Para atrair indústrias e equacionar as outorgas, tarifa de água pode ficar 25% mais cara com captação no rio Tanque
Carlos Cruz
Na audiência pública realizada entre dois feriados, na quarta-feira (10), mesmo com ampla maioria formada por funcionários municipais exercendo cargo de confiança, foram poucas as manifestações favoráveis à transposição de água do rio Tanque. A solução foi apontada como único meio para resolver em “definitivo” o fornecimento de água para a população – e de quebra atrair novas indústrias para Itabira.
O secretário do Conselho Municipal de Meio Ambiente (Codema), Celso Charneca, por exemplo, perguntou se essa captação é a melhor alternativa, a mais barata – e se é ambientalmente a mais correta. “A captação de água no ribeirão São José não seria mais viável do ponto de vista econômico e ambiental”, quis saber.
Para o ex-secretário de Meio Ambiente Nivaldo Ferreira dos Santos, que não compareceu à audiência pública, mas que tem-se manifestado nas redes sociais, existem opções mais adequadas, baratas e com menor impacto ambiental.
Ele relaciona entre as alternativas captar água no Ribeirão São José e também nos córregos Cachoeira e Santa Cruz, mananciais que se encontram na vertente da bacia do rio Piracicaba.
“Não implicam em transposição de bacias e os custos previstos são menores que a opção pelo projeto rio Tanque”, ele defende, embora nada tenha sido feito pela gestão municipal da qual participou para viabilizar essas alternativas.
Com o ex-secretário de Meio Ambiente não concorda o secretário municipal de Obras, Ronaldo Lott, que acompanha as discussões sobre as alternativas de abastecimento na cidade desde o início deste século. Para o secretário, a melhor opção é mesmo fazer a transposição de água do rio Tanque. E ele não vê ilegalidade nessa captação.
“Já fazemos transposição com a água do córrego Pai João e será feita com a captação no córrego Jirau”, ressaltou. Lott integra o Conselho Gestor de Parcerias Público-Privadas (CGP),que definirá o modelo de terceirização da captação, adução e tratamento que ocorrerá com a parceria público-privada (PPP), a ser licitada (leia mais no fim desta reportagem).
Outra alternativa já estudada – e também descartada – é de se captar água do ribeirão Santa Bárbara, que fica próximo do Distrito Industrial. E está próximo também do maltratado ribeirão Candidópolis, que abastece a Estação de Tratamento de Água (ETA) da Pureza, onde quase não há mata ciliar nem mesmo no percurso dentro da área pertencente ao Serviço Autônomo de Água e Esgoto (Saae).
Alternativa definitiva
Todas essas opções de abastecimento foram descartadas. “A melhor alternativa é o rio Tanque”, repetiu o presidente do Saae, Leonardo Lopes, para quem a transposição irá assegurar o fornecimento de água de qualidade com quantidade para abastecer a população até 2044, possibilitando também a atração de novas indústrias.
Segundo ele, serão captados 200 litros por segundo (l/s), em um trecho que passa pela fazenda da Ponte, pertencente à empresa Belmont Mineração. O projeto inicial previa captar até 500 l/s.
O investimento previsto é de R$ 54 milhões, que será alocado pelo investidor privado. E será amortizado durante o período da concessão à empresa privada que ganhar a licitação, acrescido da imprescindível bonificação de despesas indiretas (BDI), onde estarão embutidos lucro e remuneração do capital investido.
Como a Prefeitura, segundo os seus representantes na audiência pública, não dispõe de recursos para bancar o investimento, a conta será paga pela população itabirana, por meio das tarifas cobradas pelo Saae.
“A estimativa é de se ter um reajuste de 25% nas tarifas, o que deve ocorrer daqui a dois anos, após a implantação do projeto e início da captação”, informou o presidente do Saae, depois de ser insistentemente perguntado.
Outorgas transbordantes
“É um projeto flexível, nada tem de novo. O que muda é o volume a ser captado, que cai de 500 l/s, que achamos exagerado para o momento, para 200 l/s”, informou Leonardo Lopes.
O tratamento da água transposta do rio Tanque será na ETA Gatos, que já a partir do próximo ano passa a produzir 184 l/s. Com isso, a disponibilidade hídrica na cidade saltará dos atuais 400 l/s para 516 l/s.
Essa disponibilidade, entretanto, segundo o Saae, cai para pouco mais de 340 l/s no período de estiagem. “Mesmo com a ampliação da ETA Gatos, com captação no córrego Jirau, não teremos água suficiente para abastecer a cidade e atrair novas indústrias.”
Segundo prevê o presidente do Saae, se nada for feito, já a partir de 2021 a cidade irá enfrentar problemas no abastecimento, como ocorreu no ano passado – e só não está ocorrendo neste ano em consequência das chuvas que começaram a cair em agosto.
Com a captação no rio Tanque, a disponibilidade hídrica passa a ser de 582 l/s no período normal, caindo para 579 l/s na estiagem. Será, portanto, ampliada em pouco mais de 80 l/s. Como então explicar essa necessidade, se a cidade passará a contar com mais de 500 l/s a partir do início das operações na ampliada ETA Gatos, com a água a ser captada no córrego Jirau?
Regularização
“Com a captação no rio Tanque iremos regularizar a situação das outorgas, que hoje está acima do que é permitido. É uma irregularidade que Itabira vive há muitos anos”, salientou o presidente do Saae. Outorga é um instrumento legal fornecido pela Agência Nacional das Águas (ANA), obtido para assegurar o direito de se utilizar recursos hídricos.
A ETA Pureza, por exemplo, tem outorga de apenas 80 l/s, mas tem produzido 170 l/s. Já a ETA Gatos tem outorga de 40 l/s, mas produz 80 l/s. Sem essa regularização, com a ampliação de 100 l/s no sistema Gatos, Itabira passa a produzir 516 l/s, bem acima da outorga total que é de 393 l/s.
Com a transposição, defende o dirigente do Saae, serão reforçados todos os sistemas de abastecimento. Para isso, será construído um anel hidráulico para interligar as ETAs e os reservatórios distribuídos na cidade.
Além disso, irá sanar essa irregularidade de captar e tratar um volume de água acima do que a legislação permite. A expectativa com a transposição é obter uma outorga de 593 l/s.
Se for concedida, o total de outorgas para o abastecimento em Itabira ficará acima da futura capacidade produtiva do sistema, projetada para obter uma vazão de pouco mais de 580 l/s no período normal – e que deve cair para 579 l/s na seca.
Outras alternativas foram desconsideradas
A opção de se instalar um novo distrito industrial na fazenda Palestina, doada em 2016 pela empresa Vale para esse fim, e que poderia utilizar água das barragens, e até do aquífero antropogênico do Pontal, foi descartada pelo secretário de Obras, Ronaldo Lott.
“Não vemos a fazenda Palestina como viável para um novo distrito. O terreno é montanhoso com muita mata ao redor”, desconsiderou. “Queremos melhorar os atuais distritos onde serão instaladas as indústrias do futuro de Itabira.”
Lott também descartou a possibilidade de ser ampliada a captação de água das outorgas da mineração, nos poços profundos existentes nas minas.
“Todas as respostas que temos da Vale são de que ela não irá sair de Itabira mesmo depois de exaurida a produção na cidade, pois vai trazer minério de outras cidades para beneficiar aqui. E ela vai precisar dessa água”, contrapôs o secretário de Obras.
“Itabira não pode ficar esperando que a Vale libere água dos aquíferos. Mais de 90% dessa água é utilizada no tratamento de minério”, disse Ronaldo Lott, que torce para que a mineradora continue utilizando da água dos aquíferos para esse fim por muitos anos, “fazendo as compensações devidas”.
Condicionante
Sendo assim, “a mineradora deveria ter participado da audiência pública”, cobrou o ativista social Wadnton Oliveira. “Se é mesmo necessária essa transposição, a Vale deveria financiar 100% da obra”, reivindicou.
Wadnton, assim como grande parte das pessoas presentes na audiência, entende que o preço a ser pago para atrair novas indústrias, com oferta de água em abundância, não pode recair sobre a população. Ele lembrou que existe condicionante da licença operacional da mineradora que trata desse assunto.
A empresa Vale, no entanto, assegura que a condicionante já foi cumprida ao financiar os estudos de alternativas de captação de água, além de outras medidas compensatórias. E que não tem obrigação legal de investir na viabilização dessas alternativas.
Empresa que desenvolve modelo de parceria público-privada é investigada
O modelo de parceria público-privada, e que será licitada, está sendo desenvolvido pela empresa Prefisan, investigada pelo Ministério Público desde 2016, suspeita de participar de licitações fraudadas na Prefeitura de Governador Valadares.
Essa empresa participa também de negociações para concessão do serviço de abastecimento de água em Caravelas, Belmonte, Prado e Alcobaça, no sul da Bahia, informa o site Bahia Notícias.
Na reportagem, o diretor do Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente no Estado da Bahia (Sindae), Gregório Rocha, diz que as negociações para terceirizar o serviço nessas cidades têm sido feitas às pressas, sem discussões aprofundadas e sem participação de moradores.
O Sindae já pediu uma investigação do Ministério Público, pois acha que os prefeitos dessas cidades podem cair num “canto de sereia”, com graves prejuízos para a população. Leia mais aqui. E também no link http://apublica.org/2015/11/o-preco-da-agua/.
É que, segundo o sindicato, onde houve privatização na forma de terceirização, a experiência não foi boa. “Eles (dirigentes da empresa privada) dizem que vão investir mundos e fundos, mas no final não cumprem com o prometido. Além disso, aumentam desordenadamente a tarifa”, complementa. (leia transcrição da reportagem aqui: https://m.facebook.com/story.php?story_fbid=2167257460267601&id=100009501035980).
A velha história se repete, nós a população é que pagamos as contas.