residiu Tutu Caramujo foi às próprias custas do proprietário. Na foto em destaque, início de reforma de casa na rua Santana (Fotos: Carlos Cruz)

Uma única exceção é a reforma do casarão que pertenceu a Antônio Alves de Araújo, o Tutu Caramujo, tombado por volumetria – e reformado no ano passado por livre iniciativa de seu tataraneto, o poeta e memorialista Marconi Ferreira, hoje seu proprietário.

Por motivo que o proprietário não entende, esse casarão não foi tombado pelo Conselho Municipal do Patrimônio Histórico e Artístico de Itabira (Comphai), mas faz parte do gabarito do entorno do centro histórico.

“Reformei o telhado. Substitui o madeirame por estrutura metálica, sem nada descaracterizar. A pintura das grades da sacada tem assinatura do saudoso Marzagão”, conta com orgulho Marconi Ferreira, referindo-se ao artista plástico e restaurador João Batista Letro de Castro, falecido recentemente.

Ajustamento

Por conta de seus proprietários, o primeiro casarão restaurado, ainda no ano passado, e que falta acabamento externo (pintura, e retirada dos tapumes), foi o casarão da rua Tiradentes que pertenceu ao célebre inventor Chico Zuzuna, famoso pelas suas invenções malucas, mas que tinham grande serventia.

Outro casarão reformado pelo proprietário: falta pintar e tirar os escoramentos

Fica ao lado do sobrado de Tutu Caramujo, memorável vendedor de livros, ex-presidente da Câmara Municipal e prefeito de Itabira por consequência (1869/72).

Para realizar a reforma, o empresário José Luiz Jardim Mariano, seu proprietário, assinou um TAC com o Ministério Público e fez a reforma –  e assim cumpriu seu dever de proprietário.

Em frente a esse casarão morava o padre Olímpio. “Eles (Tutu Caramujo, padre Olímpio e Chico Zuzuna) eram primos e nesse espaço histórico confabulavam sobre o futuro de Itabira, já cismando com a derrota incomparável”, conta Marconi Ferreira.

Já o casarão da rua Tiradentes. 290, onde viveu padre Olímpio, também reformado pelo proprietário, ficou também célebre, embora o fato seja pouco conhecido, por nele ter morado o poeta Carlos Drummond de Andrade. Isso foi quando Drummond retornou a Itabira, em 1926, para, por um breve período, lecionar Geografia e Português no Ginásio Sul-Americano, após ter-se casado com Dolores Dutra.

Armazém Sampaio já está em reforma por iniciativa dos proprietários

Reforma do antigo armazém Sampaio teve início neste ano pelos proprietários: que tenha um ótimo destino

Outra boa notícia deste início de ano é a reforma do sobrado onde no século passado se instalou o armazém Sampaio, uma das mais importantes casas do comércio varejista da cidade – e que também vendia armas de fogo. Pertence ao espólio do comerciante José Sampaio, irmão de Aloísio. O sobrado ficou por muitos anos abandonado, com vazamentos no telhado. Por pouco tombava ao chão.

Sobrado teve a rede elétrica substituída pela Prefeitura

Por intervenção do Ministério Público os herdeiros assinaram um TAC – e agora deram início à restauração, uma ótima notícia nessa terra tão farta de acontecimentos não tão alvissareiros, para se dizer o mínimo.

Conforme o acordo firmado com o Ministério Público e Comphai, a reforma é para assegurar a integridade da estrutura do imóvel. Mas será também restaurada a fachada e reconstruída a parte posterior do casarão, que ruiu.

A expectativa é que se dê uma destinação nobre ao antigo armazém de Aloísio Sampaio, contribuindo assim para revitalizar também o comércio no centro histórico da cidade.

Pendência

Continua pendente a reforma do casarão da família do escritor João Camilo de Oliveira Tôrres

Falta agora os herdeiros do sobrado da rua Tiradentes, 55, próximo do Atlético, também cumprir o respectivo TAC firmado com o Ministério Público. E que façam a sua urgente reforma.

Da mesma forma que a Prefeitura não participa da reforma do casarão do armazém Sampaio, não irá participar da reforma desse sobrado.

Isso pelo fato de os herdeiros disporem de recursos, tendo, portanto, a obrigação de assegurar a integridade do patrimônio que é particular, mesmo sendo pertencente à história de Itabira. O casarão é propriedade dos herdeiros do escritor João Camilo de Oliveira Torres.

Outras reformas são realizadas com recursos do município

Já por conta da Prefeitura, e também por força de um TAC firmado com o Ministério Público, está sendo concluída a reconstrução da casa situada na antiga rua do Bongue, hoje Monsenhor Júlio Engrácia, 39. A casa pertenceu a Miguel Alves de Araújo, filho de Tutu Caramujo.

Casa da rua do Bongue era assim…

Por descuido geral, dos herdeiros e da Prefeitura, a histórica casinha literalmente tombou ao chão. A sua reconstrução é decorrente de um procedimento investigativo, instaurado pela promotora Giuliana Talamoni Fonoff, em 11 de março de 2010.

Foi quando o Ministério Público sugeriu à Prefeitura a assinatura de um TAC, com base na lei 3.797, de 5 de dezembro de 2003, que instituiu o Programa de Revitalização do Patrimônio Cultural de Itabira. O investimento da Prefeitura na reconstrução foi de R$ 72 mil.

Reconstruída, ficou assim: ainda sem pintura

 

O programa de revitalização consiste em fornecer auxílios técnicos e financeiros aos proprietários dos imóveis tombados para que conservem seus patrimônios.

Foram excluídos desse benefício os bens tombados por gabarito, como é o caso do casarão que pertenceu a Tutu Caramujo, hoje do escritor Marconi Ferreira.

A mesma lei estipula também que o auxílio financeiro da Prefeitura irá depender de recursos disponíveis no erário municipal para esse fim.

A lei não é explícita, mas por decisão do Comphai e sugestão do Ministério Público, foram excluídos desse benefício os casarões cujos proprietários têm condições financeiras de realizar a reforma e manter a integridade dos bens históricos.

Orçamento.

Para a reforma dos casarões, que estão sob-responsabilidade da Prefeitura, o orçamento é de cerca de R$ 600 mil. O Comphai já definiu as prioridades, de acordo com a lista de inscrição, mas também levando em consideração o estado geral dos imóveis – e as condições financeiras dos proprietários.

Reforma do casarão da praça Joaquim Pedro Rosa já teve início pela Prefeitura

“Conforme ficou definido com a promotora de Justiça, estamos priorizando a reforma dos imóveis públicos tombados e aqueles que pertencem a proprietários hipossuficientes (que têm poucos recursos) e que residem em suas propriedades”, explicou o presidente do Comphai, Duval Gomes, em recente entrevista a este site.

Foi assim que o Comphai priorizou, no ano passado, as reformas e restaurações que teriam recursos municipais alocados.

Incluiu nesse rol a reforma da Casa de Drummond, já realizada. E também do sobrado da antiga Câmara Municipal, hoje Museu de Itabira, ex-museu do Ferro.

A reforma da igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos foi incluída nesse pacote. A Prefeitura realizou também a substituição da rede elétrica e pintura externa do sobrado da rua Tiradentes, 383.

Neste ano teve início também a reforma do casarão da praça Joaquim Pedro Rosa, 14. Outra reforma em curso é da casa situada na rua Santana, 191, ao lado do Colégio Nossa Senhora das Dores.

Responsabilidades

Já para o término da conclusão da reforma do antigo hospital Nossa Senhora das Dores ainda não há recurso

Em 23 de março, numa reunião com representantes da administração municipal, a promotora Giuliana Fonoff recomendou a definição de critérios complementares para a inclusão de imóveis no Programa de Revitalização do Patrimônio Histórico do Município.

Entre os critérios está sendo considerada a capacidade financeira dos proprietários dos bens históricos tombados.

Para a promotora, as obras de restauração são de grande importância para a preservação da memória histórica da cidade – e devem ser festejadas por toda comunidade itabirana.

“A manutenção da integridade do patrimônio histórico e cultural deve-se tornar um valor difundido por toda sociedade”, considera a promotora. Para ela, é dessa forma que se torna a preservação permanente. “Só assim”, diz, esses “patrimônios coletivos estarão protegidos e mantidos em bom estado de conservação”.

 

 

 

 

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7 Comentários

  1. Quantos outros belos casarões já foram pro beleleu? Os herdeiros só pensam em vacas com lucro imediato e não vislumbram que teriam mais dinheiro se mantivessem o passado daquilo que herdaram. E derrubam, alteram com a maior cara de ignorância.

    1. E o próprio casarão que foi do Beleleu, foi literalmente para o beleleu…
      Mas, por insistência do sobrinho dele, o Márcio Alves, enfim a prefeitura resolveu fazer sua obrigação e reconstruir aquele sobrado da rua do Bongue.

  2. A montanha destruída

    Hernany Luiz Ventura

    Agora não mais chego a sacada,
    Porque derrubaram a nossa casa.
    Do nosso terreiro fizeram uma represa;
    A serra que tomamos dos índios
    Foi-nos tomada.
    Não mais fica pulverizada
    Porque está baixinha, baixinha…
    Ela que era para presidir a vida,
    Como a vida está se esvaindo.
    Como várias gerações passaram.
    Ela também está indo,
    Não só britada em milhares de lascas,
    Mas também lavada,
    Por incrível que pareça
    As Gôndolas para transportá-la
    São construídas aos seus pés;
    Os supertrens que a transportam
    Já tem pistas duplas,
    Acelerando mais e mais o seu rápido desaparecimento.
    Hoje, toda demarcada, traçada e entrecortada,
    Como um peru em festa de passagem de ano,
    E cada um a tomar o seu quinhão
    Ou dar mais uma viagem.
    Detonar mais tantos pés cúbicos,
    Talvez bater novo recorde de produção.
    Sei lá… pobre serra!
    Hoje o que resta dela
    Já está calculado, pesado e vendido,
    Antecipando o futuro.
    Agora, quem lá subir,
    Pelo seu aspecto,
    Verá que ela mais parece
    Com aqueles degraus
    Por detrás da Praça Getúlio Vargas,
    Toda cheia de escadas,
    Como se fora a Torre de Babel
    Contemplará a cidade
    Velha e empoeirada,
    Onde o progresso não chegou
    Pois todos se voltaram contra
    A minha serra,
    Esquecendo-se da cidade,
    Preocupados apenas com o seu desmonte.
    Foge, minha serra, vai…
    Projetaste uma cidade,
    Enriqueceste uma nação
    E alimentaste milhares
    Ao seu redor.

    [In: Nós Somos Uma Cidade Educativa, fevereiro de 1975 – 200 anos de Itabira]

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