Audiência Pública debate mobilidade, acessibilidade e inclusão social da pessoa com eficiência

O direito de ir e vir é constitucional, garantido a todo cidadão brasileiro, conforme determina o artigo 5º da Constituição Federal. Mas esse direito, por motivos diversos, não é consagrado a todos brasileiros. Dentre os que sofrem restrições, está a pessoa com deficiência física, pelos inúmeros obstáculos que  dificultam a mobilidade e o acesso aos espaços públicos. Mas não é só o direito de locomoção que é limitado às pessoas com deficiência por obstáculos diversos.

Mesmo o país tendo uma legislação considerada avançada, na prática pouco ainda se avançou. São nada menos que 40 leis, três normas constitucionais, uma lei complementar e 29 decretos, além de quatro portarias que regulamentam as regras e os procedimentos que devem ser adotados nas urbes, escolas e em todos espaços públicos para garantir a acessibilidade e mobilidade.

Pelos últimos números do Ministério do Trabalho, são mais de 403 mil brasileiros vivendo nessa condição de restrição não só do direito de ir e vir, como também de usufruir dos demais direitos, sem se esquecer de considerar que deficientes físicos demandam necessidades que são diferentes – e que por isso devem ser tratados como cidadãos especiais. No Brasil, pelo último censo, são mais de 45 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência, o que representa quase um quarto da população.

Ana Paula reivindica o direito elementar de trabalhar (Fotos: Carlos Cruz)

Uma das conquistas que está longe de virar prática comum é a lei de cotas (Lei federal 8213/91). É essa lei que estabelece cotas para que a pessoa com algum tipo de deficiência possa se inserir no mercado de trabalho – e que é considerada um dos mais importantes instrumentos de inclusão social.

Mas na prática, nem a pequena empresa, que por determinação da lei tem que preencher 2% de seu quadro de empregados com pessoas deficientes, assim como também as grandes empresas, com uma cota exigida de 5%, não cumprem o que a lei determina.

A jovem Ana Paula de Oliveira Santos, 19 anos, é surda e por meio de sinais descreveu na audiência pública, realizada na quarta-feira (24), na Câmara Municipal, a frustração que sente quando entrega o seu currículo a uma empresa – e nem resposta obtém.

“Somos inteligentes e capazes. Precisamos apenas que entendam as nossas limitações. O surdo é igual todo mundo, sonha, quer trabalhar, mas tem dificuldade de conseguir emprego. Isso precisa mudar”, ela cobrou para que se cumpra esse direito básico de cidadania.

Exemplo de mobilidade e acessibilidade

Autoridades debatem as políticas públicas de acessibilidade. Da esquerda para a direita, o secretario de Desenvolvimento Urbano, Robson Souza, a promotora Sílvia Amaral, o vereador Agnaldo Lacerda e o secretário de Obras, Ronaldo Lott

A audiência pública foi uma iniciativa do vereador Reinaldo Soares de Lacerda (PHS), que aprovou requerimento na Câmara para a sua realização, a pedido das entidades de assistência e defesa da pessoa com deficiência. O objetivo foi discutir políticas públicas para que a mobilidade e a acessibilidade sejam direitos não são postos em lei, mas que sejam observados na prática.

Descrita em reportagem mostrada na audiência como exemplo de acessibilidade e mobilidade, Uberlândia avançou nesses aspectos de mobilidade e acessibilidade. Isso a partir das conquistas obtidas pela associação que cuida da defesa das pessoas com deficiência, como também com a execução de políticas públicas urbanísticas que apresentaram soluções práticas que possibilitam usufruir desses direitos.

Com 600 mil habitantes, a cidade do Triângulo Mineiro tem rampas de acesso para cadeirantes em todas as esquinas, no centro e nos bairros. Desde algum tempo, nenhum projeto de prédio ou loteamento é aprovado sem dispor das condições mínimas exigidas pela legislação da mobilidade e acessibilidade.

Nas escolas municipais é ensinada a linguagem de sinais. Elas contam também com máquinas de braile, espaços para cadeirantes e usuários de muletas em salas de aula.

Avanços

Raimunda Lacerda, presidente da Apae

Embora Itabira ainda esteja distante do exemplo de Uberlândia, a presidente da Associação de Pais, Amigos e dos Excepcionais de Itabira (Apae), Maria Raimunda Lacerda, salientou que em muitos aspectos a cidade avançou. “Mas ainda temos que melhorar em muitos aspectos, principalmente na inclusão social”, desafiou.

Entre os avanços, a presidente da Associação de Pais e Amigos dos Surdos de Itabira (Apasita), Enilza Soares Gregório, contou que a Prefeitura vem atendendo uma importante reivindicação da entidade.

“Está ministrando curso de libra aos seus funcionários para o atendimento nas repartições públicas. Que isso seja estendido ao comércio, aos bancos. Que os restaurantes passem a ter cardápio em braile”, sugeriu.

Segundo o vereador Reinaldo Lacerda a audiência pública foi realizada justamente para promover esse debate mais amplo sobre os avanços necessários, que podem ser implantados de imediato pela Prefeitura –  e também por todos estabelecimentos com atendimento ao público. “Uberlândia é exemplo de acessibilidade, mas é uma cidade plana, o que facilita.”

Agenda

Enilza Gregório, presidente da Apasita

A promotora Sílvia Letícia Mariosi Amaral reconhece as diferenças entre Itabira e Uberlândia, acentuando que a legislação local é avançada, mas precisa ser colocada em prática com mais evidência.

“É uma  legislação melhor que 90% das cidades brasileiras, mas não devemos contentar com o que temos”, disse ela, que propôs a construção de uma agenda de acessibilidade a ser desenvolvida pelo poder público, entidades e também pela iniciativa privada.

Com a Prefeitura ela negocia um termo de ajustamento de conduta para melhorar o acesso, a mobilidade e um melhor aproveitamento da praça Acrísio de Alvarenga, assim como também da avenida João Pinheiro. “A Prefeitura alega que o piso baixo é fácil de instalar, mas o piso tátil já encarece. Não abri mão do piso tátil, pois está na legislação. Daí que o TAC ainda não foi assinado.”

Conforme ela explicou, a lei não obriga que se adeque todos os prédios e espaços abertos ao público. “Essas exigências são válidas para as obras novas e para as reformas”, acentuou a promotora, que pede mais fiscalização para que isso ocorra.

“O Hospital Nossa Senhora das Dores está passando por reforma. Abri um procedimento para verificar se todas as normas de acessibilidade estão sendo observadas”, exemplificou a promotora como tem agido o Ministério Público.

O secretário de Obras lembrou que há dois anos Itabira aprovou o Plano Municipal de Mobilidade Urbana, mas que ainda falta muito para ser implementado. Segundo ele, em cumprimento a esse plano, os ônibus do transporte coletivo urbano têm elevador para cadeirantes.

Porém, só alguns pontos no centro – nos bairros nem se fala – possuem faixas elevadas de pedestres alinhadas com os passeios. “Itabira está avançando, mas nem sempre com a velocidade necessária. Mas estamos caminhando para fazer o que é certo e melhorar a mobilidade geral na cidade”, assegurou.

Moisés Damião, ex-vereador e ex-presidente da Aoadi

“O plano de mobilidade contém as diretrizes para se fazer a coisa certa. Itabira tem ruas e vielas que foram abertas há mais de 300 anos como as ruas Água Santa, Tiradentes, Princesa Isabel. São passeios que são interrompidos e o pedestre tem que andar na rua”, assinalou.

A fiscalização da Prefeitura antes de aprovar a execução de novas obras e reformas das antigas também precisa ser mais efetiva para a legislação que a legislação seja observada e cumprida. “É um trabalho contínuo de fiscalização e orientação para que seja garantido o direito de acessibilidade”, disse o secretário de Desenvolvimento Urbano, Robson Souza.

É ele que tem em sua pasta a incumbência de fiscalizar as imposturas urbanas que avançam sobre a cidade – e que precisam ter fim para que não voltem a se repetir daqui para frente.

Mobilização

Arão Madeira, presidente da Aoadi

O ex-vereador Moisés Damião, ex-presidente e um dos fundadores da Associação Ocupacional e Assistencial dos Deficientes de Itabira (Aoadi) ressaltou a importância da mobilização e união das entidades que defendem a pessoa com deficiência. Para ele, isso é fundamental para fazer cumprir o que está posto pela legislação.

“A ideia da agenda é boa, mas precisamos colocar em prática o que já está estabelecido. Não temos acessibilidade plena no Centro Cultural, onde foi feita uma adaptação que não funciona. A fazenda do Pontal é um local aprazível mas de difícil acesso. São espaços que precisam ser adaptados com urgência”, cobrou.

Com ele concorda o atual presidente da Aoadi, Arão Viana Madeira, que complementou: “Temos dificuldade de acesso à sede de nossa associação, nem todo mundo consegue chegar lá, o passeio do ponto de ônibus não é adequado. A causa do deficiente é de todas as autoridades”, salientou.

 

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